Viagem de 40 minutos é muito procurada por executivos e artistas.
“Embora sem redução de tarifas, mas com grande afluência do público, iniciou-se ontem a ‘ponte aérea’ entre São Paulo e Rio”. Assim começou a reportagem de 7 de julho de 1959 do extinto jornal Folha da Tarde, um dos veículos de imprensa a noticiar as operações regulares ligando as duas cidades. Em 2009, a ponte aérea faz 50 anos.
Mais precisamente, em 6 de julho. Nesta data, há meio século, uma segunda-feira, um avião saiu do Aeroporto Santos Dumont (Rio) e outro do Aeroporto de Congonhas (São Paulo) para marcar o início dos voos, que passaram a ter intervalos de 30 minutos. A rota já existia, mas sem regularidade.
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Aos 81 anos, Harro Fouquet dedicou a vida ao setor aéreo e cuida com muito “ciúme” dos documentos da época. Nunca foi piloto. Trabalhava nos bastidores. Começou em 1948 e aposentou-se pela Varig em 1993 como diretor de planejamento. Ele lembra que os aviões eram mais confortáveis do que os atuais. “Como tinha muita viagem de negócios na hora do almoço, serviam dois sanduíches, maçãs e até garrafas de vinho em caixinhas de papelão”.
Mas o lanche durante o trajeto que podia levar uma hora e hoje é feito em 40 minutos nem sempre foi farto. Diz a reportagem da Folha da Tarde: “quanto ao serviço de bordo, foram cortadas as comodidades julgadas supérfluas para uma viagem curta. A aeromoça continua a servir os passageiros, mas estes, agora, têm direito somente a café e refrigerantes”.
Rotina no ar
Duzentas e vinte milhas náuticas ou 365 km separam, pelos ares, Rio e São Paulo. A chance de chegar a um dos destinos bem rápido faz a ponte aérea ser muito procurada por executivos e artistas. De carro, a viagem leva cinco horas.
Estar na sala de embarque dos dois terminais é mais do que rotina para o casal de atores Paulo Goulart e Nicete Bruno. “Já tenho tantas horas de voo que poderia ser comissário [de bordo]. Nossa vida está nas duas cidades”, brinca Goulart. Ele diz estar acostumado a passar horas por semana na ponte área por causa dos compromissos profissionais.
“Já fiz novela em São Paulo e peça no Rio”. Apesar da correria, ele lembra os bons tempos do L-188 Electra, um dos aviões que marcaram esse trajeto. “Os fumantes sentem saudade da época em que podiam fumar no avião.” E no Electra podia. Para Nicete Bruno, tantos anos de ponte aérea exterminaram o temor de voar. “Hoje não tenho mais medo”, conta, rindo. Do passado de glamour na aviação, ela se recorda do serviço de bordo. "Era extraordinário, mas não sou saudosista. Guardo tudo na memória”.
O rei da ponte aérea
A ponte aérea com este nome foi criada a partir da junção de três empresas em forma de “pool”. Cruzeiro do Sul, Varig e Vasp se uniram em 1959 para competir com o Consórcio Real, companhia aérea que detinha a maior fatia na rota. Harro Fouquet explica que a Real programava os voos com intervalos que iam, no mínimo, de uma hora. Isso deixava “buracos” em alguns períodos do dia.
“Pelo pool, juntando as três, a ponte aérea foi operada de meia em meia hora. Antes, eram horários completamente salteados”, explica o pesquisador. A Real funcionou de 1946 a 1961, quando foi incorporada à Varig. Na década de 1970, a Varig também comprou a Cruzeiro do Sul, tornando-se uma das maiores companhias aéreas na época.
A ponte aérea teve aviões modelo Avro, Convair, Scandia, mas quem ganhou fama mesmo foi o Electra. Conhecido como o “príncipe da ponte aérea”, operou a rota Rio-São Paulo entre 1975 e 1992. A viagem levava entre 50 e 55 minutos. Nesses 17 anos, “realizou mais de 500 mil viagens, o equivalente a 5 mil voltas ao redor da terra”.
É o que diz o “Certificado do voo de despedida” do avião, que Fouquet guarda em casa. Ele participou desta viagem final em 6 de janeiro de 1992. “Teve um voo saindo do Rio e outro de São Paulo. O comandante chorou”, lembra o ex-funcionário da Varig. O certificado aponta ainda o avião como “campeão absoluto de eficiência e pontualidade” e como “símbolo da ponte aérea”.
“O Electra marcou pelo conforto. Na cauda [nos fundos], tinha uma espécie de sala onde aconteciam conversas muito animadas”, diz Fouquet. Nessa saleta, os passageiros se sentavam para beber e fumar. “Era uma confraternização muito grande. Todos nós éramos clientes”, relata o ator Paulo Goulart.
Rota executiva
Com o pouso derradeiro do Electra, os jatos passaram a dominar a rota Rio-São Paulo, ainda bastante utilizada. “Ela liga as duas cidades mais importantes do país. Foi um facilitador dos negócios”, diz Harro Fouquet. Quem sente saudades dos passageiros engravatados, que pegavam a ponte aérea a trabalho, é a ex-aeromoça da Varig Helena Tibiriçá, de 51 anos.
“A maioria já conhecia o serviço de bordo e, às vezes, a gente encontrava o passageiro na ida e na volta”, diz a ex-comissária, que fez parte do grupo de funcionários demitidos com a crise da empresa em 2006. “Nos fins de semana, eram turistas que viajavam na ponte aérea. Pediam coisas que a gente não tinha”, lembra Helena, que "ficou na ponte" entre 1985 e 1988. Para ela, o Electra, era “o mais espaçoso”, mas algo a incomodava. “Aquela fumaça dos passageiros que fumavam era horrível”, brinca.
Helena casou-se há mais de 20 anos com o comandante Fernando Tibiriçá, de 63 anos, que também fazia a ponte aérea. Mas essa nem era a viagem preferida dele. “Não fazia questão de voar. A performance é limitada nos dois aeroportos e o voo era muito na ponta do lápis. Tinha que levar em conta o peso do avião, o combustível”, conta Tibiriçá, referindo-se às pistas ainda curtas do Santos Dumont e de Congonhas.
Hoje aposentado após 36 anos de profissão, o piloto diz que sempre gostou de fazer voos panorâmicos em pontos turísticos do Brasil para mostrar aos passageiros. E fazia isso antes de pousar quando chegava ao Rio de Janeiro. “Eu passava por Copacabana. Todo mundo adorava. Hoje nem dá, o tráfego aéreo é muito intenso”.
Aos pés de gente famosa
Intenso mesmo é o fluxo de personalidades que passaram pela flanela do engraxate Percival Figueiredo, de 59 anos. Há 45 anos, ele trabalha em Congonhas e jura ter estado aos pés de Pelé, de Jânio Quadros, de Roberto Carlos, do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros e até do presidente Lula. “Mas depois que ele se elegeu nunca mais veio aqui”, comentou Figueiredo.
Impossível saber quantos sapatos ele lustrou de executivos vindos da ponte aérea, mas de algumas histórias curiosas o engraxate se lembra. “Aqui já teve muito tiroteio. Era mulher chegando no desembarque com o amante e o marido dando o flagra. Era tiro para todo o lado”, diz, rindo.
Caçando artistas
Sabendo que a ponte aérea funciona como imã de artistas, o pernambucano Zé Congonhas bate ponto no aeroporto quase todos os dias. O apelido dado ao pernambucano Irineu Bernardo da Silva, 50, partiu de um cantor, que o via com a câmera na mão toda vez que desembarcava em São Paulo.
Zé Congonhas é zelador, mas gosta mesmo é de tirar fotos de celebridades. E sabe que na ponte aérea não poderia estar melhor “abastecido”. “Eu me sinto realizado estando próximo dos artistas”, conta ele, que dá plantão no aeroporto há 20 anos. Calcula ter tirado cinco mil fotos. Atores, atrizes, modelos e políticos estão no acervo do zelador, que separa os famosos por categorias.
“Tem o ‘artista celular’, que é aquele que me vê e finge que está falando ao telefone só para eu desistir. Tem também o ‘artista me engana que eu gosto’, que diz que está apressado para voar e não pode tirar foto, mas fica esperando horas na sala VIP”, relata o pernambucano, que conta ter visto “de tudo”. “Vi um artista chegando tão bêbado que nem conseguia subir a escada rolante”, afirma ele, sem revelar o nome do cantor.
Fonte: Carolina Iskandarian (G1)
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