domingo, 14 de junho de 2009

Pilotos relatam pressões para voar com problemas e mau tempo


Diante das especulações em torno do que pode ter acontecido com o piloto que comandava o avião da Air France que simplesmente desapareceu sem que ele fizesse contato relatando o problema, especialistas do setor aéreo alertam: é grande a pressão sofrida por profissionais da aviação para o cumprimento de horários e para a economia de combustíveis.

De acordo com o ex-presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, apesar de a situação já ter sido pior no Brasil, por aqui os pilotos ainda sofrem com a falta de autonomia, por exemplo, para fazer desvios em sua rota, mesmo quando alguma situação de insegurança é percebida.

"A pontualidade é inimiga da segurança. É uma visão dura, mas que reflete a verdade", diz o Brigadeiro. "A busca incessante pela pontualidade e para não quebrar conexões, conduz a aviação mundial a um sério problema. Os pilotos são pressionados a abrir mão de alguma norma de segurança, destas que não vão derrubar a aeronave, mas que podem complicar o vôo", lamenta. Ele ressalta que muitos pilotos aceitam determinadas situações com receio de perder o emprego ou de ser transferido para rotas piores.

Quem acrescenta mais um ingrediente à mistura da falta de tempo e insegurança é a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. Segundo ela, não bastassem as reclamações das companhias pelo atraso gerado por novas rotas, o gasto excedente de combustível volta e meia é motivo de tensão para pilotos.

"Pressão na tripulação é óbvio que existe, é natural que exista em função da competitividade. Isso lamentavelmente existe", afirma. Graziella, no entanto, não acredita que tal pressão seja capaz de provocar acidentes. Ela descarta a possibilidade de o piloto da Air France não ter se comunicado com a base ou sua companhia, quando passou pelas áreas de instabilidade, devido a tais pressões.

"As empresas tentam intimidar, mas o comandante é quem dá a palavra final. O fato de o piloto da Air France não ter feito nenhuma comunicação aponta no mínimo que alguma coisa muito séria aconteceu. Não acredito que ele teria ficado calado por conta de pressão", disse.

Não bastasse a dificuldade com horários e com o combustível, o excesso de trabalho é freqüentador assíduo do 'disque denúncia' do sindicato dos Aeronautas (0800-2829493). Apesar da situação ter sido mais grave no passado, a presidente garante que até hoje existem muitas reclamações neste sentido.

Impacto imediato

"Isso tudo, para nós, influencia na segurança de vôo porque são componentes que contribuem para o stress. Vôo é uma coisa que te consome, então, você não pode já entrar ali estressado", argumenta.

Apesar das dificuldades, um comandante da Aeronáutica que não quis se identificar diz que a pressão é natural nas atividades modernas, uma vez que o mercado está excessivamente competitivo em todos os campos. Ele pondera, contudo, que o setor aéreo deveria ter uma melhor fiscalização para que em situações limites pilotos não fossem postos para voar.

"A indústria do transporte aéreo, no mundo moderno, tem que produzir, tem que ser barata e tem que ter lucro. Se não, não vai pra frente. O que falta, são homens da Agência (Nacional de Aviação) ali (junto aos pilotos) para ouvir esses pilotos" explica o comandante.

Tal visão é compartilhada pela presidente do SNA e pelo ex-presidente da Infraero. "O grau de comprometimento da agência é satisfatório, o que tínhamos e continuamos a ter é poucos profissionais para fazer essa fiscalização. A agência precisa se aprimorar mais nos mecanismos de fiscalização", afirma Graziella.

Ela conta que muitas vezes recebe denúncias de vôos onde os tripulantes estão excedendo seu horário de trabalho, mas que não tem como acionar agentes da Anac para fazer a denúncia e gerar algum tipo de punição para a companhia.

"Às vezes recebo informação de que tem um avião indo pra Fortaleza e que a tripulação dele já extrapolou em mais de uma hora o que seria ideal em sua jornada de trabalho. Eu não tenho como acionar uma equipe da Anac para ir até o aeroporto multar aquela empresa e, depois que passou, fica difícil apurar e punir erros", explica.

O ex-presidente da Infraero, José Carlos Pereira, fala ainda sobre situações em que aeronaves decolam com diversos pequenos problemas que "não derrubam um avião", mas que juntos podem representar um problema. "Esse é um dos problemas da necessidade de pontualidade", aponta.

Outro lado

Questionado sobre as acusações acima, o diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), Ronaldo Jenkins, disse que tais informações são mentirosas. Segundo ele, as empresas jamais obrigariam um piloto a decolar com itens defeituosos na aeronave.

"A empresa não seria louca de fazer uma recomendação dessas por vários motivos. Nem de desviar de uma turbulência, você cria tantos problemas enfrentando o mau tempo, quem vai dar uma recomendação dessas? Ninguém é maluco de fazer isso", rebateu.

Especialista em segurança de vôo desde 1974, o comandante que preferiu só se identificar como "Alonso", também nega existir qualquer tipo de pressão. Para ele, as companhias buscam "qualidade com segurança".

"O comandante tem sempre toda a liberdade e todo o respaldo. E sempre se prioriza a segurança. Não há uma empresa no mundo que pense primeiro na segurança. Eu desconheço (pressão) dentro da minha atividade", afirma.

Por meio de sua assessoria de imprensa a Anac informou que possui uma ouvidoria para receber toda e qualquer denúncia de pilotos. A agência ressaltou ainda que segundo a legislação em vigor, o piloto é "responsável pela operação e segurança da aeronave - exerce a autoridade que a legislação aeronáutica lhe atribui".

Participação do usuário

A presidente do SNA defende que os usuários do transporte aéreo participem desse processo. Na avaliação dela, lutar pela garantia dos direitos trabalhistas dos profissionais do vôo é um papel de todos, já que boa parte da população utiliza o transporte aéreo.

"O usuário tem interesse de pagar passagem barata, sair no horário e chegar no horário. Ele não avalia o que está por trás disso tudo. Falta esclarecimento ao usuário", avalia.

Segundo ela, o sindicato já chegou a fazer uma campanha na qual incentivava os passageiros a perguntar para pilotos e comissários se eles estavam satisfeitos com o tratamento da empresa para com eles.

"Pesquisas recentes, após o acidente com a Air France, na qual usuários do transporte aéreo foram questionados sobre o que deveria mudar para se ter maior segurança em vôo. Alguns responderam que precisava se ter mais estrutura nos aeroportos, outros, melhor comunicação das aeronaves com controle aéreo. Mas a maioria respondeu que deveria haver um melhor treinamento do piloto e da tripulação. Quer dizer, em grandes tragédias, a culpa sempre cai na tripulação", avalia.

O SNA também recebe a opinião dos usuários em seu 0800.

Fonte: Terra

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