segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Setor aéreo teme vinda de pilotos de segunda linha ao Brasil

Projeto de lei permite a contratação de estrangeiros nas companhias brasileiras como alternativa para evitar apagão de mão de obra

Piloto da Japan Airlines em uma aeronave Embraer E170, no aeroporto de Tóquio

A contratação de pilotos estrangeiros nas companhias aéreas brasileiras, em discussão no Congresso, pode atrair profissionais menos qualificados para o Brasil, segundo o temor de alguns segmentos da indústria. O projeto de lei que altera o Código Brasileiro de Aeronáutica, o mesmo que propõe o aumento do limite de capital estrangeiro nas companhias aéreas, abre a possibilidade de contratação de pilotos estrangeiros no Brasil, hoje restrita a instrutores de voo.

Segundo o diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviáriais (Snea), Ronaldo Jenkins, os incentivos à formação são a melhor iniciativa para evitar a escassez de profissionais no setor. De acordo com a proposta em discussão no Congresso, as companhias aéreas poderiam empregar profissionais estrangeiros em um período máximo de 60 meses e apenas em caso de escassez de mão de obra nacional.

Mesmo em caso de carência de mão de obra, a contratação de profissionais estrangeiros para suprir esta necessidade é questionável. “As companhias brasileiras só vão contratar estrangeiros em último caso, e olhe lá”, afirma Jenkins, do Snea, entidade que reúne companhias como TAM, Gol e Azul.

Segundo ele, a restrição se deve à complexidade em atestar a qualidade técnica dos profissionais. “É difícil comprovar como o piloto cumpriu os requisitos de horas de voo. Isso necessitará um estudo profundo”, disse.

O ex-diretor da Anac, Allemander Pereira, concorda. Para ele, é ingenuidade acreditar que virão para o Brasil pilotos experientes, que hoje atuam nos mercados americano e europeu. “Virão profissionais de mercados periféricos”, diz.

Procurada pelo iG, a Anac informou que não se pronuncia sobre o tema, já que o projeto ainda não foi votado. A agência é responsável pela regulamentação dos pilotos e disse que, caso a mudança seja aprovada, vai desenvolver um método para fiscalizar os estrangeiros.

Formação cara, salário baixo

Os sindicatos que representam os pilotos de companhias aéreas e de empresas de helicópteros são contrários à mudança na legislação para permitir a contratação de estrangeiros. Eles afirmam que não foram ouvidos durante a elaboração da proposta. "Essa mudança vai atender o interesse de setores específicos e casa com essa tendência de entrada de capital estrangeiro no Brasil", diz Graziela Baggio, do Sindicato Nacional dos Aeronautas, entidade que representa pilotos e comissários.

“Contratar estrangeiros é perigoso e não resolverá o risco de escassez de mão de obra. O melhor é investir na formação de profissionais”, afirma Rodrigo Duarte, diretor da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), que representa um dos setores com maior carência de profissionais.

O custo de formação de um piloto, que pode superar R$ 100 mil, somado aos salários baixos praticados no Brasil, tornou a carreira de profissional da aviação menos interessante, afirma a presidente do sindicato dos aeronautas. Segundo ela, hoje há cerca de 500 pilotos brasileiros trabalhando em companhias aéreas estrangeiras. “Eles são altamente qualificados, mas não atuam no Brasil porque aqui os salários são baixos”, afirma.

Para os sindicatos do setor aéreo, a solução para evitar a escassez de profissionais não é a contratação de estrangeiros, mas iniciativas como a ampliação do programa da Anac de bolsas de estudos para pilotos, oferta do curso em universidades públicas e reajustes salariais.

Votação, só depois das eleições

A expectativa do relator do projeto, o deputado Rodrigo da Rocha Loures (PMDB-PR), é que ele seja votado pela Câmara dos Deputados depois das eleições. A proposta ainda deve ser apreciada pelo Senado e sancionada pelo presidente da República.

O deputado afirma que a alteração na legislação do setor visa a evitar que o descompasso entre o crescimento do mercado de aviação e a formação de pilotos inviabilize a expansão da oferta de transporte aéreo. “O foco da mudança é o passageiro. Não queremos que ninguém deixe de voar por falta de piloto”, disse Loures.

Há cerca de 4,5 mil pilotos e copilotos operando nas companhias brasileiras, de acordo com dados de 2008, os mais recentes disponíveis nas estatísticas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em 2009, quando o setor aéreo cresceu 17,6%, foram emitidas apenas 258 licenças para piloto de linha aérea pela Anac.

Fonte: Marina Gazzoni (iG) - Foto: Getty Images

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