quinta-feira, 1 de junho de 2023

A VASP e seus ‘pássaros’ no Aeroporto de Congonhas

Aeroporto na Zona Sul da capital paulista foi por décadas a principal fortaleza e base de operações da VASP, com hangares, oficinas de manutenção e sua vistosa sede. Em suas instalações passaram quase todos os modelos que a empresa paulista utilizou.

Boeing 737-200 da VASP em Congonhas (Aero Icarus)
As histórias do Aeroporto de Congonhas e da VASP estão intrinsecamente ligadas. O primeiro surgiu devido a necessidade da novata companhia aérea em ter um aeroporto que não fosse afetado pelas chuvas, como ocorria no Campo de Marte nos anos 1930. Os prejuízos eram tantos que a empresa pediu subvenção ao governo paulista e este preferiu estatizar a empresa em 10 de março de 1935. Até então, a transportadora possuía três aeronaves: dois General Aviation Monospar (PP-SPA e SPB) e um de Havilland DH.89 Dragon Rapide (PP-SPC).

Dragon Rapide (Domínio Público)
Em abril de 1936 chegou o primeiro trimotor Junkers JU-52 (PP-SPD), um dos maiores sucessos da indústria aeronáutica alemã do período. Batizado de “Cidade de São Paulo”, o PP-SPD realizou dois marcos históricos simultâneos: a inauguração do Aeroporto de Congonhas, em 05 de agosto de 1936, e ligar São Paulo com Rio de Janeiro na mesma data, sendo o embrião da Ponte Aérea Rio-São Paulo, uma das mais movimentadas ligações aéreas entre duas cidades no mundo.

Ao mesmo tempo que o PP-SPD decolava rumo ao Rio de Janeiro, o PP-SPE, batizado Rio de Janeiro, saía da então capital federal para São Paulo, ambos os voos com presença de autoridades municipais, estaduais e federais. Os voos especiais foram um sucesso e no retorno de cada avião para sua base, ambos sofreram incidentes que inviabilizaram suas operações por um período: o primeiro Ju-52 da VASP bateu com máquinas que trabalhavam na movimentação de terra em Congonhas, e o segundo trimotor com flutuadores no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

O Monospar, primeiro avião da VASP (Domínio Público)
A dupla alemã ficou em reparos e a diretoria da VASP esperou que ambos os aeroportos estivessem com as obras concluídas para operar regularmente na rota, fato possível a partir de 30 de novembro do mesmo ano, inaugurado pelo mesmo PP-SPD.

Informalmente Congonhas era conhecido como “Campo da VASP”, pois a criação do aeroporto foi um dos investimentos do governo estadual para viabilizar a empresa. Em julho de 1940, com dois Monospar e dois Junkers JU-52, a companhia operava dois voos diários (exceto aos domingos) para o Rio de Janeiro, dois semanais para Curitiba, sendo um deles indo até Florianópolis e um semanal para Goiânia via Ribeirão Preto e Uberaba. Era a maior operadora do terminal aéreo na zona sul de São Paulo, com 15 voos semanais, contra oito voos da Condor, quatro da Panair do Brasil e dois da Pan American World Airways.

Junkers JU-52
Em 1941, com mais dois Junkers JU-52, a VASP aumentava para três voos diários para o Rio de Janeiro, estendia a rota de Florianópolis até Porto Alegre e inaugurava um voo semanal para São José do Rio Preto via São Carlos.

No mesmo período, a Segunda Guerra Mundial restringia a obtenção de peças para a manutenção dos Junkers, impedindo não só a VASP, mas congêneres que operavam aeronaves alemãs, de expandirem suas operações. Os aviões eram retirados de operação e alguns até serviam de peças de reposição para a frota ativa.

O raro avião sueco Scandia


Com o término da guerra, diversos C-47/DC-3 utilizados no conflito estavam disponíveis por preços acessíveis e passaram a ser espinha da frota mundial no pós-guerra. Na VASP não foi diferente e em janeiro de 1946 chegou o primeiro avião. Robusto, fácil manutenção e confiável, o DC-3 operou na VASP por 28 anos, até 1974. A partir de Congonhas, a VASP usou o bimotor da Douglas para crescer no interior paulista, Minas Gerais, Norte do Paraná e Centro-Oeste. Em 1947, a VASP aposentou os Junkers JU-52 e por três anos (1947-1950) o Douglas DC-3 reinou sozinho no transporte de passageiros na empresa.

O Viscount, com 4 motores, foi um dos aviões usados na ponte aérea
O reinado do DC-3 na VASP se encerrou com a chegada do Saab 90 Scandia, bimotor sueco projetado para substituir o venerável Douglas. Apesar das excelentes qualidades, o Scandia foi operado por apenas duas empresas, a VASP e a Scandinavian Airlines System (SAS). A VASP recebeu os Scandia encomendados pela Aerovias Brasil, empresa que pertenceu brevemente ao Estado de São Paulo. Em meados da década de 1950, a VASP comprou os Scandias da SAS e tornou-se a única operadora mundial do modelo.

No 15º aniversário de Congonhas, o aeroporto era o terceiro mais movimentado do mundo, com 7.000 operações e mais de 100.000 passageiros circulando por mês no local. A VASP era uma das líderes deste crescimento, mas dividia o seu “campo” com outras operadoras, como a VARIG, REAL e as diversas empresas surgidas no pós-guerra.

Em 1958, a VASP realizava mais um pioneirismo: era a primeira empresa aérea do Brasil a operar turboélices ou, como propagavam na época, os “jatos-hélices”. Os Vickers Viscount 827 colocavam a VASP à frente da concorrência doméstica e permitiram que a empresa operasse novos voos saindo de Congonhas, rumo à Porto Alegre e Nordeste. Para uma empresa que operava com os versáteis DC-3 e Scandia, a chegada de uma aeronave nova representava um salto tecnológico poucas vezes visto na aviação comercial brasileira.

O sueco Scandia (Farnborough Air Sciences)
Em 06 de julho de 1959, o Scandia PP-SQU inaugurava a Ponte Aérea Rio-São Paulo, um serviço concebido em conjunto pela VASP, VARIG e Cruzeiro do Sul para concorrer com a REAL nos voos para o Rio de Janeiro. De forma inédita, as três empresas ajustavam as partidas a cada trinta minutos de cada cidade e um passageiro com o bilhete da VARIG poderia embarcar no primeiro voo disponível, seja da própria empresa quanto da VASP ou Cruzeiro do Sul, e a compensação era feita à noite.

Em 05 de janeiro de 1962, a VASP comprou o Lóide Aéreo Nacional, passando de uma empresa regional com forte atuação em São Paulo e estados limítrofes para uma nacional, com 25% do mercado de passageiros.

Nesta compra vieram aeronaves que a VASP nunca operou até então: Douglas DC-4, DC-6 e Curtiss Commando/C-46. Estas aeronaves não eram visitantes frequentes em Congonhas, com operações pontuais ou por conta de manutenção nas oficinas da empresa. Só no final da década de 1960 os DC-6 passaram a operar mais em Congonhas quando foram convertidos em cargueiros.

A fusão com o Lóide Aéreo Nacional reverteu os resultados operacionais dos anos anteriores para prejuízos e, diante desta situação, a VASP comprou 10 Viscount 701 da British European Airways (BEA) para operar em rotas em que competiam com os Caravelle da VARIG, Cruzeiro do Sul e Panair do Brasil. O modelo 701 substituiu o Scandia na Ponte Aérea e sua operação durou até 1969, quando o custo de fazer reforços estruturais nas asas devido ao período de ciclo de operação estar próximo do fim.

Dois One-Eleven marcam a entrada na era do jato


One-Eleven da VASP na Inglaterra (Divulgação)
A década de 1960 foi o alvorecer dos jatos na aviação mundial e, no Brasil, a VASP estava atrás das concorrentes em operar estes modelos. A tentativa de contar com jatos começou com a compra de seis Caravelle VI-R em 1962, mas a compra foi cancelada devido às condições financeiras e a VASP só receberia jatos apenas em dezembro de 1967, com dois BAC 1-11-400, comumente chamados de One-Eleven.

A dupla de bimotores britânicos começou a operar em 8 de janeiro de 1968, ligando Congonhas com Manaus via Rio de Janeiro e Belém, e Fortaleza com Porto Alegre, com as escalas em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Estes se tornaram o quarto modelo a jato puro a operar em Congonhas, depois do Caravelle, Convair 990 e Comet IV.

Samurai da VASP
No mesmo ano a VASP recebeu os NAMC YS-11, turboélice bimotor japonês, batizado de Samurai pela empresa e colocado em operação na rota entre Congonhas e Cuiabá. A VASP possuía a maior frota de turboélices do país, composta pelos Samurais e os Viscounts, todavia a empresa queria mais jatos, pois dois One-Elevens eram responsáveis por 24% da receita de passageiros por km (RPK em inglês) da VASP, que tinha uma frota de 38 aeronaves na época.

Boeing 737 da Vasp chegou ao país em 1969
Em 25 de julho de 1969, a VASP recebe os primeiros quatro Boeing 737-200 de uma encomenda de cinco. O primeiro deles, PP-SMA, tocou o solo de Congonhas às 16h36, com os outros três (SMB, SMC e SMD) pousando depois a cada quatro minutos de diferença. Antes disso, a quadra realizou diversos rasantes sobre o aeroporto, que viria ser o ninho da maior frota de 737-200 da América Latina nos próximos anos. Cinco dias depois da chegada, o PP-SMB realizava o primeiro voo comercial dos 737-200 no país.

A chegada de jatos nas empresas aéreas e a aposentadoria de aeronaves a pistão como C-47/DC-3 e C-46 reduziram drasticamente a quantidade de cidades servidas por via aérea no Brasil. A VASP também experimentava esta situação e, entre 1967 e 1972, realizou estudos para voos regionais a partir de Congonhas, operando em caráter experimental os de Havilland Canada DHC-6 Twin Otter (PP-SRV) em novembro de 1967, o Beech 99 (PP-SRW) em 1968, o Nord 262 (N26215) nas cores da americana Lake Central em fevereiro de 1969 e o Swearingen Metro (PP-SAF) em dezembro de 1972.

No final prevaleceu a vontade do Governo Federal em fomentar a Embraer e, em 04 de outubro de 1973, a VASP recebia os primeiros Embraer EMB-110 Bandeirante e, fazendo jus ao nome da aeronave, foram empregados nas rotas que ligavam Congonhas com o interior paulista.

O Boeing 727-200 foi o maior avião da VASP até a chegada do A300 (Pedro Aragão)
O Boeing 727-200 foi o terceiro modelo a jato que a VASP operou. Denominados Super 200, o primeiro deles (PP-SNE) foi recebido no dia 19 de abril de 1977, tornando-se a maior aeronave a ser operada até então em Congonhas. Em 03 de janeiro 1979, a empresa recebeu o primeiro de dois modelos do Boeing 727-100, destinados para os voos cargueiros. Com as cores básicas da Lufthansa, sua antiga operadora, o PP-SRY e PP-SRZ operaram até 1981.

Airbus A300, o primeiro widebody


No dia 22 de novembro de 1982, a VASP recebeu o Airbus A300B2K-200 proveniente de Toulouse, França. Recebido com grande festa e batizado de Epaminondas, o A300 foi a primeira aeronave de dois corredores (widebody) da VASP, e foi empregada nas rotas mais prestigiosas da companhia, ligando Congonhas com Manaus via litoral (Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém), via Brasília, e Porto Alegre. No dia 18 de janeiro de 1984, o A300 inaugurou o primeiro voo charter internacional de passageiros da VASP, ligando Congonhas com Orlando, via Manaus e Aruba.

Em 25 de janeiro de 1985, o Aeroporto Internacional de Cumbica era inaugurado em Guarulhos, e São Paulo contava agora com um aeroporto com melhor estrutura operacional que Congonhas – apesar da estrutura para receber grandes jatos, Viracopos, alternativa a Congonhas, era muito distante da capital.

O Airbus A300-B2 foi o primeiro widebody da empresa (Aero Icarus)
A partir de agosto de 1985, Guarulhos passou a receber voos domésticos de Congonhas, relegando suas funções para voos regionais e a Ponte Aérea com os Electras da VARIG. Os A300, B727-200 e B737-200 da VASP só pousavam no aeroporto para manutenção ou apresentação, como foi com o Boeing 737-300 PP-SNS em 29 de abril de 1986. Posteriormente, este modelo operou em uma Ponte Aérea alternativa, ligando Congonhas com Galeão cinco vezes por dia.

Após testes, o Departamento de Aviação Civil (DAC) aprovou a operação dos 737-300 no Santos Dumont e, em 11 de novembro de 1991, a VASP iniciava a operação deste modelo na Ponte Aérea.

Naquele ano, a VASP vivia um processo de expansão acelerada, desejo de seu novo dono, o Consórcio VOE-Canhedo, que venceu a licitação de privatização do governo do estado. E novos modelos foram recebidos: o Boeing 737-400, Douglas DC-8-70F, DC-10-30 e MD-11. Os dois últimos não operavam em Congonhas por restrições na pista, enquanto os outros pousavam para manutenção.

O raro DC-8-73F, cargueiro que visitava Congonhas nos anos 90 (Aero Icarus)
Com a VASP concentrando esforços em Cumbica e na expansão internacional, sua presença em Congonhas foi sendo gradativamente diminuída ao longo dos anos, perdendo espaço para as novatas Rio-Sul e TAM. Em dezembro de 1999, fazia ligações diretas apenas para Belo Horizonte (Pampulha), Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont) e um charter para Porto Seguro.

Manutenção foi a atividade derradeira da VASP em Congonhas


A maxidesvalorização do Real afetou as receitas internacionais da empresa e agravou mais seus créditos na praça e, outrora base de chegada dos novos modelos, Congonhas passou a ser local de aeronaves paradas por falta de dinheiro para manutenção, ou que serviriam de peças para as outras aeronaves.

Com inúmeros voos atrasados ou cancelados, a VASP recebeu comunicado do Departamento de Aviação Civil (DAC) de suspender as operações comerciais a partir das 23h59 de 26 de janeiro de 2005, com o PP-SFJ realizando o derradeiro voo de passageiros da empresa. Pouco tempo depois, em 05 de fevereiro, foram os serviços cargueiros que pararam.

Em Congonhas ficaram paradas as seguintes aeronaves: A300 (PP-SNL e SNN), 737-200 (PP-SMF, SMG, SMQ, SMS, SMU e SFI) e o 737-300 PP-SOT. Todas foram desmanchadas em um programa da Justiça Federal para retirar aeronaves que estavam abandonadas em diversos aeroportos brasileiros.

Vários 737 da Vasp viraram sucatas após a falência da empresa (Aeroprints)
Mesmo sem operar voos de passageiros e cargas, a VASP usava seus hangares para fazer serviços de manutenção a terceiros até 08 de setembro de 2008, quando foi decretada a falência da empresa. O hangar principal era esporadicamente usado para eventos, como a LABACE.

O hangar, que recebeu outrora desde DC-3 até A300, passando pelos Viscount 827, Boeing 727-200 e 737-200, inclusive realizando serviços para terceiros, como os VC-96 presidenciais, está sendo demolido. Esta demolição faz parte de um acordo entre a Infraero e a rede de lojas de construção Leroy Merlin em implantar uma loja conceito no lugar de parte das instalações da VASP.

Curiosidades:


Ao longo de sua história, a VASP teve outras aeronaves que não eram destinadas ao transporte de passageiros ou carga. Eram destinados a aerofotogrametria, treinamento, transporte de diretores e até mesmo a serviço do governo do estado e, possivelmente, frequentavam o Aeroporto de Congonhas. Estes aviões eram parte do que chamavam de “Vaspinha”, e eram o Cessna 195, Beech D18S, Nord 1203 Norecrin II, Piper PA-23, Beech Queen Air 80, de Havilland Canada DHC-2 Beaver e o helicóptero Bell 47D, o primeiro do Brasil.

Durante a fase que a VASP foi acionista Ecuatoriana de Aviación, Lloyd Aéreo Boliviano e Transportes Aéreos Neuquén S.A (TAN), aeronaves destas empresas iam para Congonhas para manutenção, como os A310-300, 727-200, Saab 340, Swearingen Metro e Rockwell Commander.

O DHC-2 Beaver que voou na “Vaspinha” em serviços de aerofotogrametria (Reprodução)

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