Sobreviventes da queda do helicóptero narram sua dor
Um ano depois do ataque do tráfico ao helicóptero da PM no Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, o jornal EXTRA apresenta histórias exclusivas sobre o episódio no especial 'O Dia do Abate' - parte 3.
Um ano depois do ataque do tráfico ao helicóptero da PM no Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, o jornal EXTRA apresenta histórias exclusivas sobre o episódio no especial 'O Dia do Abate' - parte 3.
Parentes dos mortos e sobreviventes do helicóptero carregam as marcas da tragédia
A pergunta veio do nada, bem do jeito das crianças, numa tarde recente:
- Vovó, cadê o papai?
Sogra do soldado Marcos Stadler Macedo, dona Lenilda aconchegou a neta no colo:
- Papai foi pro céu, virou uma estrelinha e está olhando pra gente.
Filha do cabo Marcos Stadler Macedo - ele foi promovido por bravura-, Mirella, uma menina de quase três anos, cabelo claro, olhos expressivos, ar de anjinho, correu para a janela, mas só viu o sol.
- Vovó, cadê a estrela?
A avó improvisou:
- Ela só aparece à noite, no espaço.
O casal Marcos e Denise Macedo sonhava em ter um filho. Tentaram, tentaram até a confirmação em meados de 2007. De lá até sua morte, ainda dentro do helicóptero, o homenzarrão de 1,90m, 39 anos, na época um soldado - a promoção para cabo só veio após a morte - com fama de sério e introvertido, ainda descobria a deliciosa novidade de ser pai.
- Quando a gente fez a ultrassonografia, ele olhou para mim, eu olhei para ele... Ele disse "me bateu uma emoção tão grande, eu queria menina mesmo" - lembra Denise.
Memórias também enchem a casa de Daniele Patrício, viúva do terceiro-sargento Izo Gomes Patrício, morto dois dias após a queda. Lá, só se fala no presente. "Izo é, Izo gosta, Izo veste". Ele ainda vive na casa da família Patrício. Na memória dos filhos, Igor e Larissa, na aliança de casamento que Daniele não tira, no juramento que seu irmão, Robson, também policial, fez no túmulo do irmão morto. Prometeu não compactuar com erros da PM.
Uma overdose de porta-retratos, empilhados sobre a estante envernizada da TV, colore a sala da casa. O rosto de Izo, brincalhão, sorridente, jeito de atleta, parece onipresente.
- Ter 90% do corpo queimado seria uma tortura, ele não suportaria a dependência - imagina, entre lágrimas, a mãe, Regina.
Mexer nas fotos da lua de mel com Edney de Oliveira Canazaro - na época, soldado do GAM; hoje, cabo -, é uma forma de Verônica Moreira ter o marido por perto. Viúva aos 27 anos, ela o teve por seis como namorado, mas só por cinco meses como marido. Haviam casado em 2 de maio.
- Um dia, ele chegou para mim e disse: "Mô, nunca imaginei que ia ser tão feliz".
Em comum, Marcos, Izo e Edney tinham o amor pela profissão. Uma vez, pousaram numa favela e crianças correram para abraçá-los. Sentiram-se heróis que vinham do céu. Hoje, alguns até podem duvidar, mas as famílias têm certeza. Heróis do céu ou estrelas do espaço, um dia, os três vão reencontrar quem hoje sente saudade.
Hoje terceiro-sargento, Anderson Fernandes carrega na pele o amor à farda. Usa macacão térmico para superar as queimaduras, não pode se expôr ao sol, teve que enxertar pele da coxa no braço. Sofreu o pão que o destino amassou, mas fala de tudo com leveza. Evangélico, fez da dor uma vitória, prega em cultos e dá testemunhos a quem quiser ouvir. O militarismo é uma religião.
Fica emocionado ao lembrar da visita do comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, e de sua mulher, a tenente-coronel Viviane Duarte, durante os 51 dias em que ficou internado. O militarismo é fidelidade. Fiel, aliás, é o nome da função que ocupava no Fênix 3. Era responsável por coordenar a tripulação.
- Não posso me abater. Estou ferido, não derrotado - conta, à espera de mais cinco anos até as queimaduras desinflamarem.
A paixão pela profissão também fez o hoje major Marcelo de Carvalho Mendes, copiloto do Fênix 3, sofrer a perda de três companheiros em sua primeira operação aérea. Mas a dor que mais o consome não tem gritos de desespero, tiros de fuzil ou labaredas de querosene. É quieta, mas dilacerante. Há 480 dias, sua mãe, Lúcia Helena de Carvalho, está em coma, após um acidente vascular cerebral.
Quando derrubaram o Fênix 3, Mendes só podia ter sobrevivido. Afinal, quatro meses antes, já havia sido abatido. Tão logo teve alta, o policial de 29 anos só encontrou a paz no colo de 65 anos da mãe. Chegou devagarinho ao leito do hospital, abaixou no pé da orelha e, mesmo no silêncio do coma, sentiu o que precisava. O militarismo é emoção.
- Choro quase todo dia. O acidente, já superei. Mas o estado da minha mãe, não.
Em Maceió, o outro Marcelo, piloto do Fênix 3, também tenta tocar a vida. Discreto, Marcelo Vaz é um anônimo nas ruas da capital alagoana, onde está estudando pela PM. Apontado como herói, ele recusa a alcunha. O militarismo é heroísmo.
- Prometi à minha esposa não aparecer mais em entrevistas. Essa coisa de herói foi uma invenção, só fiz a minha parte.
Fonte: Fernando Torres, Guilherme Amado e Guto Seabra (Extra) - Fotos (na sequência): Luis Alvarenga / Álbum de família / Bruno Gonzalez / Fábio Guimarães / Wania Corredo
A pergunta veio do nada, bem do jeito das crianças, numa tarde recente:
- Vovó, cadê o papai?
Sogra do soldado Marcos Stadler Macedo, dona Lenilda aconchegou a neta no colo:
- Papai foi pro céu, virou uma estrelinha e está olhando pra gente.
Filha do cabo Marcos Stadler Macedo - ele foi promovido por bravura-, Mirella, uma menina de quase três anos, cabelo claro, olhos expressivos, ar de anjinho, correu para a janela, mas só viu o sol.
- Vovó, cadê a estrela?
A avó improvisou:
- Ela só aparece à noite, no espaço.
O casal Marcos e Denise Macedo sonhava em ter um filho. Tentaram, tentaram até a confirmação em meados de 2007. De lá até sua morte, ainda dentro do helicóptero, o homenzarrão de 1,90m, 39 anos, na época um soldado - a promoção para cabo só veio após a morte - com fama de sério e introvertido, ainda descobria a deliciosa novidade de ser pai.
- Quando a gente fez a ultrassonografia, ele olhou para mim, eu olhei para ele... Ele disse "me bateu uma emoção tão grande, eu queria menina mesmo" - lembra Denise.
Memórias também enchem a casa de Daniele Patrício, viúva do terceiro-sargento Izo Gomes Patrício, morto dois dias após a queda. Lá, só se fala no presente. "Izo é, Izo gosta, Izo veste". Ele ainda vive na casa da família Patrício. Na memória dos filhos, Igor e Larissa, na aliança de casamento que Daniele não tira, no juramento que seu irmão, Robson, também policial, fez no túmulo do irmão morto. Prometeu não compactuar com erros da PM.
Uma overdose de porta-retratos, empilhados sobre a estante envernizada da TV, colore a sala da casa. O rosto de Izo, brincalhão, sorridente, jeito de atleta, parece onipresente.
- Ter 90% do corpo queimado seria uma tortura, ele não suportaria a dependência - imagina, entre lágrimas, a mãe, Regina.
Mexer nas fotos da lua de mel com Edney de Oliveira Canazaro - na época, soldado do GAM; hoje, cabo -, é uma forma de Verônica Moreira ter o marido por perto. Viúva aos 27 anos, ela o teve por seis como namorado, mas só por cinco meses como marido. Haviam casado em 2 de maio.
- Um dia, ele chegou para mim e disse: "Mô, nunca imaginei que ia ser tão feliz".
Em comum, Marcos, Izo e Edney tinham o amor pela profissão. Uma vez, pousaram numa favela e crianças correram para abraçá-los. Sentiram-se heróis que vinham do céu. Hoje, alguns até podem duvidar, mas as famílias têm certeza. Heróis do céu ou estrelas do espaço, um dia, os três vão reencontrar quem hoje sente saudade.
Hoje terceiro-sargento, Anderson Fernandes carrega na pele o amor à farda. Usa macacão térmico para superar as queimaduras, não pode se expôr ao sol, teve que enxertar pele da coxa no braço. Sofreu o pão que o destino amassou, mas fala de tudo com leveza. Evangélico, fez da dor uma vitória, prega em cultos e dá testemunhos a quem quiser ouvir. O militarismo é uma religião.
Fica emocionado ao lembrar da visita do comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, e de sua mulher, a tenente-coronel Viviane Duarte, durante os 51 dias em que ficou internado. O militarismo é fidelidade. Fiel, aliás, é o nome da função que ocupava no Fênix 3. Era responsável por coordenar a tripulação.
- Não posso me abater. Estou ferido, não derrotado - conta, à espera de mais cinco anos até as queimaduras desinflamarem.
A paixão pela profissão também fez o hoje major Marcelo de Carvalho Mendes, copiloto do Fênix 3, sofrer a perda de três companheiros em sua primeira operação aérea. Mas a dor que mais o consome não tem gritos de desespero, tiros de fuzil ou labaredas de querosene. É quieta, mas dilacerante. Há 480 dias, sua mãe, Lúcia Helena de Carvalho, está em coma, após um acidente vascular cerebral.
Quando derrubaram o Fênix 3, Mendes só podia ter sobrevivido. Afinal, quatro meses antes, já havia sido abatido. Tão logo teve alta, o policial de 29 anos só encontrou a paz no colo de 65 anos da mãe. Chegou devagarinho ao leito do hospital, abaixou no pé da orelha e, mesmo no silêncio do coma, sentiu o que precisava. O militarismo é emoção.
- Choro quase todo dia. O acidente, já superei. Mas o estado da minha mãe, não.
Em Maceió, o outro Marcelo, piloto do Fênix 3, também tenta tocar a vida. Discreto, Marcelo Vaz é um anônimo nas ruas da capital alagoana, onde está estudando pela PM. Apontado como herói, ele recusa a alcunha. O militarismo é heroísmo.
- Prometi à minha esposa não aparecer mais em entrevistas. Essa coisa de herói foi uma invenção, só fiz a minha parte.
Fonte: Fernando Torres, Guilherme Amado e Guto Seabra (Extra) - Fotos (na sequência): Luis Alvarenga / Álbum de família / Bruno Gonzalez / Fábio Guimarães / Wania Corredo
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