Olho cósmico - A lente do Kepler (à esq.), durante sua construção, e a representação artística do planeta HAT-P-7b, que ele estudou: precisão 100 vezes maior que a dos telescópios instalados na superfície da Terra - Fotos: Ball Aerospace/Techologies Corp. e Nasa
A busca e a observação de planetas fora do sistema solar constituem hoje uma das frentes da cosmologia que mais despertam entusiasmo nos astrônomos. Espera-se, assim, encontrar planetas que apresentem características semelhantes às da Terra – e que, portanto, em teoria possam abrigar formas de vida. A mais espetacular ferramenta já desenvolvida para a prospecção de exoplanetas, como são chamados os planetas que gravitam em torno de outros sóis, é o telescópio Kepler, lançado ao espaço em março pelos Estados Unidos e que entrou em operação há três meses. Seus equipamentos de detecção de luz são 100 vezes mais precisos que os dos maiores telescópios instalados em terra. Nos próximos três anos e meio, o Kepler terá como missão inspecionar 100 000 estrelas para detectar corpos em suas órbitas, tarefa que os cientistas já apelidaram, com uma ponta de humor, de o primeiro censo planetário.
Nos primeiros dez dias em operação, o Kepler já deu mostras de sua capacidade de perscrutar o cosmo. Ele visualizou, à distância de 1 000 anos-luz, ou seja, 9,46 quatrilhões de quilômetros, o HAT-P-7b, um planeta que já fora detectado pelos astrônomos, mas sobre o qual nada se sabia. Embora o planeta não seja semelhante à Terra e, portanto, esteja fora do escopo da missão do Kepler, impressiona a riqueza de informações que o telescópio obteve sobre ele a uma distância tão grande. O HAT-P-7b é gasoso, tem dezesseis vezes o tamanho da Terra, possui uma atmosfera, sua órbita dura 2,2 dias terrestres e sua temperatura média ultrapassa 2 300 graus.
Os astrônomos já supunham a existência de exoplanetas desde o século XIX, mas só há quinze anos obteve-se a tecnologia necessária para detectá-los. Hoje já se sabe da existência de 350 deles, quase todos enormes bolas de gases venenosos submetidas a forças gravitacionais colossais. A melhor surpresa nessa busca por irmãos cósmicos da Terra se deu há dois anos, com a descoberta, na constelação de Libra, do planeta GL 581c. O astro apresenta temperaturas na superfície que variam entre zero e 40 graus, tem gravidade compatível com o organismo dos seres humanos e é grande a possibilidade de que abrigue água em estado líquido. Por enquanto, porém, é inútil imaginar uma viagem ao GL 581c. A nave espacial mais rápida já construída, a sonda New Horizons, levaria 400 000 anos para chegar ao planeta. No caso do HAT-P-7b, recém-estudado pelo Kepler, a duração da viagem se mediria em dezenas de milhões de anos.
Para os leigos em cosmologia, a impossibilidade de o homem chegar aos exoplanetas pode soar frustrante. Para os astrônomos, é apenas um detalhe. A análise desses astros, mesmo a grandes distâncias, é capaz de dar enormes contribuições ao estudo do universo e de suas origens. Por isso se festeja tanto a demonstração de potência do Kepler ao analisar o HAT-P-7b. A observação de exoplanetas feita da Terra usa o método chamado velocidade radial, que se baseia na oscilação das estrelas em função do campo gravitacional dos planetas em sua órbita. Na técnica usada pelo Kepler, conhecida como trânsito celeste, os instrumentos detectam variações de luminosidade de uma estrela que podem indicar a existência de um planeta em sua órbita. O telescópio não vê o planeta, apenas a diminuição na luz do astro quando este passa na sua frente, algo como um minúsculo eclipse. Um planeta do tamanho da Terra bloqueia apenas 0,01% da luz de uma estrela do tamanho do Sol. "Isso é o mesmo que juntar 10 000 lâmpadas de 100 watts e notar que uma delas foi apagada. O Kepler tem a maior capacidade de detalhamento já vista nesse tipo de missão", disse a VEJA a astrônoma Natalie Batalha, da Nasa. Também não é pouca coisa medir a temperatura de um planeta a uma distância 23 bilhões de vezes superior à que separa a Terra da Lua. A existência de vida em outros planetas é um dos mistérios que instigam a mente humana desde sempre. Descobrir a existência de planetas com condições de abrigar vida como a conhecemos é o primeiro passo para responder a essa questão ancestral.
Fonte: Renata Moraes (Veja.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário