Folha teve acesso a 60 documentos feitos desde o 2º semestre de 2007 que apontam falhas no sistema de tráfego aéreo
Registros de quase-colisões estão em relatórios de perigo, livros de ocorrências e imagens de telas dos radares da Aeronáutica
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo decretou o fim do caos aéreo, mas a aparente tranqüilidade nos aeroportos escamoteia o fato de que graves falhas no controle do tráfego de aviões continuam acontecendo. Essas falhas, centrais para a crise que engolfou o setor a partir do choque de um jato Legacy com um Boeing da Gol em setembro de 2006, são relatadas em 60 documentos e relatórios confidenciais confeccionados a partir do segundo semestre de 2007 aos quais a Folha teve acesso.
Os registros de quase-colisões estão em relatórios de perigo, reportes de incidentes, livros de ocorrências e imagens de telas dos radares nos Cindactas (Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo). Muitos deles foram feitos em 2008.
Em 25 de janeiro, um Boeing da Gol e um Airbus da TAM entraram em rota de colisão ao iniciaram procedimento de descida em São Paulo. De acordo com o informe de incidentes 02/2008, ao atingirem o nível de vôo 365 (36.500 pés, ou 11,12 km), o risco de um choque fez disparar o sistema anticolisão das aeronaves.
O registro do incidente revela que o controlador tinha como assistente um estagiário, que, em seu relatório, disse não ter acompanhado as instruções do companheiro. O controlador alegou que o comandante da Gol, que seguia para Guarulhos vindo de Lima, confundiu a posição determinada por ele.
Situações como esta podem se dar por falhas de pilotos, controladores ou problemas técnicos, estes relatados em grande quantidade pelos controladores nos livros de ocorrência. Por falta de comunicação, um avião da companhia Trip, que acabara de decolar de Cuiabá rumo a Rondonópolis (MT), quase se chocou com a aeronave prefixo PT-KDS. O incidente aconteceu em 28 de novembro do ano passado.
No livro, o controlador diz que o episódio foi "extremamente grave", pois os aviões se encontravam na mesma altitude e separados por "menos de 2 milhas (milhas náuticas, o equivalente a 3.704 metros)". Nesse caso, o sistema anticolisão do avião da Trip disparou, evitando o acidente. O controlador afirma que acontecem com freqüência "decolagens sem comunicação em aeródromos vizinhos" a Cuiabá.
Em 20 de março deste ano, outra quase-colisão. Desta vez, um Boeing-737 da Gol, que se aproximava de Belo Horizonte vindo de São Paulo foi autorizado a iniciar a descida, "sem restrição", passando do nível 360 (36 mil pés) para o 200 (20 mil pés). Entre os dois níveis, porém, havia um outro 737 da Varig, que informou ao controle ter recebido "resolution", o alerta do sistema anticolisão.
Nesse caso, o controlador responsável reconheceu o erro e o atribuiu ao fato de estar detido no trabalho. O informe de incidente não revela o motivo da prisão. Quando estão presos, os controladores trabalham normalmente, mas permanecem aquartelados depois do expediente. "Acredito que por estar detido na unidade e preocupado com a minha família que está sem assistência meu nível de atenção está baixo", relatou ele.
Falhas nos radares também podem induzir os controladores a erros. Os arquivos da Aeronáutica guardam dezenas de relatos de casos assim. No Cindacta-4 (Manaus), é comum o aparecimento nas telas dos radares dos chamados alvos falsos -quando surgem registros de aviões que não existem.
Também são comuns a duplicação de alvos, o que pode levar o controlador orientar uma aeronave sem saber a real posição em que ela se encontra.
Os controladores registram ainda a existência de zonas cegas, onde não é possível o monitoramento por radar ou contato via rádio. O livro de ocorrência do centro de controle de Cuiabá registra, no dia 18 de dezembro de 2007: "Na área de Sinop e Sorriso (MT) não é possível fazer contato com o ACC-BS (centro de controle de Brasília), nem com o ACC-Amazônico (Manaus)."
A região é a mesma onde aconteceu o acidente com o Boeing da Gol. À época, apesar das negativas da Aeronáutica, vários controladores relatavam problemas na comunicação.
Os livros de ocorrência contêm relatos de defeitos em equipamentos vitais, como TFs (redes telefônicas para coordenação do controle aéreo) e do ILS (Instrument Landing System), sistema para orientação precisa do pouso.
Os controladores, em alguns centros, reclamam ainda de más condições de trabalho. Em Cuiabá, os livros trazem queixas da grande quantidade de mosquitos nas salas de controle e até da presença de ratos sob os consoles de trabalho.
Procurada pela Folha, a Ifatca (Federação Internacional das Associações dos Controladores de Tráfego Aéreo), que realizou ano passado uma inspeção no Cindacta-1 (Brasília), fez duras críticas ao controle aéreo brasileiro, que classificou de "frágil".
"Se nada significativo for feito pelo Brasil e pelas autoridades responsáveis, o próximo acidente está "planejado". Nós só não podemos dizer quando e onde irá acontecer", disse Christoph Gilgen, 45, representante da Ifatca na Suíça.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo (15/06/2008)
Registros de quase-colisões estão em relatórios de perigo, livros de ocorrências e imagens de telas dos radares da Aeronáutica
ALAN GRIPP
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo decretou o fim do caos aéreo, mas a aparente tranqüilidade nos aeroportos escamoteia o fato de que graves falhas no controle do tráfego de aviões continuam acontecendo. Essas falhas, centrais para a crise que engolfou o setor a partir do choque de um jato Legacy com um Boeing da Gol em setembro de 2006, são relatadas em 60 documentos e relatórios confidenciais confeccionados a partir do segundo semestre de 2007 aos quais a Folha teve acesso.
Os registros de quase-colisões estão em relatórios de perigo, reportes de incidentes, livros de ocorrências e imagens de telas dos radares nos Cindactas (Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo). Muitos deles foram feitos em 2008.
Em 25 de janeiro, um Boeing da Gol e um Airbus da TAM entraram em rota de colisão ao iniciaram procedimento de descida em São Paulo. De acordo com o informe de incidentes 02/2008, ao atingirem o nível de vôo 365 (36.500 pés, ou 11,12 km), o risco de um choque fez disparar o sistema anticolisão das aeronaves.
O registro do incidente revela que o controlador tinha como assistente um estagiário, que, em seu relatório, disse não ter acompanhado as instruções do companheiro. O controlador alegou que o comandante da Gol, que seguia para Guarulhos vindo de Lima, confundiu a posição determinada por ele.
Situações como esta podem se dar por falhas de pilotos, controladores ou problemas técnicos, estes relatados em grande quantidade pelos controladores nos livros de ocorrência. Por falta de comunicação, um avião da companhia Trip, que acabara de decolar de Cuiabá rumo a Rondonópolis (MT), quase se chocou com a aeronave prefixo PT-KDS. O incidente aconteceu em 28 de novembro do ano passado.
No livro, o controlador diz que o episódio foi "extremamente grave", pois os aviões se encontravam na mesma altitude e separados por "menos de 2 milhas (milhas náuticas, o equivalente a 3.704 metros)". Nesse caso, o sistema anticolisão do avião da Trip disparou, evitando o acidente. O controlador afirma que acontecem com freqüência "decolagens sem comunicação em aeródromos vizinhos" a Cuiabá.
Em 20 de março deste ano, outra quase-colisão. Desta vez, um Boeing-737 da Gol, que se aproximava de Belo Horizonte vindo de São Paulo foi autorizado a iniciar a descida, "sem restrição", passando do nível 360 (36 mil pés) para o 200 (20 mil pés). Entre os dois níveis, porém, havia um outro 737 da Varig, que informou ao controle ter recebido "resolution", o alerta do sistema anticolisão.
Nesse caso, o controlador responsável reconheceu o erro e o atribuiu ao fato de estar detido no trabalho. O informe de incidente não revela o motivo da prisão. Quando estão presos, os controladores trabalham normalmente, mas permanecem aquartelados depois do expediente. "Acredito que por estar detido na unidade e preocupado com a minha família que está sem assistência meu nível de atenção está baixo", relatou ele.
Falhas nos radares também podem induzir os controladores a erros. Os arquivos da Aeronáutica guardam dezenas de relatos de casos assim. No Cindacta-4 (Manaus), é comum o aparecimento nas telas dos radares dos chamados alvos falsos -quando surgem registros de aviões que não existem.
Também são comuns a duplicação de alvos, o que pode levar o controlador orientar uma aeronave sem saber a real posição em que ela se encontra.
Os controladores registram ainda a existência de zonas cegas, onde não é possível o monitoramento por radar ou contato via rádio. O livro de ocorrência do centro de controle de Cuiabá registra, no dia 18 de dezembro de 2007: "Na área de Sinop e Sorriso (MT) não é possível fazer contato com o ACC-BS (centro de controle de Brasília), nem com o ACC-Amazônico (Manaus)."
A região é a mesma onde aconteceu o acidente com o Boeing da Gol. À época, apesar das negativas da Aeronáutica, vários controladores relatavam problemas na comunicação.
Os livros de ocorrência contêm relatos de defeitos em equipamentos vitais, como TFs (redes telefônicas para coordenação do controle aéreo) e do ILS (Instrument Landing System), sistema para orientação precisa do pouso.
Os controladores, em alguns centros, reclamam ainda de más condições de trabalho. Em Cuiabá, os livros trazem queixas da grande quantidade de mosquitos nas salas de controle e até da presença de ratos sob os consoles de trabalho.
Procurada pela Folha, a Ifatca (Federação Internacional das Associações dos Controladores de Tráfego Aéreo), que realizou ano passado uma inspeção no Cindacta-1 (Brasília), fez duras críticas ao controle aéreo brasileiro, que classificou de "frágil".
"Se nada significativo for feito pelo Brasil e pelas autoridades responsáveis, o próximo acidente está "planejado". Nós só não podemos dizer quando e onde irá acontecer", disse Christoph Gilgen, 45, representante da Ifatca na Suíça.
Fonte: Jornal Folha de S.Paulo (15/06/2008)
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