Por: Odenildo Sena
No exato momento em que planejo a escrita destas mal traçadas linhas, a voz elétrica e pouco melodiosa da comissária invade o salão da aeronave e anuncia com uma ponta de orgulho na voz: “Senhoras e senhores, dentro de instantes daremos início ao nosso serviço de bordo. Neste vôo serviremos sanduíche frio com pão de gergelim, queijo provolone, queijo cheda, presunto de peru, tomate e patê de milho, acompanhado de Coca-Cola, Coca-Cola light, guaraná, suco de laranja e suco de manga, cerveja Sol e Xingu”.
Cá comigo, fico imaginando que, aos ouvidos e olhos de um marinheiro de primeira viagem, aquele elenco de tamanha variedade representa uma novidade absoluta, mesmo porque a expressão que inicia o anúncio – “neste vôo” – transmite o sentido de uma particularidade única, dando a entender que em outros vôos o cardápio será diferente. Ledíssimo engano. Posso apostar que, naquele momento, em outras dezenas de vôos, dezenas de outras comissárias estarão anunciando, sem tirar nem pôr uma palavra, exatamente o mesmo e vasto cardápio.
A propósito, particularmente no caso do sanduíche, não caia na vã esperança de identificar os ingredientes que recheiam o pão. Será perda de tempo. Eles estão no plano da absoluta virtualidade.
Lembro-me de que essa situação não é diferente em vôos de uma outra empresa. Afora alguma variação no texto, a essência é a mesma. “Senhoras e senhores clientes, dentro de instantes daremos início ao nosso serviço de bordo. Serviremos barrinhas de cereais de castanha e côco acompanhadas de...” E a ladainha vai na mesmíssima direção, excluindo apenas as cervejas Sol e Xingu.
Sinceramente, não sei o que norteia a lógica desse perverso monopólio da mesmice, que enquadra as pessoas no odioso plano da homogeneidade. Se o objetivo está na redução de custos, para baratear o preço das passagens aéreas – o que concretamente não vem acontecendo nos últimos tempos – , ainda assim é incompreensível que as empresas não ofereçam diversidade dentro dessa margem de custos.
Foi-se o tempo em que o serviço de bordo, por mais elementar que possa parecer, era o momento mais esperado de uma viagem aérea. Chegava-se ao respeito de regionalizar-se a oferta. Guardo na memória algumas vezes em que me deliciei com um ensopadinho de pirarucu com arroz e verduras.
Quanta saudade do glamour da velha e boa Varig. Hoje, quem diria. Vivemos a mais pobre, surrada e humilhante das ditaduras. A ditadura das barrinhas de cereais.
Odenildo Sena é formado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), onde é professor do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa. Atualmente é presidente da Fundação de Amparo de Pesquisas do Amazonas (Fapeam)
No exato momento em que planejo a escrita destas mal traçadas linhas, a voz elétrica e pouco melodiosa da comissária invade o salão da aeronave e anuncia com uma ponta de orgulho na voz: “Senhoras e senhores, dentro de instantes daremos início ao nosso serviço de bordo. Neste vôo serviremos sanduíche frio com pão de gergelim, queijo provolone, queijo cheda, presunto de peru, tomate e patê de milho, acompanhado de Coca-Cola, Coca-Cola light, guaraná, suco de laranja e suco de manga, cerveja Sol e Xingu”.
Cá comigo, fico imaginando que, aos ouvidos e olhos de um marinheiro de primeira viagem, aquele elenco de tamanha variedade representa uma novidade absoluta, mesmo porque a expressão que inicia o anúncio – “neste vôo” – transmite o sentido de uma particularidade única, dando a entender que em outros vôos o cardápio será diferente. Ledíssimo engano. Posso apostar que, naquele momento, em outras dezenas de vôos, dezenas de outras comissárias estarão anunciando, sem tirar nem pôr uma palavra, exatamente o mesmo e vasto cardápio.
A propósito, particularmente no caso do sanduíche, não caia na vã esperança de identificar os ingredientes que recheiam o pão. Será perda de tempo. Eles estão no plano da absoluta virtualidade.
Lembro-me de que essa situação não é diferente em vôos de uma outra empresa. Afora alguma variação no texto, a essência é a mesma. “Senhoras e senhores clientes, dentro de instantes daremos início ao nosso serviço de bordo. Serviremos barrinhas de cereais de castanha e côco acompanhadas de...” E a ladainha vai na mesmíssima direção, excluindo apenas as cervejas Sol e Xingu.
Sinceramente, não sei o que norteia a lógica desse perverso monopólio da mesmice, que enquadra as pessoas no odioso plano da homogeneidade. Se o objetivo está na redução de custos, para baratear o preço das passagens aéreas – o que concretamente não vem acontecendo nos últimos tempos – , ainda assim é incompreensível que as empresas não ofereçam diversidade dentro dessa margem de custos.
Foi-se o tempo em que o serviço de bordo, por mais elementar que possa parecer, era o momento mais esperado de uma viagem aérea. Chegava-se ao respeito de regionalizar-se a oferta. Guardo na memória algumas vezes em que me deliciei com um ensopadinho de pirarucu com arroz e verduras.
Quanta saudade do glamour da velha e boa Varig. Hoje, quem diria. Vivemos a mais pobre, surrada e humilhante das ditaduras. A ditadura das barrinhas de cereais.
Odenildo Sena é formado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), onde é professor do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa. Atualmente é presidente da Fundação de Amparo de Pesquisas do Amazonas (Fapeam)
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