Às 10 horas de quinta-feira o caça de pintura camuflada surgiu sem aviso, voando entre as nuvens e exibindo os canos das metralhadoras .50 ao lado do avião-alvo. Era um exercício. E a fase seguinte previa uma ordem de pouso sob escolta até o aeroporto determinado.
-Aeronave interceptada: por ordem da Defesa Aérea deverá pousar em Campo Grande e passar à freqüência de rádio 120.1.
O cartaz fixado na cobertura da nacele do turboélice de ataque repete a orientação, para o caso de haver uma pane de escuta. Até o toque do "alvo" na pista, o interceptador esteve perto, em posição para impedir uma tentativa de fuga - ou para atirar. Em uma situação real, a Polícia Federal estaria em terra, esperando o intruso, provável traficante, talvez um contrabandista.
Por meio de ações em cooperação com a Força Aérea Brasileira (FAB) - algumas das quais desse tipo, envolvendo a interceptação ostensiva -, os federais da equipe especializada do delegado Paulo Tarso de Oliveira Gomes apreenderam, só nos primeiros meses deste ano, cerca de 1.300 quilos de cocaína de alta pureza transportada em aviões de pequeno porte. A droga, avaliada em R$ 2,5 milhões, poderia render dez vezes mais, depois de diluída pelos distribuidores de São Paulo e Rio. Parte do lote seria enviada à Europa.
O parceiro militar entrou no processo batendo pesado: os esquadrões de caça agregados às bases de Campo Grande (MS), Boa Vista (RR) e Porto Velho (RO) mantêm um certo número de A-29 Super Tucano armados, prontos para a decolagem de alerta em no máximo 10 minutos, 24 horas por dia.
A inteligência da Polícia Federal reúne a informação a respeito de um vôo ilícito e aciona a FAB, por meio do Comando de Defesa Aeroespacial do Brasil, o Comdabra. Dois terços das rotas do tráfico começam em algum ponto dos 1.750 quilômetros de fronteira seca, no limite oeste do País. Isso leva a missão para o Esquadrão Flecha, da base de Campo Grande. O comando determina o lançamento dos aviões, quase sempre uma unidade isolada e armada até os dentes.
O procedimento pode ser associado a um alerta - quando o piloto tem 3 minutos para chegar ao A-29, mais três para entrar no cockpit e quatro para decolar. A missão ele só conhecerá quando estiver no ar, acelerando a 500 km/hora.
A bordo do avião de US$ 5,5 milhões estará um dos oficiais sob as ordens do tenente-coronel Leonardo de Faria, o comandante do Esquadrão Flecha. Aos 43 anos, ele chefia um grupo de 145 militares. A unidade é nova, criada em 2004, como também são novos seus aviadores, todos na faixa média de 23 anos - entre os quais 3 mulheres: duas delas são pilotos de caça e uma voa nos helicópteros do Esquadrão Pelicano, de busca e salvamento, outra equipe da base.
Antes de chegar ao A-29, cada um dos pilotos passa pela Academia da Força Aérea, em Pirassununga, interior de São Paulo, e depois por um longo ciclo em centros de formação, como os de Natal e Fortaleza.
"Aqui a moçada passa de três a quatro anos aprendendo a fazer ataque ao solo, combate aéreo, a usar o capacete com sistema de visão noturna, a empregar o captador de imagens térmicas e, sobretudo, aprendem a liderar em combate as esquadrilhas da FAB", explica Faria.
Mais tarde, o destino é o combate, mas usando o equipamento mais pesado da aviação, os supersônicos F-5EM, os Mirage 2000C/B e os bombardeiros subsônicos leves A-1 AMX.
O contingenciamento das verbas orçamentárias compromete apenas um pouco a instrução. A hora de vôo do Super Tucano é barata, na faixa de R$ 1,5 mil. "Assim é que o pessoal voa bastante. Mas eu gostaria de poder programar, por exemplo, um número maior de lançamento de foguetes na fase de ensaios na Serra do Cachimbo", pondera o comandante. Um foguete de ensaio sai por R$ 700 e um de disparo real não passa de R$ 2.200.
Outro recurso do Flecha fica bem guardado em uma ala reservada no misto de sede e hangar que abriga o esquadrão. O simulador eletrônico do A-29 é definido por um dos oficiais como "o sonho de todo jogador de videogame" - ele reproduz os cenários e sensações das operações reais , facilitando a adaptação à aeronave e às missões.
O Super Tucano pode levar até 1,5 tonelada de mísseis, bombas e sistemas eletrônicos. Foi com sua própria versão, diferente da usada pela FAB, que a aviação da Colômbia atacou e destruiu, em 1º de março, uma base guerrilheira que as Farc mantinham no Equador. A cotação do modelo de exportação é de US$ 9 milhões. O Brasil comprou 99 unidades, pagando pouco mais de US$ 400 milhões.
O trabalho com a PF produz resultados. Como foi a captura de 440 quilos de cocaína, mais armas pesadas, há oito meses, em uma pista de pouso de Pradópolis, no norte de São Paulo, depois de um vôo - com registro regular - a partir do Paraguai. Em janeiro, dois monomotores clandestinos foram seguidos até Itu por um A-29. Levavam, no total, uma tonelada de acessórios para computadores. Tudo rigorosamente contrabandeado.
O método da ação é objetivo. Movimentado pelo Comdabra e tendo como referência os dados da Polícia Federal, o caçador chega até a aeronave suspeita e se mantém no padrão de acompanhamento. Não é visto e não realiza o interrogatório de identificação. Está ali para verificar a direção e a atitude em vôo. Na reta final, orienta a PF para fechar o cerco em terra. Quando o plano é mais abrangente, a coordenação pode ser feita por um jato R-99A Guardião, de alerta antecipado e comando, deslocado da base aérea de Anápolis.
Embora haja dezenas de acionamentos de adestramento todos os meses, de 7 a 9 são reais, e ocorrem em maior número nos fins de semana. Quase sempre se trata de pilotos privados desorientados. "Mas nunca se sabe quando surgirá o bandido", ressalva o Leonardo.
Fonte: Roberto Godoy (O Estado de S. Paulo) - Foto: J.F. Diório (AE)