Um ano depois do ataque do tráfico ao helicóptero da PM no Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, o jornal EXTRA apresenta histórias exclusivas sobre o episódio no especial 'O Dia do Abate' - parte 2.
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- Hoje os meninos estão animados - brincou Marcos, referindo-se aos traficantes.
Tá entrando fumaça! Se o Vaz já perdeu o controle, eu já perdi também. Será que a gente vai morrer? O campo tá chegando, tá chegando. A gente vai cair. Meu Deus...
A noite da véspera foi estranha para a mulher do soldado Edney Canazaro. Quando o marido foi deitar, pediu a companhia dela. Verônica conhecia aquele rosto há quase sete anos, mas, ao se enroscar nos braços do marido, achou tudo meio diferente.
- Mô, você tá mais bonito hoje - soprou ao mesmo ouvido que, cinco meses antes, em frente ao padre, ela havia dito "sim".
Canazaro e Stadler chegaram ao GAM cedo, às 7h, como de costume. O cabo Anderson Fernandes já estava lá. Morador de Santíssimo, na Zona Oeste, acordara às 4h30m para chegar ao trabalho. A baldeação em três ônibus tinha ajudado a dissipar um desentendimento da véspera com a mulher. Mas trabalho era trabalho. Vibração era palavra de ordem para quem se dispõe a guerrear pelo ar nas favelas cariocas.
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A calma do dia foi quebrada por um sargento de 1,60m. Numa empolgação inversa à sua altura, Jefferson Cordeiro já estava no tal estado de vibração típico de quem serve no GAM.
- Tá tendo um problema nos morros dos Macacos e São João, uma invasão, troca de tiro, policial encurralado - contou Cordeiro, que, apesar do tamanho, representava com perfeição o tal ideal de vibração.
Logo depois, o coronel Eduardo Luiz, comandante do GAM, telefonou para Mendes.
- Decola pro Morro dos Macacos, para dar apoio. Faz contato com o telefone de alguém que esteja em terra - ordenou Luiz.
Foi Cordeiro que definiu quem seriam os quatro tripulantes que acompanhariam o piloto Vaz e o copiloto Mendes. Fernandes, Stadler, Canazaro e Patrício.
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Rola, Patrício. Rola! E se eu bater nele com o meu macacão? Não tenho mais o que fazer... Quase não tem mais colete, é só carne queimando. Deus, ajuda o Patrício.
Prestes a decolar, Mendes ligou para o tenente Luiz Fernando Aca, do GAT do 6º BPM, desde a véspera no Macacos.
- Tamo ficando encurralado, sem munição. Ajuda a gente - Aca se desesperava.
Mendes correu na reserva de armamento e pegou duas caixas com 50 projéteis de fuzil 556 cada. Decolaram sem informações precisas. Não tinham ideia do que encontrariam. Numa ação orquestrada, traficantes de diversas favelas tentavam tomar o Macacos de seus rivais. A PM também estava lá.
Dizem que, em tempos de guerra, não há sol. No Rio, havia. Os raios das 8h30m já despontavam no horizonte. Vaz, à direita. Ao lado, Mendes assumiria se o chefe fosse atingido. Atrás, do lado direito, estavam Fernandes e Stadler. Na outra ponta, Patrício e Canazaro debruçavam-se para escolher o ângulo de tiro. A adrenalina já corria nas veias.
Vai ficar tudo bem. Tenho que passar tranquilidade para ele. A dor... As queimaduras...
Começaram o voo pela Radial Oeste, deram um rasante no Macacos e avistaram o grupo de Aca. Segundos depois, os dedos dos homens do Fênix 3 já apertavam os gatilho dos fuzis. Veio a recíproca dos traficantes, e um tiro entra pela porta direita. Perfura o banco e só para a quatro dedos da região lombar de Mendes. Patrício tinha visto o lugar de onde haviam sido feitos os disparos.
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- Vaz, tô bem - alegou Mendes.
- Se eu disse que vamos sair, vamos sair.
Rumo ao Santos Dumont, Vaz testa o comando do helicóptero.
- Mendes, assume a aeronave, pra você estar pronto, caso a gente tenha que adotar algum procedimento de emergência.
Ainda no GAM, o sargento Luiz Afonso Xavier havia orientado a equipe do Fênix 2 para ficar de prontidão. Além de Cordeiro, decolariam os cabos Nilson Gonçalves e William Xavier, e o major Miguel Ramos. Afonso era um dos mais antigos do GAM. Fez contato com o Fênix 3 e decidiu ir ao Santos Dumont para discutir a volta ao Macacos.
- Aí, Mendes, estreou com tudo, hein! - os amigos encarnavam no novato.
- Pô, lá é muito pior, hein?
Mal o Fênix 2 chega ao Santos Dumont, Cordeiro recebe pelo rádio a notícia de que André Guedes, do 6 BPM, estava ferido. Tinham de voltar para a guerra.
- Ele é gordo? Leva pro alto do morro.
O resgate foi rápido. Deixaram Guedes no Batalhão de Choque, o clima bem mais tenso. Discutiram se deveriam voltar. Patrício ainda não tinha conseguido encontrar a tal casa de onde saíra o tiro.
- Parece que a situação lá está mais tranquila - disse um dos tripulantes.
- Situação de combate em favela nunca é tranquila - alertou Afonso, um dos mais experientes do grupo.
Sem saber por que, Afonso pega sua câmera e tira uma foto da tripulação da Fênix 3. Vaz, Mendes, Canazaro, Patrício, Stadler e Fernandes. Segundos antes de decolar, no último voo do Fênix 3, o sorriso de todos sumiu.
Tenho que sair daqui, voltar pra casa. Que voz é essa? Tudo bem, vou sair, vou sair...
Do alto do Fênix 3, os quatro praças escrutinavam cada metro da favela.
- Cuidado, não sai atirando. Tem policial no mato - dizia Vaz, precavido.
- Ali! Ali! Tem mais de 20 vagabundos.
- Tem mais, tem mais!
Os bandidos se protegiam por trás de uma imensa pedra. Mas os seis homens do Fênix 3 só viram os traficantes tarde demais. Agora, eram cerca 30 bandidos contra seis PMs.
- Atira, atira! É pra derrubar as duas - ordena um dos traficantes do grupo.
Fernandes leva um tiro no fêmur. Canazaro tenta ajudá-lo e é atingido na cabeça. A chuva de tiros também silencia Stadler.
De dentro do Fênix 2, mais desespero:
- A traseira de vocês tá pegando fogo!
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Ao ver a queda do Fênix 3, Afonso ignora o risco e mergulha na mesma direção.
-Vamos preparar pra desembarcar - ordena, aos berros, Afonso. - Pega o extintor - a ordem sintonizava no desespero.
Cadê Stadler? Canazaro? Protege os dois, protege eles, Deus...
O capacete de Mendes sai na velocidade com que ele deixa o helicóptero. O macacão ainda pega fogo, ele manca devido ao tiro no pé esquerdo. Cai sentado e, com a ajuda de Vaz, apaga as chamas. Com destreza, o piloto havia saído atrás dele. Vaz procura Fernandes. O "fiel" do Fênix 3 ainda estava lá dentro.
Fernandes briga com o cinto, o fogo queima seu braço. Ferido na perna, tudo é mais difícil. Mas tem que sobreviver. Tinha que fazer as pazes com Elisângela, sua mulher. Mas, como ia sair dali? Fernandes ouve uma voz. É Deus, ele tem certeza.
- Levanta, fica em pé e sai da aeronave - Ele diz. Era um milagre.
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- Fernandes, vai lá ajudar o Patrício.
- Mendes, não dá. Eu tô baleado.
Não está só baleado. As coxas, o braço direito e a barriga queimaram.
Com esforço, Patrício sai pelo espaço entre a aeronave e o chão. Era dali que vazava o combustível. Agoniza, encharcado de querosene. Todos lutam para apagar o fogo do amigo, à medida que o cheiro de carne queimada se alastra. Rastejando, envolvido numa bola de fogo, o homem berra por ajuda.
- Arranca o meu colete! Arranca!
Vaz queima a mão tentando apagar o fogo de Patrício. Instantes depois, os traficantes do São João recomeçam a atirar. Os homens do Fênix 2 trocam tiros e defendem o grupo. O som da munição explodindo dentro do Fênix 3 faz os traficantes fugirem.
- Não liga pra minha família, vai assustar - Patrício fala, com clareza.
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Habituados a deixar os combates em favela pelo ar, naquele dia os seis saíram por terra. Vivos ou mortos, todos de cabeça erguida.
Fonte: Fernando Torres, Guilherme Amado e Guto Seabra (Extra) - Fotos (na sequência): Reprodução / Pablo Jacob / Reprodução de vídeo / Bruno Gonzalez