sábado, 27 de fevereiro de 2010

Em voos espaciais humanos, o comedido pode vencer o audacioso?

Desde que os astronautas da Apolo voaram à Lua quatro décadas atrás, forças-tarefa de especialistas e líderes políticos imaginam, de tempos em tempos, o que fazer com os voos espaciais tripulados.

Eles apareceram com novas direções e visões, definindo novas metas. Algumas esperanças estavam em máquinas que nunca chegaram à plataforma de lançamento. Outras saíram do chão, mas nunca decolaram de verdade.

Agora, o governo de Obama se uniu à jornada de manter os humanos voando no espaço. Porém, suas comedidas propostas, anunciadas na última semana, terão sucesso onde outras caminharam tão pouco? Pode ser cedo demais para dizer, mas a história não traz muitas esperanças.

Enquanto os astronautas ainda estavam dando saltos gigantescos em planícies lunares, a Administração Nacional Aeronáutica e Espacial dos Estados Unidos (NASA) deduziu que a Apolo era apenas a abertura para uma era de ampla exploração espacial. O sucesso havia gerado confiança e mobilizado habilidades e a infraestrutura necessária para maiores feitos.

A lista de desejos da agência incluía uma base permanente na Lua, uma estação espacial de 12 pessoas orbitando em volta da Terra e servida por ônibus espaciais reusáveis fazendo ida e volta, além de expedições humanas a Marte, possivelmente no final dos anos de 1980.

Somente o ônibus espacial obteve a aprovação do governo Nixon, em 1972. Essas naves ainda estão voando, mas estão confinadas à baixa órbita, e a economia e a confiabilidade prometidas não foram alcançadas. Elas representam a tecnologia inicial do começo da era espacial.

Em 1986, o programa espacial foi impulsionado, mas não significativamente redirecionado, pelo desastre com a Challenger. Naquele ano, a administração Reagan aprovou a estação espacial. Ela recebeu um nome, Freedom (Liberdade), mas ninguém parecia concordar sobre sua utilidade, ou até mesmo seu projeto. Com fraco apoio no congresso, o projeto não caminhava a lugar nenhum - até que o governo Clinton o remodelou como um esforço internacional, incluindo a Rússia pós-Guerra Fria.

Agora a estação tinha uma razão de existência, mesmo que fosse mais política do que tecnológica ou científica.

Ônibus espaciais e naves russas carregam regularmente suprimentos e tripulações para visitas de longa duração. No entanto, os humanos continuam presos em baixa órbita.

Enquanto isso, duas administrações tentaram ações mais corajosas, vagamente alusivas ao desafio do presidente John F. Kennedy em 1961, de levar o homem à Lua "antes do final desta década".

Em 1989, o presidente George Bush definiu novas metas para despertar o programa espacial de sua letargia forçada. Uma frota de foguetes de alta propulsão seria desenvolvida para missões humanas e robóticas além da baixa órbita. Astronautas retornariam à Lua para estabelecer postos permanentes - e depois voariam a Marte, talvez até 2019. A reação, quase imediata, foi a inércia.

O presidente George W. Bush fez um apelo similar. Depois do desastre com o ônibus Columbia, em 2003, ele introduziu uma "nova visão" para reavivar o programa espacial.

Essa visão incluía sistemas de propulsão pós-ônibus espaciais e veículos de transporte para equipes. O objetivo era um retorno de astronautas à Lua até 2020. Algum tempo depois, seria a vez de Marte.

Mas o custo das guerras, somado a reduções nos impostos, deixou pouco dinheiro para sustentar a empreitada. Embora muitos bilhões de dólares já tenham sido investidos em avançados equipamentos, as metas parecem ilusórias - e o apoio público parece fraco.

Mais uma vez, a experiência trouxe lembretes, desconsiderados com tanta frequência que o projeto Apolo não se tornou um modelo realista para futuras ações na exploração espacial. Pisar na Lua havia sido, acima de tudo, uma campanha da Guerra Fria.

A União Soviética era o temido adversário, ainda mais com a surpresa do Sputnik e depois que o voo de Yuri Gagarin o transformou no primeiro homem no espaço, na primavera de 1961.

Bem no começo, o cientista político John M. Logsdon, da Universidade George Washington, realizou um estudo sobre o processo de tomada de decisões que levou ao projeto Apolo. Logsdon concluiu que Apllo era "produto de um período específico na história", e um programa singular reagindo a uma ameaça percebida ao país. Ele não representava um forte comprometimento da sociedade à exploração espacial ilimitada.

Norman R. Augustine, executivo da indústria aeroespacial, reconheceu isso enquanto conduzia uma força-tarefa que contribuiu às propostas do primeiro presidente Bush. "O maior estímulo ao programa espacial costumava ser a competição com os soviéticos", afirmou Augustine na época. "Hoje, não existe uma competição clara, apenas os valores fundamentais de exploração que nos regem. Estes são menos tangíveis, mas nem por isso menos importantes".

Se algo é evidente e encorajador nas propostas do presidente Barack Obama, trata-se do reconhecimento da singularidade da Apolo.

Augustine também participou do comitê que aconselhou Obama, e sua ideia sobre a mudança de matriz política aparentemente foi sendo absorvida. "Tentamos reviver a Apolo por 40 anos, sem sucesso", disse Lori B. Garver, administrador adjunto da NASA, numa entrevista com editores e repórteres do New York Times. "Durante muito tempo, a NASA prometeu demais e entregou de menos, mas agora vamos agir de maneira diferente". Isso ainda terá de ser mostrado.

Comitês do congresso não começaram a examinar as propostas e os modestos aumentos de orçamento para a NASA. O plano da administração pode ser "audacioso e inovador", nas palavras de Garver, mas diversos aspectos provavelmente causarão controvérsia - ou ao menos pedirão um estudo mais detalhado.

Ao contrário do passado, o novo plano não coloca prazos, estimativas de custos ou destinos definitivos. Tampouco há retóricas extravagantes a respeito do conhecimento e da aventura.

A eloquência de Kennedy sobre navegar "esse novo oceano" funcionou, em primeiro lugar, porque a nação sentia a necessidade de demonstrar sua superioridade tecnológica na guerra e na paz. A falta de metas e alvos específicos traz o risco de fazer o programa sair de rota.

Como primeiro passo, a administração propôs cancelar o atual plano de regressar à Lua até 2020. O desenvolvimento do foguete e da cápsula tripulada para esses voos seria parado, embora parte da pesquisa pudesse ser utilizada em veículos posteriores.

Autoridades da NASA dizem que, dependendo do financiamento e progresso no desenvolvimento de novas tecnologias, projeções para a agenda dos próximos empreendimentos com astronautas poderiam ser feitas em cinco ou seis anos.

O primeiro objetivo ao longo desse "caminho flexível" e apenas recuperar a habilidade de voar além da baixa órbita, esquecida anos atrás com a aposentadoria do foguete lunar Saturn 5.

Eventualmente, quando os meios forem disponibilizados e o espírito nacional estiver disposto, a Lua, asteróides e Marte serão os destinos mais prováveis. Alguns elementos do novo plano podem ser populares. Uma promessa de alistar outros países como parceiros deve espalhar os custos. Essa prática, com a Estação Espacial Internacional, se mostrou encorajadora.

A proposta de terceirizar o desenvolvimento e a propriedade dos novos equipamentos de voo a empresas privadas deve ganhar apoio entre os conservadores. Isso também levanta questões.

Seria a NASA capaz de manter o controle sobre a qualidade e segurança dos novos veículos que irá, na realidade, aluga para as missões de astronautas? Será que o governo estaria transferindo a mãos privadas uma influência excessiva sobre a busca de metas nacionais no espaço? O programa espacial obteve alguns grandes sucessos desde o pouso lunar.

Nunca devem ser esquecidas as explorações robotizadas da família de planetas do Sol, e nem as vistas cósmicas capturadas por instrumentos como o Telescópio Espacial Hubble.

Mesmo com substitutos robotizados que podem ir mais longe e realizar descobertas a menor custo, o plano espacial de Obama, no mínimo, nos lembra que incêndios em curva ainda queimam, e podem iluminar o caminho a praias distantes.

Provavelmente, os humanos não descansarão até que eles mesmos estejam conduzindo, mais uma vez, suas próprias tecnologias.

Fonte: The New York Times via Yahoo! Notícias

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