Já tinha ouvido falar no silêncio que precede as tempestades.
Agora, conheci o bicho pessoalmente – ele, o silêncio coletivo movido pelo medo.
Quem viaja de avião teme intimamente pelo dia em que o comandante vai pegar o microfone e, em vez de dar as boas-vindas e aquelas informações clássicas sobre tempo de voo e condições meteorológicas, avisará que há "um problema".
Demorou, mas aconteceu: o comandante pegou o microfone e avisou aos passageiros que o avião tinha apresentado um "problema técnico". Primeira reação: “Não é possível! Logo hoje e logo no meu voo!”, devem ter pensado os senhores passageiros. O locutor-que-vos-fala ocupava o assento 11C.
Pior: o avião teria de fazer um pouso não-programado.
Em resumo e em bom português: a situação era de emergência.
O avião tinha acabado de levantar voo do Aeroporto Santos Dumont, às cinco da tarde da quarta-feira da semana passada. Iria para Belo Horizonte. Eu estava a caminho do Fórum das Letras, em Ouro Preto.
Uns dez minutos depois da decolagem, veio o aviso. O avião, recém-saído do Santos Dumont, iria fazer um pouso – não previsto, obviamente – no Aeroporto do Galeão.
Em meus delírios de passageiro temeroso, eu imaginava que, numa situação assim, haveria algum pânico, alguma inquietação, alguma erupção coletiva de medo. Que nada.
Olho para os passageiros. Um silêncio absoluto se instala a bordo. Ninguém diz nada, nada, nada, nada. Ninguém se anima, sequer, a fazer uma mísera pergunta à aeromoça.
O pouso no outro aeroporto demora séculos (numa situação assim, quando os passageiros não fazem a menor ideia da natureza do "problema técnico", cada segundo parece demorar um minuto: cada minuto parece durar uma hora e, cada hora, um século).
O avião passou cerca de quarenta minutos, ou seja, quarenta séculos, voando em círculos, ora sobre o mar, ora sobre a terra.
E todo mundo esperando, intimamente, pelo estrondo final. Ah, o estrondo, o estampido, o relâmpago final viria assim, sem aviso prévio (é o que a gente pensa, mas não diz).
Confesso que uma taquicardia agitou minhas florestas interiores.
Faço, a mim mesmo, a pergunta fatal: o que seria pior? Desabar sobre o mar ou sobre a terra? A resposta que dou a mim mesmo: silêncio.
Olho para um vizinho: seus olhos estão fechados. Tenho vontade de perguntar: “Nós estamos na iminência de viver um momento épico – uma catástrofe nos céus de São Sebastião do Rio de Janeiro –, e você fecha os olhos, impassível?”.
Não pergunto. Se perguntasse, quem sabe, a resposta seria a mesma: o silêncio.
O que fazer para que os minutos passem logo?
Fico pensando o que é que eu poderia escrever como últimas e inúteis palavras. Quem sabe, eu poderia, no último minuto, rabiscá-las num guardanapo de papel e guardá-las numa garrafa plástica que, com sorte, poderia boiar, se o avião se precipitasse sobre as águas... Um dia, quem sabe, um escafandrista encontraria a garrafa já cheia de lodo, perto do assento 11C – o meu.
Lá estaria a declaração final: "A humanidade só será feliz no dia em que o último derrubador de matéria for enforcado nas tripas do penúltimo!". Mas... Não, não valeria desperdiçar esta chance com uma queixa contra jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo. Não, o jornalismo não é tão importante. Não mereceria, jamais, ser agraciado com as últimas palavras de quem quer que seja.
Uma alternativa seria exclamar por escrito, no guardanapo: "A Terra é um equívoco giratório! A Terra é um equívoco giratório!".
Ou, quem sabe, um apelo: "Deus, se você existe, dê um sinal – já, neste minuto. Quero lhe fazer umas perguntas. É agora ou nunca!".
Eu bem que poderia deixar uma mensagem cifrada perguntando por onde andaria a moça argentina que, num dia hoje remotíssimo, vi num trem e de quem nunca me esqueci. Como ela se chama? Dolores? Cristina? Como mandar uma mensagem final para um rosto sem nome? A mensagem jamais chegará.
Neste momento, enquanto a taquicardia parece embalar meus íntimos delírios, chego à conclusão definitiva: não, não adianta mandar mensagens para ninguém. Porque elas não chegarão. A vida é assim: uma gloriosa coleção de mensagens que jamais chegarão aos destinatários.
Eis aí, afinal, a solução! As últimas palavras bem que podem ser estas vinte e duas: "A vida é uma gloriosa coleção de mensagens que cada um de nós carrega dentro de si, mas jamais enviará aos destinatários!". É isso! É isso! Só agora descobri, enquanto espero o estampido final.
Neste momento, depois de séculos de íntima angústia dos passageiros, o avião finalmente faz o pouso não previsto. O piloto não nos diz o que aconteceu de errado. Fica em silêncio, exatamente como nós todos, os que imaginaram enviar inúteis mensagens para destinatários que jamais as receberiam.
E a noite na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro pôde seguir, sem assistir ao clarão fatal que, em nossos mais secretos delírios, poderia acontecer a qualquer momento, em algum ponto do céu, entre o Santos Dumont e o Galeão.
PS: Ah, sim: os senhores passageiros foram reacomodados em outro avião. E a vida continuou – rumo a Belo Horizonte. Nunca um nome de cidade pareceu tão apropriado.
Por Geneton Moraes Neto (G1)