Concorrência à Ponte Aérea
Assim como candidatos em busca de votos, ele aparece a cada quatro anos, sempre às vésperas das eleições, vendendo sonhos, fazendo promessas. Nada vira realidade. Estamos falando do trem-bala Rio-São Paulo, um projeto em estudo há quase 15 anos. Nesta pré-campanha, saiu da gaveta mais encorpado. Em quatro anos, o custo pulou de R$ 19 bilhões para R$ 34,6 bilhões. O financiamento seria 100% da iniciativa privada. Agora, a União vai injetar R$ 20 bilhões, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), para viabilizar o empreendimento. O governo tem pressa para lançar o projeto, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) resiste e pede prazo para analisar os detalhes. Teme aprovar mais uma futura obra inacabada. Afinal, o Trem-Bala está sendo lançado a oito meses do fim do governo, que teve oito anos para preparar o projeto.
O ministro-relator do processo no TCU, Augusto Nardes, afirma que há inconsistências técnicas no projeto. As mais graves estariam na construção de túneis e na definição do traçado, considerado ineficiente. Na nova modelagem, o trem vai até Campinas (SP), com estações intermediárias em Volta Redonda (RJ) e São José dos Campos (SP). Será possível fazer o trajeto Rio-São Paulo em uma hora e meia, numa velocidade média de 280km/h. O empreendimento está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Questionado por que o tribunal não libera a obra, o ministro respondeu: “Primeiro, o projeto ficou três anos com o governo. Nós liberamos em 2007. E o governo nos trouxe de volta há poucos dias. Entregam documentação em prestação, na última hora. Como eles querem que a gente analise em poucos dias uma coisa que levaram três anos para fazer?”
O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, nega que tenha havido pressão sobre o TCU. “Não é verdade. Não conheço pressão do governo para acelerar a análise. Mandamos o projeto em dezembro. E há prazo de 30 dias para dar parecer. O ministro pediu 60 dias. Todas as informações foram enviadas a tempo. O projeto de 2007 não foi aprovado pelo CND (Conselho Nacional de Desestatização), não tinha estudo de engenharia, e o TCU aprovou. O nosso projeto é em tudo diferente daquele outro.”
Modelo novo
Figueiredo também responde por que o custo do projeto cresceu tanto. “Porque agora teve um estudo. Naquela época (2006), não teve. A segunda razão é que o nosso projeto é diferente daquele. Aquele era uma ligação direta Rio-São Paulo, o nosso tem passagem nas cidades e vai até Campinas.” Questionado se o governo fez um “chute” em 2006, respondeu: “Não, era uma estimativa sem ter um estudo de engenharia que a respaldasse. E aquele não era um projeto do governo, era um projeto da Valec”.
O diretor-geral da ANTT informa ainda por que o governo desistiu do modelo de financiamento 100% privado. “Na forma como estava proposto, era viável. Quer dizer, eu estimo que vai ter 32 milhões de passageiros por ano, vão pagar tanto. Se não acontecer, o governo assume esse risco. Aí, seria viável fazer privado, mas você não sabe o tamanho da conta que vem. Nós estimamos 10 milhões de passageiros no primeiro ano, eles estimavam 32 milhões. E o risco de demanda deles era do governo.” Pelo projeto anunciado em 2006, o financiamento seria inteiramente privado. Pelo novo modelo, haverá emprego de recursos públicos. A União vai conceder financiamento de R$ 20,8 bilhões ao concessionário. O BNDES atuará como agente financeiro, sendo o risco de crédito da União.
A aproximação do fim do governo Lula também preocupa o TCU. Poderá ser eleita a sucessora do presidente, a ex-ministra Dilma Rousseff, mas também existe a possibilidade de assumir outro governo, com outras prioridades. Nardes prefere não analisar esse aspecto, mas admite que se preocupa com a definição do preço e da forma de financiamento, e afirma que a responsabilidade do tribunal é grande. “O TRT de São Paulo ficou como símbolo de obra inacabada no país. E o TCU tem que ter muito cuidado ao avaliar, para que o dinheiro público seja bem aplicado.”
Dúvidas
O empreendimento tem evidentes atrativos eleitorais. Vai beneficiar uma região que responde por 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e 20% da população brasileira. Mas gera muitas dúvidas sobre a sua viabilidade financeira e econômica. Uma grande empresa que estuda a formação de um consórcio para disputar a obra aponta várias restrições ao projeto. Entende que, do jeito que está montado, não tem viabilidade econômica. O setor privado prefere o modelo em que o governo contrata as obras de infraestrutura e depois licita a concessão da operação para as empresas privadas.
Essa empresa também avalia que não haveria uma garantia de demanda de passageiros, estimada pelo governo em 32 milhões de passageiros em 2014. A tarifa econômica prevista (de R$ 150 a R$ 200) seria competitiva hoje com as passagens da ponte aérea Rio-São Paulo. Mas poderá haver uma reação dos setores de aviação e de ônibus quando o trem entrar em operação. Eles poderiam reduzir demasiadamente suas tarifas, o que repercutiria na demanda de passageiros. Outro temor é o atraso na concessão de licenças ambientais.
Em fevereiro de 2006, reportagem do Correio revelou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva anunciava para maio daquele ano o edital para a licitação do trem-bala. O TCU aprovou o projeto, em abril de 2007, mas o governo decidiu refazer o empreendimento.
Fonte: Lúcio Vaz (Correio Braziliense)