Obras inacabadas, escadas rolantes enguiçadas, elevadores que não funcionam e banheiros em más condições são alguns dos problemas que a privatização do Aeroporto Tom Jobim deve resolver e, assim, preparar a cidade para a Copa de 2014
Por Patrick Moraes e Sofia Cerqueira
Foto: Felipe Varanda/Strana
Ainda bem que nem sempre a primeira impressão é a que fica. Para os 40% de turistas estrangeiros que chegam ao país pelo Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão – Antônio Carlos Jobim, os primeiros minutos na cidade costumam surpreender. Quase sempre negativamente. Inaugurado em janeiro de 1977, o Tom Jobim recebe 10,3 milhões de passageiros por ano – 5 milhões a menos que sua capacidade total estimada. É o quarto aeroporto do país em número de viajantes, atrás dos de Guarulhos (18,7 milhões), Congonhas (15,2 milhões) e Brasília (11,1 milhões). Tem, em média, 370 pousos e decolagens diários, com catorze países como destino. Há 21 000 pessoas trabalhando em todo o complexo, que reúne 91 estabelecimentos (lojas, lanchonetes, restaurantes, bancos, chaveiros e uma franquia dos Correios), uma pousada com quinze quartos e um hotel quatro-estrelas com 62 apartamentos, todos sem janela, e equipado com sauna, sala de ginástica e escritório. No batalhão de funcionários, alguns têm funções curiosas (veja quadros ao longo da reportagem). Rico em histórias e personagens, o aeroporto é pobre em matéria de dinheiro. Segundo levantamento da Secretaria Estadual de Transportes, o Tom Jobim fechou o balanço do ano passado com prejuízo de 165 000 reais. A idéia é que a concessão à iniciativa privada renove seus ares. "Hoje ele está de costas para a cidade, como se não tivesse nada a ver com o Rio", aponta Respício do Espírito Santo, professor de transporte aéreo da UFRJ e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo. "Uma administração eficiente pode e deve captar novos negócios", afirma. "É fundamental, por exemplo, ter um terminal específico para a aviação executiva de porte internacional, o que nos falta atualmente." Sem olheiras nem mau humor O despertador toca impreterivelmente às 3h15 da manhã. Às 4 horas, Adriana Andrade já está pronta, maquiada, de salto alto e sorriso no rosto no Duty Free. "Quem trabalha nesse horário não pode ter mau humor", diz ela, gerente de duas lojas no terminal 1. Moradora da Tijuca, dispensa o táxi oferecido pela empresa e cruza, sozinha, a temida Linha Vermelha de carro. "Já me acostumei, venho rápido", conta Adriana, 40 anos, quatro deles trabalhando no aeroporto. Atende passageiros de todo canto do mundo, quase sempre exaustos e impacientes. "Resolvemos isso com simpatia, jogo de cintura e conhecendo bem os produtos." E não é pouca coisa: são 6 000 itens, entre perfumaria, eletrônicos, roupas, bebidas e brinquedos. A cena acontece várias vezes por dia: o hóspede chega cansado, abre a cortina e depara com a relaxante paisagem de uma praia com águas cristalinas. Miragem. A bela vista não passa de um papel de parede. Como é comum em hotéis dentro de terminais, no Luxor Aeroporto, instalado no terminal 1, nenhum dos 62 apartamentos tem janela. "Sempre explico que é por causa do barulho dos aviões", conta Adjanete de Souza, 55 anos, uma das cinco arrumadeiras do hotel. Os hóspedes ficam, em média, uma noite. Às vezes, menos. Adjanete chega a arrumar um mesmo quarto três vezes durante o expediente: um hóspede dorme ali e segue viagem, outro descansa por algumas horas e um terceiro só toma banho. Flanelinha de Jumbos
O universo que se descortina logo após o desembarque não é nada acolhedor. Com 17 quilômetros quadrados e dono também da pista mais extensa (4,2 quilômetros), o maior aeroporto do Brasil não tem em seus dois terminais um balcão eficiente de informações sobre os hotéis da cidade.
Pelos corredores, a desordem impera. Táxis são apregoados como numa feira livre e a preços acintosos: cobram-se até 80 reais por uma corrida até Copacabana, que custa normalmente 45 reais. Na segunda passada, nove dos vinte elevadores estavam parados e três escadas rolantes encontravam-se interditadas. Faltava papel para enxugar as mãos em alguns dos banheiros, que visivelmente necessitavam de faxina.
O desleixo causou má impressão nos representantes do Comitê Olímpico Internacional (COI) que julgam a candidatura do Rio para a Olimpíada de 2016. Dos onze itens avaliados pelo COI, o aeroporto ficou na frente apenas na segurança. Suas notas variaram de 5 a 7,5, abaixo das obtidas pelas outras três cidades concorrentes – Madri, Tóquio e Chicago –, que receberam índice entre 8,5 e 9,5.
"É o nosso grande entrave para 2016", diz o governador Sérgio Cabral. "O Tom Jobim tem uma gestão trágica, com investimentos ínfimos. Virou uma rodoviária de quinta categoria."
Refeições sob medidaFoto: Dilmar Cavalher/Strana Ele é a peça principal de uma grande linha de montagem. Agenário Lopes, chef executivo da Comissaria Aérea Rio de Janeiro, tem sob suas asas o preparo de 3 500 refeições e 8 000 lanches que são servidos diariamente em 144 vôos. "Tudo precisa estar pronto no tempo certo, na temperatura exata e dentro de rigorosas normas de higiene", diz o chef, 57 anos, há seis no catering que funciona junto ao aeroporto. Ele cuida dos serviços de bordo da TAM, Taag, ceanAir e Webjet. Os pratos, cujo preparo começa doze horas antes do vôo, são obrigatoriamente entregues no avião com temperatura entre 5 e 7 graus. "As porções devem ser exatas", explica. "Se um passageiro recebe 120 gramas de frango, o prato do vizinho tem de ter o mesmo peso."
O modelo de gestão está sendo discutido na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e no BNDES. A previsão é que a licitação seja concluída até o último trimestre de 2009 e atraia investimentos na faixa de 600 milhões a 800 milhões de reais. Parte da verba seria usada em obras emergenciais, como a recuperação do terminal 1, que ganharia um novo estacionamento, e na conclusão do terminal 2, inaugurado em 1999 e ainda inacabado.
Procurada por Veja Rio, a direção da Infraero, estatal que administra o aeroporto, deu de ombros e não se pronunciou sobre o assunto. O governo estadual, por sua vez, espera que a reforma esteja concluída até 2014, em tempo de receber os turistas para a Copa do Mundo. Numa sala entre os terminais 1 e 2, a luz nunca se apaga. Daquele espaço apinhado de monitores de TV, computadores e mapas de vôo partem as principais informações para o funcionamento do Aeroporto Internacional. "Toda a logística passa por aqui", explica Carlos Santana, 49 anos, coordenador do Centro de Operações Aeroportuárias, onde trabalham trinta operadores. Eles determinam o posicionamento dos aviões no pátio, distribuem os balcões de check-in e as esteiras de desembarque, coordenam os painéis informativos e controlam o sistema de som dos saguões. Há sempre um deles na escuta da torre e dos pilotos na área do terminal, que pode abrigar 34 aeronaves de grande porte ao mesmo tempo. "A qualquer momento um avião pode ser desviado para cá", diz Santana.
O fiscal de pista, por exemplo, conta entre suas principais atribuições a de afugentar urubus e garças, que põem em risco as manobras de pouso de decolagem. Um chef é responsável pela comida servida em 144 vôos que partem diariamente dali. O encarregado do Centro de Operações Aeroportuárias, conhecido como o "cérebro do aeroporto", é uma espécie de prefeito dessa verdadeira pequena cidade. É ele quem organiza a distribuição dos aviões no pátio, o arranjo dos balcões de check-in e as informações de partidas e chegadas veiculadas pelos painéis.
Antiga reclamação dos passageiros cariocas, o número de vôos diretos internacionais, apenas 26 diários, deve ganhar novo impulso com a privatização. O governador Cabral conta que um acordo com a empresa italiana Alitalia para que fosse implantado um vôo sem escalas entre o Rio e Roma fracassou. Motivo: a Infraero, sempre ela, não conseguiu um balcão para a empresa operar. "Queremos um aeroporto à altura do que o Rio significa para o mundo", diz. Que o novo Tom Jobim decole logo.
Para aterrissar no colchãoMunido de colete fluorescente, abafador nos ouvidos e raquete nas mãos, José Valério passa o dia na pista. Entre suas atribuições está a de orientar o parqueamento de aviões, como o Airbus 340-600, com 75 metros de comprimento, e o MD-11, 14 metros a menos. "Qualquer descuido pode representar a perda de milhões de reais e custar vidas", diz ele, um dos sessenta fiscais de pista do aeroporto. Valério, 56 anos, 34 na função, ainda tem de fiscalizar o tráfego de apoio, como carros de abastecimento, e estar atento aos objetos estranhos no chão. Isso vai desde um parafuso, que se sugado por uma turbina pode comprometer um vôo, até urubus e garças, que povoam as cabeceiras. Ele chega a soltar morteiros quatro vezes por dia para afugentar pássaros.
De prancha de surfe a carcaça de jacaré
Foto: Fernando Lemos
Esquece-se de tudo no aeroporto. Em média, são entregues diariamente no setor de achados e perdidos cinco celulares, doze documentos e quinze casacos, além de laptops, adereços de Carnaval, berimbaus, perucas e pranchas de surfe. Já se encontrou até uma carcaça de jacaré, que os funcionários adotaram como mascote. Em outra ocasião foi achado um poodle, que escapara de uma criança. Teve também o caso de uma cadeira de rodas e de uma muleta deixadas no banheiro. "Foi um milagre ou era um disfarce", conclui o responsável pela área, Fernando Oliveira, 51 anos. "Depois de seis meses, os objetos são doados e os documentos vão para a Procuradoria Geral do Estado." Algumas peças acabam incineradas, como um kit com máscara, chicote e revistas pornográficas deixado no terminal 1.
Pensamento nas alturasFoto: Felipe Varanda/Strana
Na correria dos embarques e desembarques, um ambiente silencioso, adornado com vitrais e aberto 24 horas por dia, passa despercebido pela maioria dos passageiros. É a capela do aeroporto, escondida no final de um corredor no 3º piso, onde todos os domingos há uma missa às 11 horas. "Muita gente não conhece o local e se surpreende quando os alto-falantes anunciam a missa", comenta o capelão Carlos de Oliveira Berto, 47 anos. Após a celebração, os interessados ainda podem se confessar. Normalmente, a capela, com lugar para 22 pessoas sentadas, é ocupada por funcionários do Tom Jobim, passageiros que aguardam conexões e moradores da vizinhança. "Já fiz até batizado aqui", conta o padre, que também é capitão da aeronáutica.
Fonte: Veja Rio