O acidente aconteceu há seis meses. Entre as vítimas, estava a namorada do filho do governador Sérgio Cabral
REVOLTA
Da esquerda para a direita, Hélio e Márcia Noleto, José Luca Magalhães Lins, Garna Kfuri,
Iolanda e Maximiliano. Eles postaram um vídeo na internet pedindo mais rigor à Anac
No último dia 17, foram lembrados os seis meses do trágico acidente de helicóptero que ia do aeroporto de Porto Seguro para o resort Jacumã, em Trancoso, na Bahia.
As vítimas fatais foram Mariana Noleto, namorada do filho do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, as irmãs Jordana e Fernanda Kfuri com os respectivos filhos, Luca Magalhães Lins, de 3 anos, e Gabriel Gouveia, de 2, a babá de Luca, Norma Assunção, e o piloto, o empresário Marcelo Mattoso de Almeida, que estava com a habilitação vencida havia seis anos.
Os parentes das vítimas entraram na semana passada com ações indenizatórias na Justiça do Rio de danos morais e materiais contra o espólio de Almeida, as empresas First Class Group, dona da aeronave, e a Blue Reef Participações Imobiliárias, que têm entre os sócios a viúva e os filhos do empresário. E contra o resort, por ter permitido o pouso com um piloto em situação irregular.
'Época' reuniu pela primeira vez familiares das vítimas, como o empresário José Luca Magalhães Lins, pai de Luca, Garna Kfuri, irmã de Jordana e Fernanda, Márcia e Hélio Noleto, pais de Mariana, e Maximiliano e Iolanda, filhos da babá Norma. O músico Bruno Gouveia, vocalista da banda Biquíni Cavadão e pai de Gabriel, não participou da entrevista, mas deu seu depoimento.
O grupo postou um vídeo em redes sociais pedindo maior rigor à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Almeida fornecera para a torre de controle de Porto Seguro a matrícula de outro piloto, Felipe Calvino Gomes, que estava com a habilitação em dia e se disse surpreso com o uso de seu nome.
Apurações de equipes das empresas Eurocopter, fabricante do helicóptero, Helibras, sua subsidiária brasileira, Turbomeca, fabricante da turbina, e da oficina Ultra Rev, que fazia a manutenção da aeronave no Rio, concluíram que o helicóptero estava em estado técnico perfeito, com as revisões em dia. “O problema era a prática do Almeida de dar a matrícula de outra pessoa para voar sem condição, fora da legalidade. A falha foi 100% humana”, afirma Magalhães Lins.
“Como qualquer pessoa pode decolar e pousar em aeroportos como o de Vitória, onde o Almeida fez uma parada para abastecer, e o de Porto Seguro, que recebem tantos voos comerciais, dando a matrícula de outro piloto? Não existe fiscalização, é uma baderna”, afirma Hélio Noleto, pai de Mariana e funcionário do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Sua mulher, Márcia, encontrou-se em agosto com Marcelo Guaranys, presidente da Anac, para cobrar providências. “Minha causa é que nenhuma outra pessoa morra por negligência das autoridades. Que pelo menos um oficial do aeroporto peça o documento de identificação com foto dos pilotos para liberar a decolagem. Ele me prometeu tomar uma atitude, mas não retornou mais minhas ligações. Enlouqueci nestes últimos meses, e as autoridades não me dão notícias. Nem uma posição. Tenho o direito de saber o que aconteceu”, diz. O casal, assim como o outro filho, João Pedro, de 14 anos, tatuou no braço o nome da filha. Márcia pretende criar uma ONG para mães que perderam seus filhos de maneira trágica.
Procurada por 'Época', a assessoria da Anac pediu alguns dias para responder. No dia 6 de dezembro, publicou em seu site um comunicado com medidas de “vigilância continuada dos planos de voo no Brasil”. Pela primeira vez, confirmou irregularidades tanto dos pilotos Marcelo Almeida e Felipe Calvino, quanto da First Class. “O piloto Marcelo Mattoso de Almeida, que operava o helicóptero e faleceu no acidente, estava com a habilitação vencida desde 2005 e também não possuía Certificado de Capacidade Física válido. O piloto Felipe Calvino Gomes também foi penalizado com dois autos de infração a partir da constatação de duas omissões em registros de voos (...) no dia do acidente”, diz a Anac.
O episódio teve repercussão política pela presença do governador do Rio. O grupo viajava a Trancoso para a festa de aniversário do empresário Fernando Cavendish, marido de Jordana Kfuri, que tem contratos com o Estado do Rio por meio de sua construtora, a Delta, e não se juntou aos demais parentes no processo nem na campanha. “Sérgio poderia ter entrado no helicóptero, como seu filho. Mas decidiram embarcar primeiro as mulheres e as crianças”, diz Magalhães Lins. “Ele foi solidário e estava desesperado. Mariana e Marco Antonio, filho dele, namoravam havia oito anos. Ela era como se fosse da família”, diz Márcia.
“Como esse piloto que deu sua matrícula para o Marcelo Almeida não sofreu nenhum tipo de represália ou não teve sua habilitação suspensa pela Anac até que tudo seja apurado?”, diz Magalhães Lins. Procurados por ÉPOCA, Calvino e o advogado do espólio de Marcelo Almeida não foram encontrados. Com a indenização, Magalhães Lins, dono do time de futebol Boavista, pretende criar uma ONG para ensinar esportes a crianças carentes. “Tive um tumor no cérebro há um ano e meio e foi pelo meu filho que lutei para viver. Agora não posso celebrar a vida com ele”, diz. (...)
Fonte: Bruno Astuto com Acyr Méra Júnior (Época) - Foto: Miguel Sá