Passadas 48 horas da maior tragédia da aviação no Rio Grande do Sul, a queda do Constellation da Panair, autoridades, jornalistas e populares ainda vasculham o Morro do Chapéu, em São Leopoldo (hoje Sapucaia do Sul), na busca dos vestígios e restos do possante quadrimotor calcinado.
A frente fria estacionária, que foi decisiva no acidente da Panair na capital do Estado, ainda está atuando, mantendo uma baixa camada de nuvens cobrindo completamente todo o território gaúcho.
O Senador Joaquim Pedro Salgado Filho, ex-ministro da Aeronáutica ainda estava sob o impacto da tragédia do Panair, principalmente porque ele tinha lugar marcado no voo PB 099, mas cedeu a um amigo que tinha pressa em chegar ao Rio Grande do Sul. Sorte de um, azar de outro.
Mesmo com o tempo desfavorável, o Senador Salgado Filho mantivera sua agenda no interior do estado. Tinha um encontro com o Sr. Getúlio Vargas na longínqua cidade de São Borja, onde o ex-presidente residia na Fazenda do Itu.
A SAVAG foi fundada em 1946, e possuía uma frota de dois Lockheed Lodestar (PP-SAA e SAB), que voavam para diversas cidades gaúchas, buscando enfrentamento com a poderosa VARIG. Em 1949 a companhia perdera o Lodestar PP-SAC em acidente na cidade de Pelotas/RS.
O Comandante Cramer estava ciente das condições meteorológicas desfavoráveis, e mesmo assim apresentou um plano de voo IFR em rota direta para São Borja, a 4.500 pés de altitude. O plano de voo previa descida por instrumentos, tendo como referência a Radio Difusora de São Borja (AM). Este procedimento atualmente é proibido, porém nos tempos do "arco-e-flexa" da aviação (anos 40 e 50), era muito comum usar rádios comerciais (broadcasting) como balizador de procedimentos, devido a ausência de rádio-auxílios a navegação aérea.
Trajeto do PP-SAA (Arte Fábio Luís Fonseca/AeroEntusiasta) |
O PP-SAA decolou do Aeroporto Federal de Porto Alegre, São João, as 11 horas com 10 pessoas a bordo. O voo prosseguiu por mais de uma hora dentro de um colchão de nuvens, sem contato visual com o terreno. O Comandante Cramer solicitou ao Centro de Controle, descer para condições VFR (visuais), o que foi negado pelo controlador.
Não querendo frustrar o Senador Salgado Filho por não conseguir localizar a Fazenda Itu, provavelmente o experiente Comandante Cramer decidiu por conta e risco descer em busca de contato visual com o terreno.
Por volta das 13 horas, um morador da região rural de São Francisco de Assis ouviu o ronco de um avião passando baixo sobre sua fazenda, seguido de uma forte explosão. Era o PP-SAA que voava muito baixo e bateu contra uma pequena elevação chamada Cerro Cortelini. Nenhum dos dez ocupantes do bimotor sobreviveu.
Jornal Folha da Noite |
Era o fim de uma carreira de sucesso na aviação e de um provável Governador do Rio Grande do Sul, tendo em vista que o encontro de Salgado Filho com Getúlio Vargas visava os detalhes para a candidatura do senador ao governo do estado.
Jornal Folha da Manhã |
O relatório final do acidente informou que o Lodestar da SAVAG voava nivelado, motores operando normalmente, na direção magnética 310 graus, flaps e trens recolhidos. Devido a visibilidade reduzida por chuva fina e nebulosidade baixa, o comandante Cramer não pode pressentir o choque contra uma árvore, que decepou a asa esquerda do bimotor e levou a queda do avião.
Hoje, Gustavo Cramer e Salgado Filho são lembrados como nomes dos aeroportos de Bagé/RS e Porto Alegre/RS, respectivamente.
Agora a frota da SAVAG tinha apenas um Lodestar, o PP-SAB (foto abaixo), e corria sérios risco de encerrar as atividades.
Os proprietários, a Sra. Maria Cramer (Irmã do falecido Cmte. Cramer) e o Sr Augusto Leivas Otero, encontram ajuda na companhia aérea Cruzeiro do Sul, que cedeu dois Douglas DC-3 para a SAVAG manter seus voos regionais, interligados à malha nacional da empresa carioca.
O primeiro Douglas DC-3 com as marcas da SAVAG foi o PP-SAD (foto abaixo), que entrou em atividade em 1951, o segundo foi o PP-SAE, que chegou em 1957.
Neste período a SAVAG existia apenas no papel e nas pinturas dos aviões, pois toda a administração e operação era realizada pelo quadro de funcionários da Cruzeiro do Sul. Todas as propagandas da empresa gaúcha nas revistas e jornais, remetiam sempre para a integração dos voos regionais, com a malha nacional da Cruzeiro do Sul.
No início dos anos 1960 o Brasil passava por um momento de grandes investimentos na malha rodoviária, com abertura e asfaltamento de estradas. Gradativamente os voos regionais foram apresentando cada vez menor ocupação, o que levou a Cruzeiro do Sul a encerrar rotas deficitárias e cortar gastos. Sobrou para a SAVAG, que teve os dois DC-3 retomados no final de 1965, levando ao encerramento das atividades e o fechamento da empresa gaúcha.
Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)
Com Informações do forum.aeroentusiasta.com.br, Correio do Povo, ASN e Canal Aviões e Músicas - Fontes de pesquisa (livros): "O rastro da bruxa – história da aviação brasileira no século XX através de seus acidentes: 1928-1996". Comandante Carlos Germano da Silva, EDIPUCRS. Porto Alegre/RS. 2006. / "Acidente no Morro do Chapéu - A queda do Constellation da Panair em Sapucaia do Sul". Abrão Aspis, Livraria Palmarica. Gravatal/SC. 2007.