sábado, 30 de maio de 2009

"Porta-aviões" dos EUA no Atlântico - América à escala da Base das Lajes

“Uma América em ponto pequeno”. Duma forma metafórica é como os terceirenses, e os próprios militares norte-americanos e familiares que por lá vivem e trabalham, observam a Base das Lajes, na Praia da Vitória.

A Base das Lajes funciona como uma espécie de “porta-aviões” dos EUA no Atlântico desde há meio século.

Actualmente partilhada pelas forças aéreas de Portugal e dos Estados Unidos, a unidade militar teve a sua primeira pista de aterragem de terra batida em 1934.

Os ingleses foram os primeiros utilizadores estrangeiros da Base, tendo construído uma pista para receber aviões pesados em 1943, em plena II Guerra Mundial.

A utilização por parte dos EUA começou em 1946.

A partir daí as Lajes garantiram apoio ao lançamento de forças vindas de terras do “Tio Sam” para intervenções militares na Europa e Médio Oriente.

A sua importância atingiu o ponto mais alto nos tempos da “Guerra Fria”, numa época em que para a América era imperioso vigiar, de perto, todos os passes do grande inimigo europeu – a União Soviética.

Pelas suas pistas passaram milhares de homens e aviões (cargueiros, abastecedores e caças) com destino a palcos bélicos tão díspares como o Líbano (1958), Congo (1961), Guerra do Yom Kippur – entre Israel e países árabes (1073) e, mais recentemente, na Guerra do Golfo (1991) e intervenções no Afeganistão.

A 16 de Março de 2003, teve lugar a Cimeira das Lajes, com a participação dos líderes norte-americano, George Bush, britânico, Tony Blair, espanhol, José Maria Aznar, e português, Durão Barroso, que culminaria com a intervenção militar anglo-americana no Iraque com vista à destituição do ditador Saddam Hussein.

Porém, é preciso referir que a importância da Base das Lajes no dispositivo estratégico militar dos EUA foi reduzida com o desmantelamento do “Bloco de Leste”.

Com a queda do Muro de Berlim, associada aos ganhos de autonomia resultantes de inovadoras técnicas de abastecimento em pleno voo, regista-se uma clara diminuição na utilização das pistas da Base das Lajes.

O número de efectivos militares americanos, bem como os portugueses ao serviço das Feusaçores, baixou consideravelmente. Nas décadas de 60 e 70, o número de tropas chegou a atingir três milhares, sendo que actualmente estão destacados nas Lajes cerca de 1100 militares (150 dos quais civis) que, com os seus dependentes, somam uma população que ronda as duas mil pessoas.

De qualquer modo, a importância da Base é ainda tida como fundamental para a economia e sociedade da Terceira, uma ilha com menos de 60 mil habitantes.

O destacamento norte-americano da Base das Lajes gastou no ano passado 68,1 milhões de euros na aquisição de bens e serviços no comércio local, o que representou uma quebra de 15,3 milhões relativamente a 2007.

Cerca de mil portugueses estão ao serviço da Base, que foi sempre vista pelos terceirenses quase como um prolongamento da própria América, pais que representa o principal destino da emigração açoriana.

Televisão e Coca-Cola

Graças à Base das Lajes, por exemplo, os moradores das freguesias mais próximas tiveram acesso aos canais de televisão dos EUA, muito antes da criação do único canal regional – a RTP/Açores.

Outra “descoberta” proporcionada pela Base foi o sabor da famosa Coca-Cola, bebida que o ditador português António Oliveira Salazar não via com bons olhos em território nacional...

No rasto da memória surge também a possibilidade única de comprar, a preços muito acessíveis, artigos de marcas tão emblemáticas como a “Levis Strauss” ou a “Converse All Stars”.

Sobretudo nas décadas de sessenta e setenta do último século, o envolvimento dos norte-americanos com a população local era intenso.

Sem grandes alternativas de âmbito social, era hábito ver-se, na então vila da Praia da Vitória, serões musicais animados pelos discos de vinil de grandes nomes da música dos EUA, que tinham o selo “Made in Base das Lajes”.

A Terceira foi, com o tempo, abrindo-se ao exterior. O contacto com a população americana diluiu-se um pouco. As novidades do BX (o Base Exchange, um armazém que vende de tudo) passaram a existir nos estabelecimentos comerciais que proliferam pela ilha.

Os canais de TV americanos, e muitos outros estrangeiros, entram pelas casas via Cabo. Não há qualquer antipatia pelos ilustres hóspedes norte-americanos, mas, na verdade, o fascínio da Base das Lajes já não faz brilhar os olhos dos habitantes da maior ilha do Grupo Central dos Açores.

Aliás, pela parte dos responsáveis militares dos EUA estacionados na Base das Lajes, é um imperativo de honra manter o bom relacionamento com a população local.

Todos os anos, em Junho, é levado a cabo o Dia de Apreço à Comunidade, vulgarmente designado por “Dia da Entrada Geral”, e que consiste na abertura total das portas da base militar a todos os interessados, que, entre muitos atractivos, podem entrar em aviões que só parecem existir em filmes como o “Top Gun”. As crianças adoram...

A comodidade proporcionada aos militares, e seus familiares, dos EUA na Base das Lajes é evidente para lá dos muros da “65TH Air Field”, nas áreas habitacionais.

O cenário tenta recriar, o mais fielmente possível, uma qualquer cidade em verdadeiro solo americano.

Situada a cinco quilómetros da cidade da Praia da Vitória, a Base proporciona serviços de educação, saúde e recreativos aos seus moradores.

Na Base das Lajes são festejadas fervorosamente datas tão significativas para os norte-americanos como o Dia da Independência (4 de Julho) ou o Dia de Acção de Graças.

Os clubes militares e civis proporcionam agradáveis horas de lazer e até o serviço religioso, nos mais diferentes credos, é assegurado num templo existente para o efeito.

Para que tudo tenha a chancela genuína do “Tio Sam”, não faltam lugares que vendem hamburguers ou hot dogs (cachorros quentes) e, muito menos, o indispensável clube de bowling.

A ligação à terra natal não é assim perdida nos 15 meses de destacamento na Base das Lajes (para os militares solteiros) ou dois anos, renováveis por mais um, para os casados.

Acresce que são os próprios americanos a fazerem questão de travar um conhecimento mais aprofundado com a ilha, as suas gentes e costumes.

Marcam presença assídua nos principais espaços comerciais da ilha, sobretudo à procura de legumes e produtos lácteos, nas zonas balneares e numa das manifestações culturais mais referenciadas da ilha Terceira – as toiradas à corda.

A sua curiosidade pelos toiros, criados no mato, nem sempre é conciliável com a prudência. Às vezes, de tantos quererem aproximar-se para tirar a melhor foto ou filmagem do animal, acabam por sentir na pele a sensação deveras desagradável de uma marrada...

É de salientar que alguns militares americanos, bem como aqueles que desempenham funções civis, preferem morar fora da Base das Lajes, optando pela Praia da Vitória ou freguesias próximas.

Esta opção não representa mais encargos financeiros, uma vez que o próprio Ministério da Defesa dos EUA concede ajudas de custo que dão, na esmagadora maioria dos casos, para pagar as rendas das casas.

É curioso notar que um dos factores que levam à “fuga” da Base tem a ver com os animais domésticos. Na realidade, na unidade militar cada família não pode possuir mais do que dois animais, imposição que, logicamente, não se faz sentir nas casas arrendadas pelos terceirenses.

Fonte: João Rocha (A União - Portugal) - Foto: João Costa (Fotaçor)

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