Aliando proteção do espaço aéreo e projeção internacional, o Brasil quer entregar ao resto do mundo um cartão de visitas que o credencia como líder regional indiscutível. Busca incrementar ao chamado "poder brando" ou "soft power" - traduzido como capacidade de diálogo diplomático - uma carga extra de persuasão, a força do "hard power".
A passagem do rei Carl Gustaf e da rainha Silvia por aqui é apenas o episódio mais recente. Antes dele, o presidente francês, Nicolás Sarkozy, e a secretária de Estado norte-americana, Hilary Clinton - para citar dois dos personagens diretamente envolvidos na fase final do processo -, não se furtaram a negociar e vir aqui fazer lobby pessoalmente.
Pela ordem, eles representam os interesses das fabricantes Saab, Dassault e Boeing. Foram as três mais bem avaliadas numa concorrência que teve ainda a participação dos russos da Sukhoi, dos norte-americanos da Lockheed Martin e do consórcio europeu Eurofighter.
Explica-se o difuso interesse: ao oferecer uma generosa bolada de dinheiro e deixar encaminhadas compras futuras, o Brasil trouxe para sua proposta o ávido interesse da indústria bélica internacional. Em contrapartida, o governo brasileiro exige transferência irrestrita de tecnologia e o direito de produção sob licença da aeronave no Brasil e de exportação do know-how ao mercado sul-americano.
Países que já tinham acertado suas compras adiaram a decisão, à espera da opção brasileira - as aeronaves escolhidas pelo Planalto tendem a ficar mais baratas para outros compradores, uma vez que a fabricação de uma maior quantidade de aeronaves deve gerar economia em escala de produção.
Necessidades
Dono do quinto território mais extenso do mundo, o Brasil tem espaço de sobra para ser vigiado. Ainda mais em regiões ao mesmo tempo inóspitas e estratégicas, de difícil porém imprescindível monitoramento, como a Amazônia - isso sem falar no mar territorial, que tem sob si as gigantescas reservas de petróleo na camada pré-sal. Por si só, já se justificariam os investimentos.
O maior de 12 vizinhos também se lança, ainda, como uma espécie de responsável pela harmonia e integração do continente. Acima disso, quer deixar claro que, aqui, quem manda é ele. Tenta, consequentemente, aproveitar a urgência dos investimentos em defesa para adquirir o capital dissuasório que lhe é necessário para barganhar no grupo das grandes potências.
Para atuar na vigilância do espaço aéreo nacional, as 36 aeronaves - se a escolha for pelo aparentemente favorito Rafale - devem sair por R$ 18 bilhões, apesar de os suecos pedirem quase a metade disso em sua proposta. Nesse projeto, a economia de dinheiro não é o essencial.
Tecnicamente, argumenta o governo, com base na Estratégia Nacional de Defesa (END), vale fazer negócio com quem se dispõe a transferir tecnologia, ponto crucial no revigoramento da indústria bélica nacional. Politicamente, pesa o fato de bater o martelo com quem pode ser decisivo na meta mais ambiciosa do Palácio do Itamaraty: conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Com os caças Rafale, a França promete as duas coisas. O governo brasileiro confia, e assim avaliou que compensa encarar os desgastes, mesmo tirando mais dinheiro do cofre. Nos frequentes encontros que tiveram, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolás Sarkozy de certo modo se apalavraram, embora o brasileiro negasse depois que qualquer decisão tivesse sido tomada. Mas falta uma reunião com o Conselho de Defesa Nacional e o anúncio sai, possivelmente, no mês que vem.
Últimas cartadas
Estados Unidos e Suécia, porém, não dão o jogo por encerrado. Para vender os modelos F-18, os norte-americanos sugeriram facilidades para a Embraer em negócios com Washington. No começo do mês, reforçaram o lobby por meio de uma visita da secretária Hilary Clinton. Entretanto, conta desfavoravelmente o fato de os norte-americanos não serem lá muito dados a revelar os segredos que os fazem ser a maior potência militar do planeta.
Já os suecos, além do atual lobby pessoal do rei, insistem que os Gripen são a melhor e mais barata opção. Nesta semana, surpreenderam ao veicular um longo comercial, em horário nobre da televisão brasileira, alardeando as vantagens de seus modelos.
De fato, a oferta dos escandinavos é a mais em conta e, num primeiro momento, os aparelhos foram os preferidos da FAB. Mas o Planalto teria se queixado das peças norte-americanas que os compõem, o que comprometeria a transferência de tecnologia. No fundo, porém, deixou no ar a sensação de que pressionou a Força Aérea a elaborar um parecer mais adequado aos interesses do governo. E assim, o relatório final considerou os três modelos tecnicamente equivalentes para atender às necessidades brasileiras, abrindo caminho para o Rafale.
Não saiu de graça, porém. Houve um mal-estar não só na Aeronáutica, mas entre militares de outros setores. "Fico estarrecido que uma instituição incumbida de avaliar o que melhor lhe interessa faça um estudo competente, apresente opções, e o governo acabe tomando uma decisão política", reclama o coronel Amerino Raposo, do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos.
Pós-venda
Com os Rafale praticamente encaminhados, vai emergir a necessidade de se extrair da parceria tudo o que ela puder render. Neste ponto, o ex-ministro da Infra-Estrutura no governo Collor e ex-presidente da Embraer e Varig Ozires Silva defende uma efetiva participação da fabricante nacional de aeronaves. "É uma empresa que tem competência suficiente para arrancar dos franceses tudo o que se necessita, mas sempre com a retaguarda governamental", opina.
O pós-venda também deixa um pouco reticente o brigadeiro Mauro Gandra, que comandou a Aeronáutica em parte dos anos FHC. "Minha experiência ao trabalhar com a logística das empresas francesas por nove anos faz-me lembrar das dificuldades do pós-venda das mesmas, que deixa muito a desejar. Creio que se o escolhido for o Rafale, como tudo leva a crer, o contrato de suporte logístico pelos próximos 20 anos deve ficar muito bem amarrado."
Demais setores
O controle efetivo do espaço aéreo brasileiro, porém, vai muito além da renovação dos caças. Exige ainda mais dinheiro e novas negociações. Boa parte da frota está indisponível, seja por questões logísticas, seja por falta de recursos. Entre 2015 e 2030, todas as aeronaves terão de ser substituídas - cerca de 100 aparelhos, isso sem contar com as futuras necessidades do Brasil, estipuladas pela END.
Será preciso, por exemplo, trocar os chamados "sucatões", que servem para reabastecimento de voo e transporte de carga. Também é fundamental expandir a aviação de patrulhamento e a de reconhecimento, aquela que ajudou a encontrar os destroços do airbus da Air France que caiu no mar faz quase um ano.
Não que a Aeronáutica esteja na míngua, mas, assim como as outras co-irmãs, carece de novos aparelhos e de reestruturações. "Armamento é um item de consumo: ou você gasta ou fica velho, e daí tem de ser trocado", observa Ozires Silva.
De acordo com o ex-ministro Mauro Gandra, o maior desafio da Aeronáutica - conseguir as verbas para manutenção dos equipamentos e para a vida vegetativa e operacional - não vem de hoje. No entanto, ressalta, se levar em consideração as limitações orçamentárias de um país em desenvolvimento como o Brasil, que não entra numa guerra há mais de 65 anos, o reequipamento da FAB, em relação às demais Forças, tem sido "bastante razoável".
Com tantos desafios pela frente, revigorar a Aeronáutica segue como prioridade de um país que aposta na potencialidade de suas Forças Armadas para se consolidar como player decisivo na comunidade internacional. Enxergando nos franceses os parceiros ideais para essa projeção, o Brasil, de um lado, renova sua frota de caças; de outro, adquire submarinos - um deles, nuclear -, helicópteros e outros armamentos.
Mais do que simplesmente sair às compras para proteger seu território, busca aprender como elas são produzidas. Com isso, estimula sua própria economia, aumenta o intercâmbio com os vizinhos e vai cavando seu espaço como o líder regional capaz de representar o mundo em desenvolvimento.
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Fonte: Danilo Almeida (Yahoo! Notícias)