terça-feira, 5 de outubro de 2021

Aeroporto da Pampulha vai a leilão cercado de expectativas e história

Lance mínimo para a concessão, que será oferecida nesta terça-feirra na Bolsa de Valores é de R$ 9,8 milhões.

O aeroporto é usado hoje para o tráfego de aeronaves da aviação executiva e da aviação geral, que inclui táxis aéreos e hangares, e é polo de manutenção de helicópteros (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
O nome é de poeta, a vizinhança, Patrimônio Mundial, e a lagoa famosa, bem ao lado, espelha partidas e chegadas ao longo de quase 90 anos. Esse é um dos “retratos falados” do Aeroporto de Belo Horizonte/Pampulha – Carlos Drummond de Andrade, que, a partir de hoje, alçará novos voos, levando a bordo as esperanças de comerciantes e histórias de outros tempos da capital.

A mudança de rota está marcada para 14h, na Bolsa de Valores de São Paulo (SP), quando haverá a sessão pública para concessão, ampliação e manutenção da infraestrutura do aeroporto administrado pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). O martelo será batido para a empresa que der o lance de maior outorga fixa, sendo o valor mínimo fixado em R$ 9,8 milhões. Ao longo de 30 anos, está previsto, ainda, o pagamento anual de Outorga Variável, que corresponde a um percentual da receita bruta auferida pelo concessionário.

Voltado atualmente para o tráfego de aeronaves da aviação executiva e da aviação geral (empresas particulares, táxi aéreos e hangares) e considerado um dos principais polos de manutenção de aeronaves e helicópteros do país, o Aeroporto da Pampulha não é, em movimento, nem sombra de outras épocas. Sem exagero, aquela história do “quem te viu, quem te vê” cai como uma luva. No fim da manhã de sexta-feira, quando a reportagem esteve no local, era possível contar o número de pessoas no saguão: o segurança, duas faxineiras, dois funcionários de uma empresa e um homem trocando cartazes promocionais. Não há mais lojas abertas, frenesi de passageiros transitando nem a correria para não perder a hora. No ar, o silêncio.

Moradora do entorno, Eloísa Pimenta guarda lembranças da movimentação, mas considera
positiva a diminuição do barulho (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Até o ponto de táxi, localizado de frente para a frondosa mangueira, no lado direito de quem olha para o aeroporto, ficou na saudade. O taxista Sebastião Vignoli Lopes, de 61 anos, há quatro décadas no ofício, sabe muito bem comparar o antes e depois, já que a situação começou a mudar com a inauguração do Aeroporto Internacional de Confins (1984) e entrou em queda vertiginosa quando os voos comerciais foram transferidos definitivamente para lá. “Este lugar onde estamos se chamava ‘chiqueirinho', mas não sei o porquê. Só lembro que vivia cheio, muitas filas de carro para pegar os passageiros”, recorda. “Se existe uma palavra para definir, é abandono”, resume o que vê e o que não vê.

Os olhos de Sebastião brilham ao falar da recepção ao atacante Renato Gaúcho, em 1992, contratado pelo Cruzeiro. “Chegou às 14h, num voo da Vasp (antiga companhia aérea). Ficou tudo lotado”, conta Sebastião, belo-horizontino do Bairro Floresta. Impossível também para ele se esquecer de uma viagem feita pelo seu pai, já falecido. “Vim buscá-lo, mas estava muito pálido. Culpa da forte turbulência que o deixou apavorado”. De notícia triste, só uma: “Em 1980, meu primo Maurílio Mello, que jogava pela Seleção Mineira de Futebol de Salão, sofreu um acidente de carro, no Triângulo Mineiro, e teve que voltar de avião. Foi muito triste revê-lo machucado”.

'Se existe uma palavra para definir, é abandono'', diz o taxista Sebastião Lopes, que coleciona histórias ligadas ao terminal da Pampulha (Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
O Aeroporto da Pampulha se tornou a porta de entrada para chefes de Estado, artistas, atletas, políticos, cientistas, religiosos e outras personalidades até da realeza que chegavam a Minas Gerais. Foi nessa pista que desembarcou, no início da manhã de 1º de julho de 1980, o papa João Paulo II, canonizado em 2014. “São fatos marcantes na história de BH, por isso o aeroporto poderia ser mais bem aproveitado: três voos comerciais de manhã, três à tarde e três à noite... já estaria de bom tamanho”, afirma Sebastião. No arquivo do Estado de Minas, há registro do Príncipe Charles de Luxemburgo (1953), Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e o ator Kirk Douglas.

Proprietária há 30 anos do restaurante Churrasquinho do Manuel, na Rua General Aranha, perto da Praça Bagatele, onde está o busto do mineiro Santos Dumont (1873-1932), “o Pai da Aviação”, Keila Fernandes não vê a hora de o aeroporto decolar. “Movimento de volta é tudo o que queremos. Será ótimo para a região”, acredita a comerciante. O sorriso se ilumina quando ela relembra décadas passadas. “Recebi aqui muita gente famosa, que desembarcava e queria almoçar. Esteve aqui o Pedro de Lara (1925-2007, comediante e ator brasileiro), o Jesus Luz (modelo e DJ, ex-namorado da cantora Madonna), os Rebeldes (grupo musical) e outros”, afirma Keila com entusiasmo.

Na calçada vazia do aeroporto, Eloísa Pimenta, residente no vizinho Bairro Dona Clara, faz sua caminhada matinal e guarda lembranças. “Moro praticamente no fundo da pista do aeroporto. O movimento acabou, assim como o barulho dos pousos e decolagens. Já viajei muito, saindo daqui. Agora é sempre parado. Na realidade, para nós, moradores, ficou melhor”, revela.

A história voa nas asas da Panair, com muitos encontros e despedidas. Conforme pesquisa da Infraero, as atividades do Aeroporto da Pampulha tiveram início em 1933 para atender os voos do Correio Aéreo Militar, na chamada Linha de São Francisco, que ligava o Rio de Janeiro (RJ) a Fortaleza (CE). O aeroporto era uma das escalas e sua denominação oficial, na época, Destacamento de Aviação. Ainda na década de 1930, foi considerado apto para o tráfego da aviação comercial e, em 2 de setembro de 1936, o governo de Minas foi autorizado a conceder à Panair do Brasil o direito de explorar a linha entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

No ano seguinte, uma curiosidade. Em 23 de março de 1937, foi oficialmente inaugurada a linha comercial Rio-BH-Rio, com um avião bimotor Lockeed 10E Electra I, PP-PAS, com capacidade para dois tripulantes e seis passageiros. Já em 1941, o aeroporto foi transferido para a Força Aérea Brasileira após a criação do Ministério da Aeronáutica. Nessa época, já ficava evidente a necessidade de ampliação da pista do aeroporto.

A década de 1950 trouxe um novo terminal de passageiros, pista com 1,7 mil metros e balizamento noturno. Posteriormente, a pista foi sendo sucessivamente ampliada de forma a receber aeronaves cada vez maiores. Os novos ventos sopraram a partir de 1979, com o início das obras do Aeroporto Internacional de Confins – Tancredo Neves. A inauguração ocorreu em 1984 e aí diminuiu consideravelmente o movimento do Aeroporto da Pampulha.

Dois anos depois, a Pampulha retoma suas atividades com demanda crescente. A partir de 1990, com a inserção de modernas aeronaves a jato ligando BH a outras capitais, um grande número de passageiros volta a usar o Aeroporto da Pampulha, atraídos por sua proximidade com o Centro da capital mineira. Tanto que, em 2002, o Aeroporto da Pampulha bateu o recorde histórico, com mais de 3 milhões de passageiros atravessando seus portões de embarque e desembarque, e um total de 88,7 mil operações de pouso e decolagens. O nome do escritor e poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) “batizou” o aeroporto em 2004, como homenagem ao centenário de nascimento do mineiro de Itabira.

Novas mudanças chegam em 2005. O antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) e a Infraero transferem os voos de longa distância da Pampulha para Confins. Com isso, o Aeroporto de BH passou a atender as principais cidades de Minas e se firmou como um dos principais aeroportos regionais do Brasil. A partir de 2010, a Infraero executou obras para melhoria das pistas, pátios e terminal de passageiros, implantou a nova torre de controle, fazendo ainda a revitalização das subestações, substituição das torres de iluminação e a adequação da sala AIS (Serviço de Informação Aeronáutica).

Leilão


À frente do leilão está o governo de Minas, via Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra). As inversões com a concessão são estimados em R$ 151 milhões, viabilizados mediante investimentos privados. Desse total, cerca de R$ 65 milhões serão investidos nos primeiros 36 meses, destinados, entre outros serviços, à construção de um terminal de aviação geral, sistema de pistas de táxi, recuperação parcial do pavimento da pista e preparação para novos hangares. Além disso, o projeto estima a arrecadação de R$ 99 milhões em impostos federais, estaduais e municipais.

Em junho de 2020, o Ministério da Infraestrutura assinou Convênio de Delegação do equipamento para o estado de Minas Gerais, a fim de viabilizar o desenvolvimento dos estudos para a estruturação de um novo modelo de gestão, operação, expansão e exploração do Aeroporto da Pampulha. Em julho do mesmo ano, a Seinfra iniciou o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para receber projetos, levantamentos e estudos técnicos que subsidiassem a modelagem da concessão. Entre fevereiro e março de 2021, foi realizada, com posterior audiência pública.

A estrutura do equipamento se encontra em uma área de quase 2 milhões de metros quadrados, a cerca de 8 quilômetros do Centro de BH. E mais: fica perto do Conjunto Moderno da Pampulha, reconhecido como Patrimônio Mundial, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do estádio do Mineirão e de outros.

Cronologia


1933 – Início das atividades do Aeroporto da Pampulha, principalmente para atender voos do Correio Aéreo Militar.

1936 – Em 2 de setembro, por meio da Lei nº 76, o governo de Minas é autorizado a conceder à Panair do Brasil o direito de explorar a linha entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

1937 – Em 23 de março, é oficialmente inaugurada a linha comercial Rio-BH-Rio com um avião bimotor Lockeed 10E Electra I, PP-PAS, com capacidade para dois tripulantes e seis passageiros.

1954 – Inaugurado o terminal de passageiros.

1973 – Em 3 de dezembro, o Aeroporto da Pampulha é incorporado à Infraero.

1979 – Iniciada da construção do Aeroporto Internacional de Confins, inaugurado em 1984.

1986 – Pampulha retoma suas atividades com demanda crescente. Em 2002, bate recorde, com mais de 3 milhões de passageiros atravessando os portões de embarque e desembarque.

2004 – Passa a se chamar oficialmente Carlos Drummond de Andrade, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor e poeta mineiro.

2005 – Voos de longa distância são transferidos da Pampulha para Confins. Com isso, o Aeroporto de BH passa a atender as principais cidades de Minas e se firma como um dos principais aeroportos regionais do Brasil.

2010 – Nessa década, a Infraero faz obras para melhoria das pistas, pátios e terminal de passageiros, implanta a nova torre de controle, revitaliza subestações, substitui torres de iluminação e promove a adequação da sala AIS (Serviço de Informação Aeronáutica).

Por Gustavo Werneck (Estado de Minas)

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