Livreto distribuído esta semana lembra aos parlamentares que é proibido transportar familiares e eleitores com dinheiro público. Quem infringir normas terá valor descontado no salário
A Câmara publicou nesta semana um manual de instruções para esclarecer aos deputados o que é permitido no uso da cota de passagens aéreas da Casa. Depois do escândalo da farra dos bilhetes (leia mais), revelado pelo Congresso em Foco, os parlamentares ficaram com diversas dúvidas sobre quem poderiam transportar com dinheiro público, como familiares, eleitores, assessores e terceiros.
O livreto “Passagens aéreas - esclarecimentos da 3ª Secretaria sobre o Ato da Mesa 43 de 2009” foi entregue aos gabinetes da Casa na quarta-feira (17). Uma versão também foi publicada na intranet da Câmara. Segundo funcionários da Terceira Secretaria, responsável pela distribuição do benefício, os deputados estavam “completamente perdidos” com as mudanças nas regras. O manual também atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que recomendou em abril à Câmara que desse mais clareza às proibições.
Alguns parlamentares, de acordo com assessores, entraram em conflito após a forte reação da opinião pública a práticas que eles consideravam corriqueiras, como usar créditos da cota da Câmara em viagens de turismo com a família. Agora quem infringir normas terá valor descontado no salário.
Saiba o que é permitido e o que é proibido, na Câmara e no Senado
O manual traz toda a legislação interna da Câmara sobre o tema passagens aéreas, incluindo regras revogadas, como os Atos da Mesa 42/00 e 11/07.
Durante a divulgação da série de reportagens do Congresso em Foco sobre a farra das passagens, os deputados mudaram de opinião sobre o assunto. Seis dias após a divulgação da lista de congressistas que voaram para o exterior com verba pública, a Mesa reduziu em 20% o valor do benefício disponível para as viagens, por meio do ato 42/09, de 28 de abril.
Essa norma acabou com a verba extra para integrantes da Mesa e líderes partidários. Mas os deputados recriaram o benefício logo em seguida com o Ato da Mesa 43/09. Os líderes mantiveram a cota extra e os presidentes e vice-presidentes de comissão também passaram a ter direito a ela. Os integrantes da Mesa perderam a verba adicional.
O Ato 43 é importante porque funde a verba aérea com a verba indenizatória e as cotas postal e telefônica. A nova regra começa a valer a partir de 1º de julho.
A cota mensal de passagens foi regulamentada na primeira gestão do atual presidente, Michel Temer (PMDB-SP). O Ato 42, de 21 de junho de 2000, da Mesa Diretora, estabeleceu um crédito em viagens para os parlamentares conforme o estado de origem.
A regra revogou o Ato 4, de 1971, que garantia aos deputados quatro passagens aéreas gratuitas por mês, uma das quais entre Brasília e a antiga capital federal, o Rio de Janeiro. A mudança foi justificada, na ocasião, como uma necessidade do exercício do mandato. Os parlamentares se queixavam que, com a restrição das viagens ao estado de origem, não podiam visitar outras unidades da Federação para participar de debates nacionais (leia mais).
O valor destinado a cada bancada estadual é reajustado a cada seis meses. O ato normativo de 2000 foi alterado em 2002 pelo então presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG). Na época, a Mesa decidiu beneficiar seus integrantes e os líderes partidários com um acréscimo na cota mensal de passagens aéreas.
Cerco do MPF
Há dois meses o Ministério Público Federal (MPF) enviou uma recomendação a Michel Temer, solicitando mais rigidez no uso da cota de passagens aéreas pelos parlamentares, diante de diversas irregularidades observadas, como as reveladas pelo Congresso em Foco.
O Ministério Público Federal identificou que os parlamentares estavam viajando para regiões diferentes de suas bases eleitores e transportando familiares e eleitores. Para os procuradores da República que assinaram a recomendação, o Ato da Mesa 42, de 2000, então vigente, já era suficiente para proibir essa e outras práticas, como voos internacionais, repasse dos bilhetes para terceiros e o uso por congressistas licenciados (caso dos ministros) ou ex-parlamentares.
Apesar disso, o MPF recomendou à Câmara que a legislação fosse mais clara quanto à proibição. “A única finalidade pública que justifica o pagamento da cota de transporte aéreo é possibilitar aos membros da Câmara dos Deputados um contato mais próximo com suas bases eleitorais”, sustentaram os procuradores Anna Carolina Resende, Bruno Acioli, Carlos Henrique Martins Lima e Daniela Batista Ribeiro (leia a íntegra).
Proibição legal
O uso de passagens aéreas por terceiros ou em viagens que não tenham qualquer relação com o exercício do mandato já era vedado pelo ato normativo que disciplinava o benefício. Esse é o entendimento do professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, especialista em direito constitucional e público, e do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo.
Procurados pelo site durante a publicação da série sobre a farra das passagens, Serrano e Cosenzo foram taxativos ao dizer que o benefício é funcional, e não individual, e que não pode ser tratado como se fosse uma remuneração indireta para os parlamentares. Além do deputado, apenas assessores em serviço podem se valer da cota quando estiverem auxiliando o parlamentar no exercício do mandato.
O professor da PUC-SP lembra que no direito público a lógica é inversa à do direito privado. “O particular pode fazer tudo exceto o que a lei proíbe. No direito público, o que não está autorizado na lei é proibido”, sentenciou Serrano. O Ato 42, de 2000, não faz qualquer menção ao uso da passagem por terceiros.
Para o presidente da Conamp, os deputados mascaram a realidade ao dizerem que podem fazer o que quiserem com a cota. “O parlamentar não é dono da passagem. Ele não pode fazer o que quiser com ela. O benefício existe apenas para auxiliá-lo no mandato”, afirmou Cosenzo.
Fonte: Eduardo Militão (Congresso em Foco)
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sábado, 20 de junho de 2009
Manual ensina deputado a usar cota de passagens
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