A América olha para o mundo e não vê fronteiras. Vê caminhos. Por terra, por mar ou pelo ar, é tudo do Tio Sam. Já sabíamos que os aviões da CIA, com prisioneiros para Guantánamo, tinham "violado" o espaço aéreo português. Agora sabe-se que também os seus barcos passaram incólumes pelas nossas águas territoriais. O Governo não deu por nada? Os serviços secretos não deram por nada? Os radares não assinalaram nada de estranho? Onde estavam, nesses dias, os altos responsáveis pela segurança nacional? Entretidos com um cheeseburger num restaurante McDonald's? Só queria que alguém me explicasse uma coisa isto foi assim porque os barcos e os aviões eram da CIA ou teria sido igual se fossem da Al Qaeda?
A primeira hipótese deixava-me descansado, embora descobrisse a careca a um Governo (à época presidido por Durão Barroso) sem espinha dorsal e sem vergonha. A segunda, além de possivelmente trágica, convertia Portugal num país de faz-de-conta. Mas não é possível ocultar coisa nenhuma para sempre, como dizia S. Lucas. Um dia - espero que ainda a tempo de causar alguma mossa -, a verdade sobre este escândalo será conhecida. E receio que, então, venha a saber-se que os aviões e os barcos da CIA não violaram a integridade nacional. Que o acto, afinal, foi consentido...
Esta história dos aviões e dos barcos da CIA diz muito sobre a qualidade da democracia portuguesa, tema de uma interpelação do PSD ao Governo na Assembleia da República. Foi, como era de esperar, um acto falhado. Acusações mútuas, vozes eriçadas, o passatempo do costume. Todos sabemos que a qualidade da nossa democracia não é grande coisa - e o assunto merece bem um debate sério e construtivo -, mas creio que seria mais urgente neste momento discutir a qualidade do Parlamento.
Se pego neste assunto é só para assinalar que, enquanto Santana Lopes, líder da bancada do PSD, lamentava as tentativas do Governo PS para controlar a comunicação social, Alberto João Jardim, seu ilustre colega de partido, impedia os jornalistas de assistir às sessões produtivas do Congresso do PSD-Madeira. Alguns "empregados da comunicação social" não mereciam a sua confiança e, por isso, pagavam todos.
E eu a pensar que os elogios de Jaime Gama - um socialista histórico que, em tempos, considerou a Madeira uma república das bananas e João Jardim um ditador tipo Bokassa, mas que agora está rendido ao génio e à obra do senhor das ilhas - tinham adoçado o coração do homem... E que tal um debate sobre a qualidade dos políticos?
Fonte: Fernando Marques escreve no JN (Portugal), quinzenalmente, aos domingos