O fundador da Azul diz que há muito espaço para aumentar o número de voos e tornar os aeroportos mais eficientes
O empresário David Neeleman, fundador da Azul, quarta maior companhia aérea do Brasil, não tem licença de piloto. O máximo que faz é se aventurar nos simuladores da Azul, na sede da empresa, em Alphaville, na Grande São Paulo. Mesmo assim, Neeleman conhece como poucos o mundo dos aviões. Sua trajetória no mercado americano de aviação, onde criou a JetBlue, faz dele uma personalidade mundial. Nesta entrevista a ÉPOCA, Neeleman afirma que seria possível resolver boa parte dos problemas dos aeroportos brasileiros – como superlotação ou os atrasos constantes dos voos – apenas aproveitando melhor a infraestrutura já existente. “Hoje, da maneira como o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) faz as coisas, elas estão muito folgadas”, diz. “Você fica esperando na pista um avião que está a cinco milhas de distância pousar. Por que? Nos Estados Unidos, logo que um avião levanta vôo, o outro já está pousando.”
Neeleman é, mais que tudo, um vendedor. Fala a toda hora nas vantagens de voar pela Azul, nos aviões confortáveis, nas passagens mais baratas e nos voos diretos entre capitais, sem passar por São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília. Diz que, para os paulistanos, é mais vantajoso usar o aeroporto de Viracopos, em Campinas, a 90 quilômetros de São Paulo, que o terminal de Guarulhos, a 25 quilômetros do centro. “Viracopos é melhor para quem mora em São Paulo. Fica mais longe, mas o tempo da viagem é previsível. Você sabe que vai demorar por volta de uma hora”, afirma. “Guarulhos é mais perto, mas, por causa do trânsito, você nunca sabe quanto tempo vai demorar para chegar lá.”
QUEM É
Empresário de 50 anos, é casado e tem nove filhos. Filho de americanos, nasceu em São Paulo, onde viveu até os 5 anos, quando sua família voltou aos EUA. Depois, morou em João Pessoa, de 1978 a 1980, como missionário mórmon.
O QUE FEZ
Aos 22 anos, fundou a Morris Air, nos EUA, comprada pela Southwest. Depois, montou a WestJet, no Canadá, e a americana JetBlue. No Brasil, lançou a Azul, em 2008.
QUANTO INVESTIU
Aplicou US$ 13 milhões de capital próprio na Azul e mais US$ 222 milhões de terceiros, como fundos de pensão do exterior e investidores brasileiros, como Júlio Bozano e Armínio Fraga.
ENTREVISTA
ÉPOCA – Nos últimos anos, viajar de avião no Brasil virou uma tortura: aeroportos lotados, atrasos e reposicionamentos de aviões. Como o senhor analisa isso?
David Neeleman – Na minha opinião, a primeira coisa a fazer para melhorar a situação, tanto no ar quanto em terra, é usar melhor a infraestrutura que temos. Nos EUA, há 4 mil aviões no ar ao mesmo tempo. No Brasil, só tem um avião aqui, outro ali. Um de nossos pilotos, um instrutor de primeira linha que trouxemos dos EUA, disse que não viu um único avião no ar durante seus voos. O céu está vazio. Hoje, da maneira como o Decea faz as coisas, elas estão muito folgadas. Você fica esperando na pista um avião que está a 5 milhas de distância pousar. Por quê? Nos EUA, logo que um avião levanta voo, outro já está pousando.
ÉPOCA – Isso não compromete a segurança?
Neeleman – Dá para fazer tudo isso com segurança. É só pegar os especialistas dos EUA, da Europa e do Canadá para fazer a avaliação. Em Congonhas, há 30 operações (pousos e decolagens) por hora. No aeroporto de La Guardia, em Nova York, são 71. Em La Guardia, as pistas são cruzadas. Aqui, são paralelas e oferecem até maior segurança. É preciso perguntar: por que lá eles fazem 41 operações por hora a mais do que nós, e ver a melhor forma de resolver o problema. Em Congonhas, já houve 58 operações por hora. Então, é possível fazer muito mais, sem comprometer a segurança, apenas aproveitando melhor a infraestrutura atual.
ÉPOCA – Logo após o acidente da TAM, em 2007, o governo falou que Congonhas operava acima de sua capacidade e restringiu o número de voos, em nome da segurança. O senhor não concorda?
Neeleman – O governo tinha de fazer alguma coisa. Falou que a reforma da pista de Congonhas não tinha sido aprovada. Falou muita coisa que não era verdade. Se o piloto não aciona o reverso, pode pousar na melhor pista do mundo que não vai conseguir parar nunca. A pista não foi a responsável pelo acidente. Hoje, a pista auxiliar de Congonhas está fechada. Só pequenos cargueiros podem usar. Se ela fosse mais usada, Congonhas poderia fazer 45 operações por hora, em vez de 30, com total segurança.
ÉPOCA – Houve também o problema do controle de tráfego, a falta de profissionais adequados. Em Congonhas, cada operador controlava bem mais que os 14 voos recomendados pelos órgãos internacionais...
Neeleman – As duas coisas têm de acontecer juntas. Mesmo assim, eles podem fazer mais do que estão fazendo. Há muita folga entre as aeronaves. O sistema é ineficiente. Poderia ser muito melhor.
ÉPOCA – A saída seria privatizar os aeroportos?
Neeleman – Não acredito que a privatização seja a melhor opção. Os aeroportos privados tendem a encarecer os serviços, os custos das empresas e os preços das passagens. Aeroporto é um negócio diferente dos demais. Não dá para abrir um aeroporto aqui porque outro cobra caro ali. Não há espaço para isso. Na Argentina, no México e na Inglaterra, onde os aeroportos foram privatizados, o resultado foi desastroso. Hoje, eles têm as tarifas mais altas do mundo. Nos EUA, não há nenhum aeroporto privado de importância – e o sistema funciona bem. Lá, os aeroportos não são do governo federal, mas dos Estados ou das cidades. Eles têm um presidente e um conselho de administração que tomam as decisões. A legislação obriga os administradores a aplicar o lucro da operação nos próprios aeroportos. Os maiores, como o de Dallas, no Texas, ganham tanto dinheiro com o aluguel de estacionamento e lojas que não cobram nada das companhias aéreas. Assim, mais gente viaja por lá, porque as tarifas são mais baixas. Eles sabem que podem ganhar mais com o desenvolvimento da economia – com taxistas, hotéis e restaurantes – do que com o aeroporto.
ÉPOCA – Qual seria, então, a solução para tornar nossos aeroportos mais eficientes?
Neeleman – É possível resolver o problema sem privatizar. A Infraero, que administra os aeroportos, poderia adotar um modelo parecido com o da Petrobras. Ela não precisa ser listada na Bolsa para captar recursos, como a Petrobras, porque seu objetivo não é ser lucrativa, mas servir a população. O ideal seria a Infraero ter uma gestão independente do governo, com um conselho de administração formado por gente como o Luiz Fernando Furlan (ex-ministro do Desenvolvimento) ou o Maurício Botelho (ex-presidente da Embraer). Ela poderia desenvolver formas de gerar receita sem usar dinheiro público, por meio da cobrança da taxa de embarque, do aluguel das lojas e do estacionamento. Aí, poderia captar recursos no mercado. Com essas garantias, daria para captar uns US$ 20 bilhões com um juro bem baixo, que nos EUA ficam em torno de 8% a 10% ao ano. Depois, poderia fazer uma lista de prioridades: um pátio novo para aeronaves em Guarulhos, um pátio novo e novas pistas em Viracopos, as reformas dos aeroportos de Vitória, que parece uma rodoviária, e de Goiânia. Tudo de forma transparente, sem roubo. Em cinco anos, daria para mudar tudo.
ÉPOCA – O problema, então, é a gestão?
Neeleman – A gestão e as leis. A Lei no 8.666 (Lei de Licitações, que estabelece normas para o setor público contratar obras e serviços) é um problema. A Infraero está amarrada. Há muita burocracia. Só para pintar um pátio no aeroporto demora um ano. A Petrobras é do governo, que tem a maioria do capital com direito a voto, mas tem uma lei própria, para comprar serviços e produtos. Precisamos adotar essa lei também para a Infraero. O pessoal da Infraero tem capacidade de fazer muita coisa. Há muita gente lá que conhece bem o assunto tecnicamente. A questão é a falta de agilidade na tomada de decisões.
ÉPOCA – Em 2014, o Brasil vai receber a Copa do Mundo e, em 2016, as Olimpíadas. Dá para resolver o problema até lá?
Neeleman – Em vez de dizer que a gente pode dar um jeitinho para fazer a Copa do Mundo, por que não usamos essa grande oportunidade para mudar as coisas, para fazer mais rápido o que precisa ser feito, para consertar o que é mais importante? Dizem que é preciso fazer este ou aquele aeroporto, mas não é verdade. É preciso fazer as coisas andar mais rápido. Podemos fazer muita coisa em quatro anos. Mas neste ano tem eleição, e em ano de eleição não dá para fazer nada... Com isso, o tempo vai passando. No ano que vem, faltarão só três anos. Temos de aproveitar a oportunidade para fazer aeroportos melhores não só para a Copa. Mas para durar décadas. Temos pessoal e como captar recursos. Só falta querer fazer.
ÉPOCA – Cmo vai a Azul? Como o senhor avalia seu desempenho até agora?
Neeleman – A Azul está crescendo bem rápido. Nosso primeiro voo foi no final de 2008. Hoje já atendemos 20 cidades. São 120 voos por dia. Recentemente, começamos a operar um voo para Porto Seguro, todo sábado, saindo de Congonhas. A próxima cidade a ser atendida será Brasília, em agosto, a partir de Viracopos. Hoje, temos 15 aeronaves, todas da Embraer. Mais duas estão sendo fabricadas e outras três chegarão em seguida. A taxa média de ocupação dos nossos aviões gira em torno de 85%.
ÉPOCA – Como está o fatia de mercado da empresa?
Neeleman – Nós participação de mercado está quase em 6%, em junho e, depende do crescimento do mercado, será 10% no fim do ano. Hoje, 6% do mercado é muito mais do que 8% no ano passado, porque o mercado está crescendo. Mas isso não tem muita importância para mim. O que importa é o market share nas nossas rotas, Nestes mercados, nós acreditamos que temos 80% do mercado. Quando entrei no aeroporto de Viracopos pela primeira vez, de onde saem quase todos os nossos vôos, fiquei um pouco nervoso, porque não tinha ninguém. Estava completamente vazio. Eram 18 partidas por dia de Gol e da Tam, mas não tinha ninguém, porque eles cobravam mais de quem queria viajar para Viracopos do que para São Paulo. Eles achavam que, se a pessoa morava no interior de São Paulo e queria sair de Viracopos para gastar menos tempo, tinha de pagar mais. E ainda tinha de fazer conexão para a maioria das cidades. Não fizeram nada para criar um mercado. Hoje, Viracopos está lotadíssimo, não somente o nosso balcão, mas os de todas as companhias. Um ano depois de nós começarmos, de dezembro de 2008 a dezembro de 2009, o mercado cresceu 360% em Viracopos. Nós passamos de zero a 80 mil pessoas; a Gol foi de 18 mil para 40 mil e Tam, de 20 mil para 30 mil. Hoje, nós temos 10 voos por dia entre Viracopos e Santos Dumont (RJ). Tudo lotado. Se houvesse mais slots no Santos Dumont, poderíamos ter 20, 30 vôos por dia. Porque tem gente que vai de manhã e volta à noite, todos os dias. Não somente quem mora Campinas, mas em toda a região.
ÉPOCA – Foi noticiado que o senhor conversou com a TAM e com a Gol para fazer uma fusão entre a Azul e uma das duas. O que há de verdade nisso?
Neeleman – Publicam de tudo. Foi uma reportagem ridícula, porque disseram lá que eu não tinha confiança na minha estratégia. Tenho mais confiança do que nunca. Quando todo o mercado estava fazendo guerra de preços, falei com eles, sim. Mas não falei nada sobre fusão. A gente fala, fala, fala, mas só conversa. Nesse mercado, tem bastante espaço para todo mundo.
ÉPOCA – Por que o senhor optou por comprar só aviões da Embraer?
Neeleman – Os aviões da Embraer são os melhores do mundo em segurança, conforto e também no aspecto econômico. Já temos 15 aviões da Embraer e, se o mercado continuar a crescer, pretendo ter 90. A JetBlue, que tem 110 Airbus 320 e 40 Embraer 190, faz pesquisa nos voos e recebe 3 mil respostas por dia. Não há nenhuma pesquisa, em nenhuma semana, na qual o 190 não tenha recebido uma nota maior que o 320. Por quê? Porque ele não tem o assento do meio. São dois de cada lado, e a poltrona é mais larga, tem mais espaço para as pernas. A janela também é maior. Quando a JetBlue comprou o 190, podia voar para seis vezes mais rotas com um avião de 100 lugares do que antes com um que tinha 150. Aqui, é a mesma coisa. As outras empresas têm um avião de 185 lugares. Nós temos um de 118. Elas têm de voar com mais gente para ter o mesmo lucro que nós. É por isso que 13 de nossos 20 voos são os únicos naquelas rotas. Agora, estamos ouvindo que a TAM também vai comprar alguns 190 da Embraer.
ÉPOCA – Quando o senhor compara o mercado de aviação do Brasil com o dos Estados Unidos, o que mais lhe chama a atenção?
Neeleman – Quando eu estava estudando esse mercado, fiquei surpreso com a diferença entre a tarifa mais alta e a mais baixa. Praticamente não havia diferença. Não havia incentivo para marcar a passagem três ou quatro meses antes do vôo. Se você comprasse seis meses antes, o preço era o mesmo. Se comprasse 7 dias antes ou 6 meses antes é o mesmo preço. Não havia essa segmentação. Tem gente que conta que, quando a Gol começou, eles tinham vôos noturnos, praticavam tarifas semlhantes às de ônibus. Mas diz que, depois, quando acabou a Vasp e a Varig e ela ficou sozinha no mercado com a Tam, eles fizeram um acordo, para a Gol ser um pouco mais barata que a Tam, e promoveram um aumento generalizado de tarifas. Quando dou palestra, muita gente me pergunta se vou fazer a mesma coisa que a Gol -- entrar no mercado com tarifas baixas e depois aumentá-las. Digo que não, porque a segmentação tarifária é uma coisa muito importante para a gente criar um novo mercado no Brasil. O mais caro para as companhias aéreas são os assentos vazios. Isso foi o mais destrutivo na guerra de tarifas promovida pela Gol e pela Tam no ano passado. Eles abaixaram as tarifas para o dia todo. Mesmo quem comprava no mesmo dia tinha desconto – e eles perderam muito dinheiro fazendo isso. Hoje, você já pode comprar passagem na Gol e na Tam também, pela primeira vez, com 30 dias, 21 dias 14 dias, 7 dias de antecedência, com tarifas diferentes. Nós queremos criar esse novo mercado. Se você quer visitar os parentes durante o feriado, compre agora, para julho. É mais barato hoje e a passagem pode ser parcela em 6 vezes sem juro. O passageiro vai pagar muito pouco, porque a tarifa é metade e até um terço do preço.
ÉPOCA – Por que a passagem aérea é tão cara no Brasil?
Neeleman – Quando nós começamos, eu vi os preços de São Paulo para o Nordeste. Era muito caro. Daí, eu vi o preço de ônibus. O preço da passagem de ônibus de Salvador para São Paulo era R$ 219 - e tinha de pagar à vista. Era muito caro. É um mercado regulado. Só tem 2 empresas fazendo esse trajeto. As empresas aéreas foram desregulamentadas, mas os ônibus continuam regulados. Era uma situação perfeita para nós. Então, eu disse: “Vamos cobrar uma tarifa de R$ 199, mais barata do que a de ônibus, para quem comprar com antecedência. A única coisa que precisamos fazer é ensinar ao brasileiro que não tem mais inflação e que as tarifas de ônibus são fixas E nós podemos dar crédito para os passageiros que não estão recebendo crédito nas empresas de ônibus, para a nossa taxa de ocupação ser maior que a da concorrência, estava em torno de 60%, com muitos assentos vazios. Havia muita gente indo de ônibus e mais gente ainda que não estava viajando. Se o ônibus é chato, o avião é caro, e você acaba ficando no sítio no fim de semana, em vez de ir viajar.
ÉPOCA – No Brasil, o financiamento é, muitas vezes, mais rentável que o negócio em si. O que o senhor pensa disso?
Neeleman – Outro dia, assisti uma palestra do presidente da Gol (Constantino de Oliveira Jr.) nos Estados Unidos. Ele falou sobre Vôo Fácil, aquele programa da Gol que oferece o parcelamento da passagem sem cartão de crédito, em até 36 meses. Eu perguntei para ele: "Qual é o juro que você cobra?". Ele disse: "7%". Eu disse: "Ah 7%, é bom". Ele disse: "Ao mês". É complicado. Se você cobrasse isso nos Estados Unidos, seria chamado de ladrão. A pior taxa neste tipo de financiamento nos Estados Unidos é 3% por mês. No Brasil, a pessoa nem se importa com o juro. Se importa mais com o valor da prestação. Mas, por pagar tanto juro, não pode cobrar outras coisas. Isso machuca. Se o juro fosse menor, as pessoas podiam gastar mais e a economia estaria ainda melhor. Outra coisa é que, no Brasil, Quem tem cartão de crédito tem 6 meses sem juros para pagar. O problema é que muita gente, quando recebe cartão de crédito aqui tem um limite de 1 reais. Nos Estados Unidos, ainda quando é estudante, você recebe um limite de US$ 2 mil. Então, quando alguém compra passagem pelo cartão, eles tem condições de pagar, mas não podem comprar mais nada durante 6 meses, porque preenche o limite. O limite é tão baixo que não dá para comprar quase nada. Nos Estados Unidos, o cartão de crédito é uma forma de pagamento.
ÉPOCA – A Azul não vai ganhar dinheiro com crédito também?
Neeleman – Eu não quero dar crédito para 36 meses, porque nossas tarifas não são tão altas. Nossa tarifa média é inferior a R$ 200 por trajeto ou R$ 400 ida e volta. Esse valor dividido por 36 meses dá R$ 8. Não faz sentido. Se dividirmos isso por seis meses, dá R$ 80. Está bom. Parte disso pode ser pago dois ou três meses antes de você viajar. Quem comprar com 2 meses de antecedência terá uma tarifa de R$ 200, ida e volta, que é metade do preço. Você poderá pagar R$ 100 antes de viajar (duas parcelas de R$50) e R$ 100 depois de viajar (duas parcelas de R$ 50). Para nós, a vantagem é que eu recebo o dinheiro mais rápido do que se a pessoa usar o cartão de crédito. Talvez a gente ganhe um pouco com o juro também. Se você compra uma passagem na agência de viagem você paga 10% a mais do que nas nossas lojas. Então, também posso cobrar 10% a mais, para compensar isso. Mas não recebo nada de juro quando usam o cartão de crédito. Nada. O que estou fazendo é aceitar tudo mundo que quer comprar a crédito e criando uma lista que estou chamando de Lista Azul e Lista Vermelha. Se você pagar o que deve, receberá crédito sempre, adoramos você. Se não pagar, entrará na lista vermelha e não poderá usar mais crédito. Se quitar a dívida, voltará para a Lista Azul.
ÉPOCA – Uma das grandes inovações da Azul foi no lançamento de novas rotas de voo no país. É uma boa estratégia?
Neeleman – Quando nós começamos, entre as 25 maiores cidades só tinha serviço direto para menos de 25% dos destinos. Quem morava em Porto Alegre e queria viajar para as 25 maiores cidades do país só tinha voo direto para 30% dos destinos. Não tinha voo direto, por exemplo, entre Belo Horizonte e Porto Alegre. Para quem mora em São Paulo, não faz muita diferença se o gaúcho vai direto ou não. Mas para eles é uma grande mudança. Quem morava fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília não tinha voo direto para sua cidade. Falei isso para o Sérgio Cabral (governador do Rio), quando houve aquela discussão sobre o aumento dos voos no Santos Dumont (na região central da capital fluminense), com a chegada da Azul. Disse para ele que é importante que abrir o mercado. Se você fala para o sujeito que ele tem de ir para o Galeão (na Ilha do Governador, perto do Rio), porque eu não quero que ele viaje do Santos Dumont, ele não gosta. Falei para ele: “Não deve ser importante para você quantas pessoas viajam aqui e lá. O importante é os dois juntos. O importante é que mais gente venha aqui na sua cidade gastar dinheiro. Se Congonhas tem voos diretos para 25 cidades e você tem voos diretos do aeroporto central para uma cidade só, quem leva maior vantagem na hora de o empresário decidir onde vai abrir sua empresa?” O Santos Dumont é muito melhor que o Galeão neste aspecto: não tem que fazer conexão, pegar a Linha Vermelha.
ÉPOCA – Essa promoção de vocês, chamada Passaporte Azul, deu certo?
Neeleman – A primeira vez que vendemos isso foi por meio do nosso call center. Tinha de comprar e fazer reserva por lá. Deu uma congetionada nas linhas. Eu quero que todos os nossos pontos de contato sejam impecáveis e não foi assim. Tinha que esperar dez minutos para conseguir falar com alguém. Eu fico com raiva disso. Aí a gente parou de fazer a promoção até poder fazê-la online. Você faz a compra e a reserva do Passaporte Azul online e pode viajar quanto quiser no período da promoção. Primeiro, você pagava R$ 499 e podia voar quantas vezes quisesse por 30 dias. Depois, pagava R$ 899 e a promoção era válida por 6o dias. Tve um cara que fez reservas para 63 vôos. Na média pessoas viajaram menos que isso, claro. A última vez a promoção saiu por R$ 599 e foi válida por 40 dias. Vendemos 8.000 passaportes. É pouco, considerando que, durante o mês, temos 320 mil, 340 mil pessoas viajando com a gente. As pessoas enjoam de viajar. Mas é uma coisa ótima para nós, porque maioria das pessoas que compra nunca viajou pela Azul. Tem empresa que comprou para todos os vendedores e representantes da empresa poderem visitar os clientes em todo o Brasil durante 30/40 dias. Eu já vi empresa que teve aumento de negócios por causa do Passaporte Azul. Isso também nos ajuda a aumentar a ocupação dos aviões.
ÉPOCA – Na JetBlue, há um serviço de TV a bordo. A Azul também terá?
Neeleman – Hoje, não tem televisão na Azul porque a tecnologia para pegar o satélite no Hemisfério Sul é um pouco mais complicada. Demorou um ano mais do que esperava. Pretendemos lançar isso agora em novembro. Está tudo quase pronto. Todos os fios já estão dentro do avião. Agora é só tirar os assentos para botar a televisão. Dá para fazer isso em uma noite.
ÉPOCA – Nos últimos anos, houve uma concentração grande no setor, com inúmeras fusões, empresas em dificuldades, outras quebram e são absorvidas pelas demais. Por que o negócio da aviação dá tanto problema?
Neeleman – Não é somente na aviação. Ao longo da história, as empresas de transporte, de barcos, trem, avião, sempre tiveram problemas financeiros. Mas na aviação é um pouco mais difícil com avião, porque tem outras coisas, como combustível, o custo do avião. Estava falando outro dia com um empresário que tem uma companhia com 4.000 ônibus na cidade de São Paulo. Ele me falou: "Eu estou comprando 500 milhões de litros por ano de combustível da Petrobras e quero receber um desconto quando comprar um bilhão de litros por ano. Ele me perguntou: “Quando você vai chegar a comprar 500 milhões?”. Aí, eu fiz o cálculo, e vi que 40 aeronaves gastam a mesma coisa que 5.000 ônibus. O combusítvel é uma parte grande dos nossos custos, a metade. O custo da aeronva também é alto, quase US$ 30 milhões. É 100 vezes mais que o custo de um ônibus. Tem também a dívida contraída para comprar os aviões, que é muito grande, o custo do combustível, os aroportos, que cobram muito, o câmbio. Mas eu, pessoalmente, sempre ganhei dinheiro na aviação. Nunca falhei. A westJet é o maior sucesso no Canadá. A JetBlue está indo mais ou menos bem, tem US$ 1,5 bilhão em caixa.
Fonte: José Fucs (Revista Época) - Foto: Marisa Cauduro