Depois de "batizar" a gasolina usada por carros e motos, a máfia dos combustíveis investe agora em um novo ramo: a aviação. Interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça revelam que donos de distribuidoras com sede no interior de São Paulo estavam "fabricando" gasolina azul, usada por aviões de pequeno porte. Os grampos serviram de prova para que promotores do Ministério Público Estadual (MPE) conseguissem a condenação e prisão de dez pessoas acusadas de formação de quadrilha, danos ao meio ambiente e crimes contra a ordem econômica.
Os mandados de prisão foram cumpridos ontem pela Polícia Federal em Limeira, Cordeirópolis, Niterói e Rio. Dos dez acusados, quatro continuavam foragidos. Na última sexta-feira, a 3ª Vara Criminal de Limeira condenou empresários e funcionários de distribuidoras de combustíveis a penas que variam de 1 ano e 8 meses a 2 anos e 9 meses de prisão, além de multas aos réus, uma delas no valor de R$ 18,9 milhões.
Os diálogos que apontam a adulteração de gasolina azul foram gravados por policiais civis de Araraquara. Em um deles, um funcionário da Sigja Química Geral Ltda. chamado José conversa com um homem identificado como coronel Gerson. "Peguei uma amostra daquela gasolina deles. A gasolina azul, lá", diz Gerson. "Vou fazer uma amostra pra eles testar (sic)". O interlocutor chega a alertar para o perigo. "É... mas avião não pode ter erro", adverte o funcionário da Sigja. "É, não pode ter. Ele vai testar num... num... nunca testa no avião... testa num coiso, né?", responde Gerson.
A Sigja, alvo maior da investigação aberta em Araraquara, pertence a Antonio Luís de Oliveira, pai de Viviani Armbruster. Durante as interceptações, a empresária conversa com o pai sobre uma fiscalização da Receita Federal, pedindo a ele que alerte Humberto Armbruster Neto, preso ontem. As gravações telefônicas indicam ainda supostos pagamentos de propina a funcionários públicos e corrupção policial. Numa das conversas, funcionários de uma das empresas falam sobre a "venda" de uma carreta apreendida com combustível adulterado. "Eles acho (sic) que venderam o produto", diz um funcionário. "Os caras da polícia?", pergunta o outro. "É!".
Os promotores sustentam que a quadrilha abria empresas de fachada em nome de laranjas para adquirir grandes quantidades de solvente. O produto, muito mais barato que a gasolina, era levado de caminhão às distribuidoras, e ali misturado com álcool anidro. A fraude permitia aos criminosos praticar preço inferior ao de mercado - em alguns casos, R$ 0,40 a menos por litro de gasolina.
"Foram oito anos de investigação e, durante todo esse tempo, os réus se comportaram como se nada estivesse acontecendo, certos da impunidade", afirmou o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPE.
As investigações mostram que a quadrilha ocultava bens e valores amealhados com o esquema. Segundo o MPE, Armbruster Neto declarou uma lancha por R$ 18,8 mil. O preço de mercado, porém, varia de 400 a 500 mil (mais de R$ 1 milhão). O mesmo foi feito com um helicóptero modelo Pelicano, que teria sido vendido em 2005 por R$ 166 mil, apesar de avaliado em R$ 1 milhão. Os advogados dos presos não foram localizados.
GRAMPOS
Diálogo entre um homem identificado como coronel Gerson e José, funcionário da Sigja Química Geral Ltda.
Gerson: Ontem eu fui lá no aeroclube. Leva o garoto lá, né. Teve aí o sogro do Fábio, né. Aí eu perguntando com o cara lá, né. Peguei uma amostra daquela gasolina deles. A gasolina azul, lá.
José: Sei, sei
Gerson: Aí eu caí duro. Três paus e quinhentos o litro, bicho.
José: Nossa Senhora.
Gerson: É uma porcaria. Fácil de fazer (risos). Fiquei bobo de ver.
José: Eles usam muito.
Gerson: Nossa! Nem fala, nem fala. Peguei uma amostra e vou fazer uma amostra pra eles testar (sic).
José: É... mas avião não pode ter erro.
Gerson: É, não pode ter. Ele vai testa num... num... nunca testa no avião... testa num coiso, né?
José: Sei.
Gerson: Vamo vê o que ele vai fazer, né?
José: Bom, amanhã te ligo.
Fonte: Bruno Tavares (Estadão)