sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Aconteceu em 19 de fevereiro de 1985: Iberia Airlines voo 610 - Obstáculo Invisível


No dia 19 de Fevereiro de 1985, o
Boeing B-727-256, prefixo EC-DDU, da Iberia Airlines, executava o voo IB610, com 141 passageiros e 7 tripulantes,  ligando a capital Madrid à cidade de Bilbao, a mais populosa do País Basco, região localizada no nordeste da Espanha.

Boeing B-727-256, prefixo EC-DDU, da Iberia Airlines, envolvido no acidente
O voo era conduzido por uma tripulação experiente composta pelo comandante com 13.678 horas de voo, das quais 4.671 no Boeing 727, primeiro oficial com 5.548 horas de voo das quais 2.845 no Boeing 727 e engenheiro de voo com 2.721 horas de voo, todas no Boeing 727.

A decolagem do Aeroporto Barajas em Madrid ocorreu sem problemas às 07h47min e logo a aeronave foi autorizada ao nível de cruzeiro de 26.000 pés para o vôo de aproximadamente 45 minutos até o Aeroporto Sondica em Bilbao.

Às 08h07min, o Iberia 610 entrou em contato com frequência de operações da empresa em Bilbao e recebeu as condições meteorológicas do aeroporto que eram vento de cento e dez graus com velocidade de quatro nós.


A visibilidade era de quatro quilômetros reduzida por nevoeiro, nuvens cumulus a dois mil pés de altitude e stratocumulus a quatro mil pés, temperatura sete graus, ponto de orvalho sete e ajuste de altímetro mil e vinte e cinco (1025).

Às 08h16 o controle de aproximação orientou o Iberia 610 a contatar a Torre Bilbao, momento à partir do qual passamos a acompanhar através dos diálogos. Frases em negrito sublinhadas são meramente explicativas e não constam da transcrição oficial.
  • TWR: Torre de Bilbao
  • C2: Primeiro Oficial
08.16:03 C2: Torre Bilbao, bom dia seis uno zero.

08.16:06 TWR: Iberia 610, bom dia, prossiga.

08.16:09 C2: Estamos livrando o nível uno três para o nível cem, vinte e oito fora. (vinte e oito milhas do aeroporto)

08.16:13 TWR: Recebido Iberia 610, um momento por favor.

08.16:33 TWR: Iberia 610, pode continuar descida para aproximação ILS A, Bilbao, pista 30, o vento é de 100 graus com 3 nós, QNH 1025 e nível de transição sete zero.

08.16:44 C2: Obrigado, descendo para mínimos do setor com 1025.

08.16:44 TWR: Correto, 1025, se desejar pode proceder direto ao fixo. (A torre autoriza a aeronave a voar diretamente ao fixo que baliza o início do procedimento ILS-A para a pista 30, o que encurtaria o voo)

08.16:54 (Alarme de altitude)

08.16:55 C2: Vamos fazer a manobra padrão.

08.16:57 TWR: Recebido, notifique passando o VOR.


Durante os cinco minutos seguintes, foram realizados checklists para a descida e conversas internas na cabine, sem diálogos entre a aeronave e a Torre Bilbao.

08.22:04 C2: Sete mil pés sobre o VOR, Iberia 610 iniciando a manobra.

08.22:07 TWR: Recebido 610.

08.22:40 (Ruido de compensador)

08.23:02 (Alarme de alerta de altitude)

08.23:59 C2: Coloquemos os cintos.

08.24:00 (som de aviso aos passageiros)

08.24:12 AUX: Senhores passageiros, por favor, atem seus cintos de segurança. Ladies and Gentlemen, Will you please fasten your safety belt, thank you.

08.24:27 (alarme de alerta de altitude) (sinais Morse BLV, VOR, DME Y NDB BIL)

08.25:30 (alarme de alerta de altitude)

08.26:20 C2: Cinco por favor.  (referindo-se aos flaps)


08.26:57 C2: Mínimo, uno seis... três. Quatro mil e trezentos curva.

08.27:04 **** Ruído de impacto *****. Seguem ruídos e vozes não identificados.

08.27:14 * Fim da gravação *

Apenas 10 segundos após o início da curva para aproximação final, o Iberia 610 colidia com uma antena de 54 metros da emissora Euskal Telebista localizada a uma altitude de 1.000 metros no Monte Oiz, situado 30 quilômetros a sudeste do aeroporto. A aeronave estava sob controle com razão de descida de 600 pés por minuto e velocidade indicada de 208 nós.


Como resultado do primeiro impacto, parte do trem de pouso esquerdo e a porta esquerda do trem de pouso dianteiro foram perdidos, além da total separação da asa esquerda.

Clique na imagem para ampliá-la
Após perder a asa esquerda a aeronave tornou-se incontrolável, girou no sentido anti-horário e colidiu com árvores localizadas no Monte, a 930 metros da base das antenas, abrindo uma clareira. Após o impacto com as árvores a aeronave foi destruída.


Aproximadamente 40 minutos após a perda de contato entre a torre e o Iberia 610, uma ligação confirmou a queda da aeronave e médicos e bombeiros dirigiram-se para o local. Todas as 148 pessoas a bordo estavam mortas.


A antena estava localizada a aproximadamente 3.600 pés de altitude, enquanto a altitude mínima para o setor era de 4.354 pés. Como poderia uma tripulação capacitada, em uma aeronave moderna, estar voando abaixo da altitude mínima, próxima a obstáculos significativos em uma situação de baixa visibilidade?

Trajetória aproximada do Iberia 610
Em primeiro lugar, averiguou-se que era o copiloto quem estava pilotando aeronave, visto que as comunicações na fase de subida foram realizadas pelo comandante. Embora as comunicações com o setor de operações da empresa e com a torre de Bilbao tenham sido feitas pelo copiloto, foram breves e nas fases de cruzeiro e descida. 

Além disso, o copiloto informou que deveriam ser colocados os cintos de segurança para finalizar o checklist de 10.000 pés, além de fazer solicitação de flaps, o que normalmente era executado pelo piloto em comando.


Destaca-se que este é um procedimento normal e é comum que os membros da tripulação se revezem, cada um pilotando a aeronave em determinadas etapas, visto que realizarão diversos voos durante um dia.

No entanto, presume-se que o comandante era quem selecionava a altitude no sistema de alerta de altitude. A análise levou em consideração que, de acordo com outros pilotos da Iberia, essa era uma prática comum deste comandante. Soma-se ainda o fato de que algumas seleções de altitude foram feitas em momentos em que o copiloto falava simultaneamente com a torre Bilbao, o que tornaria difícil a seleção por parte do mesmo.


Ao voltar a atenção para a altitude que o avião mantinha, verificou-se que quando o co-piloto informara à torre que estava a 7.000 e a 5.000 pés, a aeronave efetivamente estava a esta altitude, podendo ser afastada, porém não completamente descartada, uma eventual falha do altímetro.

Analisando a altitude da aeronave, cabe uma explicação acerca do sistema de alerta de altitude do Boeing 727.

O sistema de alerta de altitude instalado no Boeing 727 apresentava sinais de alerta visuais e sonoros quando a aeronave desvia ou chega perto de uma altitude previamente selecionada.


O sistema opera da seguinte forma: quando o avião se aproxima da altitude selecionada, e está a 900 pés da mesma, o alarme sonoro é ativado por dois segundos e uma luz âmbar acende no painel. 

Quando a aeronave permanece se aproximando da altitude selecionada e está a 300 pés da mesma, a luz âmbar desliga-se e o sistema automaticamente troca para modo de desvio. 

Quando o desvio ultrapassa 300 pés da altitude selecionada, novamente o alarme é acionado por dois segundos e a luz âmbar acende no painel. A luz é mantida até que a aeronave ultrapasse 900 pés da altitude selecionada. 

A partir deste ponto o sistema automaticamente rearma para modo de aproximação. Quando a diferença entre a altitude selecionada e a altitude atual é inferior a 300 pés, nenhum aviso é apresentado.

Funcionamento do Sistema de Alerta de Altitude
Na manobra padrão para aproximação VOR para pista 30 do Aeroporto de Bilbao, a aeronave deveria passar a 5.000 pés sobre o fixo localizado a 13 DME do VOR BLV e então iniciar curva para descida, devendo passar novamente sobre o fixo a uma altitude mínima de 4.354 pés.

Nove segundos antes de deixar 7.000 pés, é possível ouvir o alarme do sistema de alerta de altitude indicando a seleção de uma nova altitude (5.000 pés). Posteriormente, a 900 pés da altitude selecionada é possível ouvir o alarme novamente.

Logo em seguida ouve-se mais uma vez o alarme, indicando a seleção de uma nova altitude, neste caso 4.300 pés. O equipamento de alerta de altitude foi encontrado nos destroços e os dois primeiros números eram 4 e 3. 


Tal equipamento não permitia que fossem colocados números inferiores à centena. Neste caso, no entanto, a altitude de 4.400 pés deveria ter sido selecionada, uma vez que a altitude mínima para o setor era de 4.354 pés.

Estando a aeronave a 5.000 pés e sendo selecionada a altitude de 4.300 pés (diferença menor que 900 pés), a luz âmbar acendeu, no entanto, o alarme somente soaria quando passasse 300 pés da altitude selecionada, ou seja, a aproximadamente 4.000 pés, e não mais 900 pés antes da altitude selecionada. 


Neste caso, o copiloto deve ter interpretado o alarme do modo desvio (300 pés abaixo da altitude selecionada) como sendo o modo de aproximação (indicando que estava a 900 pés da altitude selecionada), inadvertidamente continuando na descida abaixo da altitude mínima de segurança.

Para corroborar na tese da confusão da altitude em que se encontrava a tripulação, os investigadores voltaram a atenção para a grande razão de descida empregada pela aeronave na parte final da aproximação. 

Estando a 5.000 pés no bloqueio do VOR e tendo que estar a 4.354 pés no rebloqueio, era necessária uma descida de apenas 600 pés, o que seria facilmente atingido durante a curva do procedimento. No entanto, ao deixar 5.000 pés, o copiloto aplicou razão de descida de 1.500 pés por minuto durante 48 segundos, o que fez com que a aeronave atingisse a altitude de 3.870 pés (já abaixo da altitude mínima), quando então a razão de descida foi reduzida para 700 pés por minuto. 


Este fato somado a comentários captados no gravador de voz da cabine levaram os investigadores a acreditar que o co-piloto desejava fazer a manobra mais curta ao invés da manobra padrão e que teria mudado de ideia provavelmente por um sinal ou gesto do comandante.

Isto pode ter gerado um conflito mental no co-piloto que desejava realizar um voo mais curto e autorizado pela torre. A diferença entre os dois procedimentos é que seguindo direto para o fixo, deveria ser mantida altitude de 7.000 pés, enquanto a manobra padrão permitia que sobrevoasse o fixo a 5.000 pés. 

Isto poderia explicar a grande razão de descida da aeronave, pensando o co-piloto estar a uma maior altitude, já que mentalmente teria planejado passar sobre o fixo a 7.000 pés. Destaca-se ainda como fator contribuinte o fato do comandante não realizar os checks de altitude a cada 1.000 pés além de um provável erro na leitura do altímetro.


Sobre o altímetro, a aeronave era equipada com um equipamento do tipo Drum and Needle. Este altímetro possui uma pequena janela em seu interior no qual é apresentada a informação referente ao milhar da altitude, enquanto que o ponteiro indica as grandezas inferiores ao milhar (centena e dezena).

Na figura abaixo, por exemplo, é apresentada uma altitude de aproximadamente 24.640 pés, uma vez que na janela do interior do altímetro está sendo apresentada uma indicação entre o número 24 e 25 e o ponteiro indica um ponto na escala passando um pouco o número 6 e, neste caso, cada divisão menor da escala é de 20 pés.

Altímetro do tipo 'Drum and Needle'
Diversos estudos foram feitos pela NASA no que tange ao comportamento dos pilotos na leitura do altímetro.

Um bom instrumento é aquele que apresenta ao piloto a informação que ele procura. Provavelmente o altímetro do tipo drum and needle não seja um bom instrumento uma vez que este modelo de altímetro normalmente exige uma dupla visualização, já que o piloto precisa olhar primeiro para a janela no interior do mesmo e após para o ponteiro.


De acordo com os estudos, o movimento dos olhos dos pilotos sugere que o altímetro é um instrumento de baixa prioridade, enquanto deveria ser de alta prioridade. Segundo estes estudos, numa aproximação guiada por ILS, os pilotos gastam em torno de 3% a 6% do tempo total olhando para o altímetro, ainda que recebam informação de altitude do glide slope. Os resultados dos testes mostram que os pilotos olham muito pouco para a janela que marca os milhares de pés, aparentemente pela dificuldade de leitura.


Alguns comentários de pilotos citaram que este tipo de altímetro exige maior concentração para leitura e que a janela no instrumento é muito pequena, normalmente exigindo um duplo olhar, tirando a atenção do ponteiro. Erros de leitura normalmente ocorrem à baixa altitude, quando a leitura é dividida com outras atividades.

Por fim, os investigadores analisaram ainda as cartas de navegação utilizadas pela tripulação.

Carta usada em 1985
Carta Atual - Retângulo vermelho para destacar Monte Oiz não faz parte da carta oficial
Apesar de ser um obstáculo significativo na aproximação para o aeroporto de Bilbao, o Monte Oiz com 1.027 metros de altitude, não constava nas cartas de aproximação tanto da AIP España, quanto da Iberia, tampouco constavam as antenas ali situadas.

O relatório final apontou como causas do acidente a confiança da tripulação na captura automática do sistema de alerta de altitude; a interpretação incorreta dos alertas deste sistema; e uma provável leitura incorreta do altímetro, fazendo a tripulação voar abaixo da altitude segura colidindo com antenas de televisão, perdendo a asa e tornando a aeronave incontrolável.

Visando que fossem evitados novos acidentes, o relatório final sugeriu, dentre outras recomendações, a substituição dos modelos de altímetro; modificação do sistema de alerta de altitude; modificação das cartas de navegação do Aeroporto de Bilbao, além de reiterar a importância do trabalho em equipe na cabine.


No entanto, muitas pessoas, dentre elas parentes das vítimas, contestam o relatório final, defendendo a tese de que a verdadeira causa teria sido um atentado à bomba do grupo ETA, que luta pela independência política e territorial do País Basco . 

Os defensores desta tese apontam o fato de que diversos políticos estavam a bordo, além de alguns terem desistido do voo na última hora. Ainda, de acordo com relatos de algumas testemunhas, teria havido uma explosão antes da queda.

Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu

Com André Werutsky, ASN, Wikipedia e baaa-acro.com

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