domingo, 10 de maio de 2009

Câmara paga piloto de avião de Ministro Geddel

Desconhecido na Casa, Francisco Meireles é lotado no gabinete do deputado Edigar Mão Branca, suplente do ministro

Geddel diz pagar ao piloto por hora de voo e saber que ele é servidor da Câmara; Mão Branca não soube explicar o que Meireles faz


O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


A Câmara dos Deputados paga o salário de um piloto que trabalha conduzindo o avião particular do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Francisco Meireles é contratado como secretário parlamentar com salário de R$ 8.040 no gabinete do deputado Edigar Mão Branca (PV-BA).

O piloto é um desconhecido na Câmara. A Folha telefonou para o gabinete de Mão Branca na quinta-feira duas vezes. Perguntou pelo secretário parlamentar Francisco Meireles. A secretária Jose disse não haver ninguém com aquele nome trabalhando lá. A reportagem insistiu. Quis saber se esse funcionário trabalhava na Bahia, Estado do deputado.

"Não, não. Nem no Estado. Eu tenho a lista aqui de todos [os funcionários]. Nunca teve Francisco Meireles, Meireles, nunca teve. Alguém deve ter te dado o número [de telefone] errado", explicou a secretária.

Mão Branca é suplente de Geddel, que está licenciado do cargo de deputado federal pelo PMDB da Bahia desde o início de 2007, quando foi nomeado ministro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 20 de março daquele ano, o suplente assumiu a cadeira.

O caso é mais um envolvendo congressistas e viagens aéreas. Além da farra de passagens usadas de maneira indiscriminada no Congresso, houve também registro de vários senadores e deputados alugando jatinhos com dinheiro público. Um deles, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), gastou cerca de R$ 500 mil com o uso de aviões particulares.

Segundo Mão Branca, conhecido por usar um chapéu de couro, o piloto Francisco Meireles já trabalhava no gabinete de Geddel no passado. Não há registro, entretanto, dessa contratação nos arquivos da Câmara. O ministro também nega a versão, dizendo nunca ter empregado Meireles.

Ao pesquisar o assunto, a Folha encontrou o ato de nomeação de Meireles como secretário parlamentar num "Suplemento ao Boletim Administrativo nº 42", de 3 de março de 2008 -cerca de um ano depois da posse de Mão Branca.

Doação

Indagado se tinha conhecimento de que Meireles, piloto de seu avião particular, era contratado no gabinete de Mão Branca, o ministro respondeu: "Claro que sabia".

Para Geddel, sua relação com o piloto é profissional. Quando necessita os seus serviços para conduzir seu avião, remunera o secretário parlamentar: "Pago a ele por hora de voo".

Geddel diz ter recebido o avião como doação de seu pai. Desde 2006, o bem aparece na declaração de bens do ministro: "Aeronave Piper Seneca Prefixo PT WNP". O valor declarado é de R$ 210 mil.

Mão Branca não soube explicar exatamente o que Meireles faz como secretário parlamentar -cujo salário de R$ 8.040 é o mais alto possível para um funcionário de gabinete na Câmara. "Comigo aqui a ordem é fazer qualquer coisa, a qualquer hora, o que for necessário."

A Folha pediu ao deputado que fosse mais específico. "Amanhã mesmo [sexta] vou precisar dele para deixar algumas demandas com ele lá em Salvador para resolver para mim porque eu estou hoje [quinta] aqui em Brasília com acúmulo de muita coisa. E eu preciso realmente deixar lá com ele. Ele distribui não só com ele, mas com outras pessoas que também nos auxiliam nessa demandas", disse.

Que tipo de demandas são essas? "Olha, manter um contato com uma pessoa, com uma base política. Levar uma documentação a uma determinada localidade. Enfim, eu não posso aqui te dizer, mas posso numa outra oportunidade detalhar mais", disse o deputado.

O piloto Meireles, 54 anos, é irmão de Hildécio Antonio Meireles Filho, 53, prefeito de Cairu, uma pequena cidade da Bahia com 8.656 eleitores.

Hildécio é filiado ao PMDB, partido de Geddel. No ano passado, o ministro foi o cacique baiano mais bem-sucedido nas eleições municipais do Estado -o irmão de seu piloto foi um dos 113 prefeitos que ele ajudou a eleger no primeiro turno.

À Folha Meireles disse não ver conflito entre ser piloto de avião e empregado do gabinete. Segundo ele, só tem sido piloto como "free-lancer". Lembrou-se de ter levado Geddel a duas cidades no fim de semana passado. No 1º de Maio, para Itapevi. No dia 2, para Remanso.

Segundo o ato 72, editado em 1997 pela Mesa Diretora, os secretários parlamentares como o piloto Meireles terão "jornada de trabalho (...) de 40 horas semanais, cumpridas em local e de acordo com o determinado pelo titular do gabinete". O gabinete do deputado fica obrigado a comunicar "à Coordenação de Apoio Parlamentar, mensalmente, a frequência dos secretários parlamentares".

No Senado já houve um caso semelhante ao de Geddel e seu piloto. O senador Wellington Salgado (PMDB-MG) cede secretária e motorista que estão contratados pelo seu gabinete para que trabalhem para o titular licenciado da cadeira, o ministro Hélio Costa (Comunicações). "Se for irregular, vamos nos adequar", afirmou Salgado no mês passado. Até agora, nenhuma providência foi tomada nem ninguém foi punido.

Outro lado

Ministro diz que não há irregularidade

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, não enxerga nada de irregular em contratar como piloto de seu avião particular um secretário parlamentar da Câmara dos Deputados.

"Eu o contrato por R$ 100 ou R$ 150 a hora. Certamente devem ter lá na Câmara advogados que também prestam serviços para terceiros. A legislação da Câmara não proíbe isso. Proíbe que você tenha outro emprego público, seja dirigente de outra empresa", diz o ministro.

A relação com o piloto é antiga, diz Geddel: "[Francisco] Meireles é um velho piloto. Depois que eu fui para o ministério, diminui voos que faço no avião Seneca que tenho há muitos anos. Comecei a fazer voos tipo free-lancer. Meireles voa pra mim quando precisa voar como voa para quem o contratar".

O ministro aponta um problema de nomenclatura que considera antigo na Câmara. "Quando eu era deputado, o meu motorista era secretário parlamentar. São essas coisas da Câmara: só tem o cargo de secretário parlamentar. Não tem o cargo de motorista. Todos os cargos são secretário parlamentar."

Segundo Geddel, a decisão de contratar Meireles foi exclusivamente do deputado Mão Branca (PV-BA), que é suplente do ministro.

Mão Branca conta versão semelhante: "Eu não sofri nenhum tipo de pressão para manter pessoas do ministro comigo. Pelo contrário". O deputado não explicou em detalhes o que faz o piloto de avião quando está na função de assessor parlamentar. Mas disse poder "provar" que sempre que o procura "ele está à disposição para uma missão".

Mão Branca explica que depende "das pessoas mais escoladas, que têm mais facilidade em viajar". Questionado se Meireles seria um desses "escolados"? O deputado diz: "Olha, eu considero".

Indagado se conhecia a formação de piloto de avião do secretário parlamentar, Mão Santa disse ter tomado conhecimento após a contratação. "Soube disso depois, que ele também pilotava. Mais uma qualidade dele".

Sobre incompatibilidade de funções, Mão Santa revelou seu modo de trabalho: "Eu sempre digo a todos que trabalham comigo o seguinte: na hora que eu precisar dos serviços deles, que eles me atendam pelo amor de Deus. Agora, nas horas vagas deles, eles estão livres. Se for advogado, que trabalhe na sua advocacia. Se for piloto, que pilote seu avião".

O piloto Francisco Meireles alega estar sempre à disposição de Mão Santa, na Bahia. "Meu trabalho é secretariando o deputado", declarou ele, sem especificar sua rotina. Pilotar aviões, disse, seria apenas uma ocupação free-lance.

Fonte: Jornal Folha de S.Paulo (10/05/09)

Nenhum comentário: