quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Aconteceu em 5 de setembro de 1958: Voo Loide Aéreo Nacional 652 - O acidente aéreo na Paraíba em que Renato Aragão, o "Didi", sobreviveu


Por volta das seis horas da manhã de sexta-feira, 5 de setembro de 1958, o avião
Curtiss C-46A-45-CU Commando, prefixo PP-LDX, do Lóide Aéreo Nacional, partiu do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para Campina Grande, no Estado da Paraíba. 

Mais tarde, ao decolar do Recife, última escala da viagem, o PP-LDX conduzia a bordo quatorze passageiros e quatro tripulantes. 

Um Curtiss Commando do Lóide Aéreo Nacional, similar ao envolvido no acidente
Tendo perdido a primeira aproximação, por não conseguir avistar a pista de Campina Grande devido à forte névoa seca que reduzia a visibilidade, o comandante Osias Ferreira de Mello arremeteu e tentou circular o aeródromo à baixa altura para pousar por referências visuais. 

Ainda sem conseguir avistar a pista, Osias tentou novo procedimento de descida, ao fim do qual uma das asas do avião colidiu com pequena elevação e se desprendeu. Desequilibrado, o bimotor bateu forte no chão e se destroçou em uma região de mata próximo a Campina Grande.


Atualmente a localidade já está bem povoada, nas imediações do Presídio do Serrotão, próximo do distrito de São José da Mata.

O incêndio subsequente ficou limitado à asa que se desprendera no primeiro impacto, o que permitiu que cinco ocupantes do avião sobrevivessem ao desastre. O comandante Osias Ferreira de Mello, o radiotelegrafista Jaime Carmo Alves e onze passageiros perderam suas vidas. 

Sobreviveram o copiloto Breno Capistrano, os comissários Santos e Libório e três passageiros, dentre os quais Renato Aragão, o eterno Didi Mocó, de Os Trapalhões., então estudante de Direito.


O agricultor Francisco Basílio da Cunha, que morava na fazenda Edson do Ó, localizada no Serrotão, saiu correndo e se deparou com os estragos. O avião, segundo ele, havia se partido em três partes com o impacto. Os passageiros atirados para fora, alguns despedaçados. Francisco foi uma das primeiras pessoas a se aproximar do local onde ocorreu a tragédia. Ao ver o avião despedaçado e os mortos e feridos, Francisco Basílio saiu correndo e foi chamar o seu pai, José Ribeiro da Cunha.

Minutos depois, chegou a guarnição do Corpo de Bombeiros, comandada pelo sargento José Rulfino. A cena era muito forte. Mesmo com a memória falhando devido o tempo, Francisco relembra as horas de horror. Francisco disse que ajudou os bombeiros a juntar os mortos. O pai dele também ajudou os bombeiros no trabalho de resgate.


O resgate das vítimas foi feito por policiais do Corpo de Bombeiros para os hospitais Pedro I, Pronto Socorro e Ipase. "Eu lembro que foi grande a correria na redação do jornal. As fotos eram terríveis", recordou o jornalista Joel Carlos, que na época trabalhava como repórter do Diário da Borborema.

Renato Aragão contou em entrevista que o acidente aconteceu durante o período em que ele estudava Direito e participava dos Jogos Universitários, em Recife, Pernambuco. 

Quando estava voltando de Recife para Fortaleza, no Ceará, o avião, perdeu altura nas imediações de Campina Grande, na Paraíba. "Passou o comissário e disse: apertem os cintos que nós vamos pousar”, relatou Renato Aragão.

"Quebrou a asa, quebrou a calda, e eu fiquei na parte que sobrou, de cabeça pra baixo. Aí eu vi muita gente morta, muita gente ferida, incêndio…”, relatou Aragão.


Depois do choque da queda da aeronave, Aragão encontrou um colega e viveu um momento emocionante de gratidão. "Fui atrás do meu colega, a gente se encontrou e nos abraçamos, fomos rezar. Foi um momento maravilhoso de agradecimento, rezamos para agradecer por estarmos vivos. Ficamos ali ajudando e quando tudo ficou mais calmo a gente se perguntou ‘onde nós estamos?’, era no meio de uma floresta, ninguém sabia”, disse.

Renato Aragão também disse que conseguiu sobreviver e chegar na cidade somente depois de viver um momento de tensão. É que diversas pessoas armadas com facas saquearam o avião.

"A gente ficou sentado esperando, escutamos um barulho na mata, era gente com facão e veio uma multidão de facão pra saquear o avião. Os primeiros que vieram tiraram alianças de pessoas mortas”, contou.

O então estudante chegou até a cidade de Campina Grande depois de ter a ideia de seguir o caminho oposto ao feito pelas pessoas que estavam armadas. "Ele (o colega de Renato) falou ‘vamos aproveitar’. Eu nunca andei tanto na minha vida para chegar lá, mas a gente sabia que era por ali”, disse.

Depois de andar muito, Renato e o colega conseguiram ajuda na cidade e chegaram até Fortaleza, onde conseguiram reencontrar os familiares com vida.

Apesar de Renato Aragão ter sobrevivido, várias pessoas morreram na queda de avião – ao menos 13. Entre as vítimas estavam o empresário Iremar Vilarim Meira. Em 2010, anos depois da tragédia o filho dele, Paulo Marcelo, que era criança quando o pai morreu, relatou à TV Paraíba as lembranças que tinha daquela noite.

Segundo Paulo Marcelo, o avião ficou nos arredores de Campina Grande por um bom tempo, tentando pousar em segurança. "Nós começamos a ouvir o barulho do avião sobrevoando Campina Grande tentando pousar. Minha mãe fez um comentário dizendo que meu pai estava em casa mas não podia chegar. Logo depois cessou o barulho nós pensávamos que ele tinha ido embora, mas não, o avião colidiu”, disse.


Assim como relatou Aragão, Paulo também disse que diversas pessoas saquearam o avião e roubaram as vítimas. O pai dele inclusive trazia uma mala com dinheiro, que não foi encontrada após a confirmação de sua morte.

Além dos familiares das vítimas, quem também lembra do acidente são as pessoas que moravam na região onde o avião caiu. Eliane contou à TV Paraíba que cresceu ouvindo histórias sobre a noite de 5 de setembro de 1958. "Meu pai e meu tio falavam que estavam plantando quando ouviram um barulho e era um avião caído. Tentaram até socorrer as pessoas”, relatou.

Seis décadas depois, a “capela do avião”, monumento erguido no local do acidente para homenagear as vítimas segue recebendo pessoas que querem prestar homenagens ou mesmo conhecer a história famosa na região.


O relatório final apontou como causa do acidente “erro do piloto procedimento impróprio durante voo por instrumentos. Contribuiu (para o acidente) a incorreta previsão meteorológica transmitida ao comandante”. 

Roberto David de Sanson Filho, que voou no Lóide Aéreo de 1950 a 1957, relata, em seu precioso livro 'A História do Lóide Aéreo', que Osias Ferreira de Mello originalmente era radiotelegrafista de voo. Com o tempo, ele obteve a licença de piloto privado no Aeroclube do Brasil, que suplementou com alguns exames teóricos na então Diretoria de Aviação Civil, o que lhe possibilitou ser transferido para o quadro de copilotos do Lóide. 

Ao contrário do DC-3, dócil e generoso, o Curtiss C-46 Commando era exigente; um passo grande demais para quem pilotara só “Paulistinhas” de aeroclubes. Naquela época não existiam simuladores de voo, de modo que o treinamento dos copilotos se fazia em rota e dependia da boa vontade dos comandantes. 


Inicialmente, os copilotos apenas auxiliavam seus comandantes em tarefas básicas, como suspender e abaixar o trem de pouso, sintonizar estações, falar no rádio e preencher relatórios. Assim, levavam muitos anos até adquirirem condições de almejar a cadeira da esquerda da cabine de comando de um “Mamute”. 

Uma das tarefas mais difíceis e penosas do piloto-chefe é decidir se um colega tem ou não capacidade de ser promovido a comandante. Normalmente, vários comandantes avaliam o candidato, porém a decisão final cabe ao piloto-chefe. 

É fácil decidir nos casos evidentes de capacidade ou incapacidade técnica; difícil é quando o candidato satisfaz a quase todos os requisitos, porém não inspira confiança de que saberá lidar com situações críticas, impossíveis de serem fielmente simuladas. Mais do que o domínio da técnica, é a capacidade de julgamento do candidato que está em questão, o que só pode ser avaliado subjetivamente. 


Nesses casos, não cabe a máxima “In dubio, pro reo”, mas a antiga e clássica pergunta dos aviadores: “Você embarcaria sua família num voo conduzido por ele?”. Se a resposta for negativa, o candidato deve ser reprovado. 

Segundo o comandante Sanson, todos no Lóide Aéreo gostavam de Mello. Sério e cumpridor de suas obrigações, ele não dava trabalho aos comandantes. O problema surgiu na hora de promovê-lo. Seu treinamento foi muito longo, e mais de uma vez ele retornou à linha, reassumindo a função de copiloto, com a recomendação aos comandantes para que se empenhassem em instruí-lo. A maioria deles foi desfavorável à promoção de Mello por seu desempenho ser inconstante, principalmente sob tensão. Em condições favoráveis ele era um piloto normal, mas seu desempenho se deteriorava em momentos difíceis. 

Em meados de 1957, parecia que a carreira de Mello estava irremediavelmente estagnada na função de copiloto. Ocorre que, nessa época, o Lóide havia adquirido vários Douglas DC-4, que estavam absorvendo os comandantes mais antigos e experientes do C-46. Também um desentendimento do grupo de voo com a diretoria de operações levara muitos veteranos, dentre eles o comandante Sanson, a deixar a empresa espontaneamente, agravando a escassez de pilotos de Curtiss C-46. 


Segundo ainda Sanson, quando Mello foi novamente cogitado para promoção a comandante, especulou-se que a ordem partira do próprio presidente e dono da empresa, Coronel Gibson. Seja como for, o certo é que Mello foi promovido algum tempo depois de ter sido reprovado nos treinamentos de elevação de nível a que fora submetido. É importante esclarecer que Osias Ferreira de Mello não teve participação direta nas decisões que mudaram sua vida e culminaram por selar seu destino. 

A pista de Campina Grande não era plana. Devido à sua pequena extensão, pousava-se no sentido do aclive e decolava-se no sentido do declive. Segundo, ainda, o comandante Sanson, “Era muito comum nas primeiras horas da manhã uma camada de nevoeiro ralo cobrindo a pista, mas não a ponto de impedir o pouso. Eventualmente esta camada tinha uma espessura maior, e o piloto decidia se fazia a aproximação para o pouso por instrumentos, sabendo que a névoa estava colada na pista, mas, não sendo densa, permitia uma visibilidade vertical e horizontal suficientes para a manobra.” 

Além do mais, a tripulação deveria estar cansada, pois a decolagem do Aeroporto Santos Dumont se dera às 3h42min daquela madrugada, tendo o avião escalado em Vitória, Ilhéus, Salvador, Aracajú, Maceió e Recife antes de prosseguir para Campina Grande.
 

Na verdade, a história profissional de Mello até pode ter contribuído, mas não parece haver concorrido decisivamente para o acidente, que provavelmente derivou mais da precariedade da infraestrutura e das práticas operacionais da época do que propriamente das limitações técnicas do comandante. Naqueles tempos, acidentes ocorriam com alarmante frequência, mesmo com comandantes que gozavam de alto conceito entre seus pares. 

O acidente do PP-LDX foi o único a causar vítimas fatais entre passageiros dos vários Curtiss C-46 Commando operados pelo Lóide Aéreo Nacional entre 1949 e 1962, ano em que a empresa foi vendida à VASP. 


Seis anos antes, na noite de 24 de maio de 1952, o C-46 PP-LDE mergulhara nas águas do Rio Negro logo após decolar de Manaus em voo cargueiro, causando a morte de seus seis tripulantes.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com informações de Wikipédia, ASN, Livro "O Rastro da Bruxa", Jornal da Paraíba e baaa-acro.com

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