No Iêmen, usuários da rede social divulgam, pela primeira vez, uma operação secreta de drones da CIA, acompanhada minuto-a-minuto
Apesar de ser tarde da noite, as redes sociais no Iêmen estavam em plena atividade. Fazia poucos minutos que um ataque por controle remoto – os chamados “drones” guiados pela CIA – tinha atingido um comboio de veículos em uma parte remota do país, matando três supostos militantes.
O ataque, como todos os ataques do tipo, realizados pelos EUA nos últimos anos fora de zonas de guerra, deveria ser secreto. Porém, o advogado Haykal Bafana, que mora na capital, Sana, começou a transmitir pelo twitter, minuto a minuto, o que se passava. Pouco depois da uma hora da manhã da quinta-feira, 17 de maio, ele postou o seguinte:
Próximo à cidade de Shibam.
Suspeita de que seja um ataque de drone dos EUA”.
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“#Yemen AGORA | Ataque de mísseis a carros em Wadi Hadhramaut. Próximo à cidade de Shibam.
Suspeita de que seja um ataque de drone dos EUA”.
Como ele explicou ao Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública, seus parentes vivem em Shibam, uma cidade de 30 mil habitantes. “Quando o primeiro ataque aconteceu, a cidade – que estava sem luz na hora – ficou completamente iluminada. Meus parentes ligaram imediatamente para me contar sobre o ataque”.
“Até agora, nenhum ataque”
No dia anterior, o advogado já havia tuitado que aviões “drones” estavam sobrevoando a região de maneira suspeita. A província de Hadhramaut, um ex-sultanato esparsamente povoado, fica bem distante do sul do Iêmen, considerado problemático pelos americanos e onde ocorre a maioria dos ataques de aviões dos EUA controlados remotamente.
Há alguns anos ocorrem atividades militantes na região, segundo os moradores e desde 2010 aviões “drones” de vigilância sobrevoam a área. Mas nunca houve um ataque de “drone”antes desse. “Há quatro ou cinco dias, os meus parentes começaram a me contar sobre aviões “drones” sobrevoando a área em plena luz do dia, a toda hora, o que é raro. Militantes também foram vistos andando na área, talvez preparando o terreno para uma rota de fuga das batalhas no sul do país. Todo mundo sentia que algo estava para acontecer”, lembra Haykal Bafana. Ele tuitou as notícias para os seus seguidores.
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#Yemen | Há muitos relatos de “drones” sobrevoando Hadhramaut,
em especial em Shibam/Qatn (rota para a Arábia Saudita).
Até agora, nenhum ataque.
#Yemen | Há muitos relatos de “drones” sobrevoando Hadhramaut,
em especial em Shibam/Qatn (rota para a Arábia Saudita).
Até agora, nenhum ataque.
Quando o ataque finalmente aconteceu nas primeiras horas da quinta-feira, já não era segredo onde seria o alvo. Um pouco mais cedo, sites em árabe na cidade de al-Mukalla, capital da província, publicaram que um comboio de supostos rebeldes da Al Qaeda estava se dirigindo rumo ao norte. Esta notícia também foi bastante retuitada.
Assim que os veículos se aproximaram de Shibam, à uma da madrugada, pelo menos um carro, um Toyota Hilax, foi destruído por mísseis. A força aérea do Iêmen não possui equipamento ou know-how para fazer um ataque de precisão deste tipo durante a noite.
Agências de notícias depois revelariam que houve um ataque por drones, e que dois dos mortos no ataque foram Zeid bin Taleb e Mutii Bilalafi, ambos descritos como líderes locais da Al Qaeda. Como dezenas de ataques dos EUA no Iêmen, este deveria ter sido realizado secretamente. Porém, o twitter e outras redes sociais estavam acompanhando a operação ao vivo.
“É incrível como a mesma tecnologia usada pela CIA para matar pessoas com os drones no Iêmen está ajudando o povo do Iêmen a tuitar sobre os ataques enquanto eles ocorrem”, diz Noel Sharkey, professor de robótica na Universidade de Sheffield, no Reino Unido. “Eles podem nos mandar fotos e nos aproximar do horror que estão vivendo. Assim, a tecnologia em pequena escala pode até barrar o uso de tecnologia militar em grande escala”.
#NoDrones
Redes sociais como Facebook e Twitter – que tiveram um papel importante na primavera árabe no Iêmen – agora sendo amplamente utilizadas para atrair a atenção em relação ao aumento de ataques de drones dos EUA nas últimas semanas.
Como observa Haykal Bafana, poucos minutos depois de ter tuitado a respeito do ataque, a notícia foi postada no Facebook e em pequenos sites de notícias em árabe.
“O uso da internet aqui no Iêmen é de apenas 2%. Mas mesmo assim faz uma grande diferença. Muitas pessoas recebem suas notícias através de pequenos sites locais em vez de agências estrangeiras ou estatais. E o twitter é cada vez mais importante”.
Quando o conselheiro sênior de Obama em contraterrorismo John Brennan visitou Sana após o ataque, houve um protesto online no twitter com a hashtag #NoDrones.
E @WomanFromYemen, conhecida como a consultora Atiaf al-Wazir, tuitou aos seus mais de 8 mil seguidores: “Para cada manchete que você lê a respeito de ‘militantes’ mortos por drones no #Yemen, pense nos mortos civis que não são contados. #NoDrones.’
Dando um furo sem saber
O ataque que ocorreu no Iêmen parece ter sido o primeiro a ser acompanhado ao vivo pelo twitter.
“Eu nunca tinha ouvido falar de pessoas tuitando enquanto os drones estavam atacando”, diz o Dr Micah Zenko, da ONG americana Council on Foreign Policy, um expert em questões de segurança no Iêmen. “Isso é um golpe contra o mito de que se pode manter esses ataques secreto”.
Há um precedente. No ano passado um paquistanês desavisadamente tuitou sobre a presença de helicópteros de ataque das Forças Especiais dos EUA a caminho de matar Osama bin Laden. No dia 1 de maio de 2011, o consultor de TI Sohaib Athar tuitou o seguinte:
Helicóptero sobrevoando Abbottabad a uma da manhã
(um acontecimento estranho).
(um acontecimento estranho).
Depois de um “barulhão de janela tremendo”, ele discutiu o que aconteceu naquela noite pelo twitter, enquanto as forças especiais dos EUA finalizavam sua controversa missão. Ele respondeu a um seguidor que “mudou para Abbottabad para ‘permanecer seguro’”.
Porém, quando surgiram as notícias sobre a morte de Bin Laden, lamentou: ‘Uh oh, agora eu sou o cara que tuitou ao vivo o ataque a Bin Laden sem saber”.
Reportagem publicada pelo Bureau of Investigative Journalism. Clique aqui para ler o original, em inglês.
Fonte: Chris Woods e Jack Serle, do Bureau of Investigative Journalism via apublica.org - Imagem: Reprodução