Ocorrências com mortes aumentaram 39% no ano passado. Mas os números de hoje são parecidos com os de 10 anos atrás.
Gramado (RS), Aquidauana (MS), Cruzília (MG), Quadra (SP)… Da véspera de natal até agora, vários acidentes com aeronaves particulares viraram notícia.
Isso deixa uma pergunta no ar: os acidentes aéreos estão ficando mais comuns? Estão. A número de acidentes a cada 10 mil horas de voo aumentou 7% entre 2023 e 2024, conforme os cálculos do ex-piloto da Força Aérea, especialista em segurança de voo e presidente do Instituto Brasileiro de Perícia Judicial Aeronáutica (IBPJA), Marcus Pacobahyba.
Ao mesmo tempo, a frota de aeronaves da aviação geral, que inclui todos os aparelhos executivos, agrícolas e particulares, sem contar os aviões comerciais, cresceu 7% no mesmo período, num acréscimo de 688 aeronaves. Foi a maior alta anual na década.
Com o índice de acidentes 7% maior e mais aeronaves no céu, é natural que o número total de acidentes tenha aumentado. Entre 2023 e 2024, o crescimento foi de 13% – de 155 para 175.
Não é só isso. Houve um avanço no número de acidentes envolvendo mortes. No ano passado, o índice de ocorrências com fatalidades a cada 10 mil horas voadas subiu 39% comparado a 2023.
“A sensação de que estamos vendo mais acidentes provavelmente acontece em função do grande aumento de ocorrências com impacto fatal”, diz Pacobahyba.
O ano de 2024 registrou a maior quantidade de acidentes com mortes desde 2016. Foram 44, contra 30 em 2023. O número também é 18% superior à média dos últimos 10 anos, que foi de 37, de acordo com o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer). Em 2023, foram 30 ocorrências com morte.
A maior parte dos acidentes com aviões particulares que ganharam o noticiário, porém, aconteceram já em 2025. No total, foram 26 acidentes, sete deles com mortes, nos primeiros 45 dias do ano. Quanto isso dá na comparação com o mesmo período do ano passado?
Na base do Sipaer só é possível comparar meses completos. Então precisamos nos ater a janeiro de 2024 X janeiro de 2025. Lá atrás, foram 17 acidentes. Agora, 22 – 30% a mais. Nas ocorrências com mortes, porém, a estatística empata. Foram 6 em ambos os meses.
Ainda assim, esse número é 70% maior que a média para janeiro nos últimos 10 anos até 2024, que foi de 3,5 acidentes com morte.
“Se a frota aumenta e tem mais gente voando há mais exposição ao risco”, reconhece o CEO da Associação Brasileira da Aviação Geral (Abag), Flávio Pires. Mas quando observamos o total de acidentes nos últimos 10 anos, o que surge não é bem uma curva ascende, e sim uma flutuação.
“Se olharmos o filme, não vamos ver um ponto fora da curva”, diz Pires. De fato. Os números de hoje são parecidos com os de 2015 ou 2016. E o ano com menos acidentes nesse recorte é recente, 2022. Veja aqui:
Nos acidentes com mortes, a leitura é a mesma. Os 44 de 2024 são bem mais que os 30 de 2023 ou os 36 de 2022. Mas equivalem aos 47 de 2015 e aos 44 de 2016.
Ainda que as estatísticas mostrem um cenário menos alarmante o noticiário dá a entender, a quantidade de acidentes em série das últimas semanas impressiona. Pires, da Abag, reforça que houve uma concentração de eventos “midiáticos” – como o da aeronave que tentou um pouso na movimentada avenida Marquês de São Vicente, em São Paulo, num acidente que tirou a vida do piloto e do dono da aeronave. A maior cobertura de sites e TVs, bem como a onipresença das imagens nas redes sociais, pode ter contribuido para a sensação de um salto na quantidade de incidentes.
De qualquer modo, 79,2% dos acidentes aéreos são de aeronaves de motor a pistão, muito utilizadas em áreas agrícolas e para acessar locais remotos. São ocorrências que muitas vezes não chegam ao público, diz a Abag.
Mais ocorrências no verão
Alguns fatores podem ajudar a jogar um pouco de luz sobre os motivos da recente sequência de eventos. Um ponto em comum a três das situações está nas condições climáticas desfavoráveis. “No verão brasileiro, os fatores de meteorologia são mais frequentes”, diz. O especialista aponta que nos acidentes de Ubatuba (SP), Gramado (RS) e Cruzília (MG) o tempo ruim era uma condição presente e que pode ter sido ignorada.
Faz todo o sentido. No verão passado, contando dezembro de 2023 mais janeiro e fevereiro de 2024, a média foi de 20 acidentes por mês com pequenas aeronaves. No restante do ano, essa média caiu para 13.
Outra percepção é que, na maior parte dos acidentes, os primeiros indícios sugerem que uma falha humana pode ter contribuído para o resultado. “Uma aeronave cai devido a uma combinação de vários problemas”, ressalva o CEO da associação de aviação geral. Mas o erro humano “tem sido um fator contribuinte em 85% dos casos.”
Pacobahyba, do IBPJA, ressalta ainda que, no caso de aeronaves particulares, os pilotos podem sofrer alguma pressão para ignorar protocolos de segurança, como as condições climáticas. “O proprietário influencia na tomada de decisão do piloto. A pressão seja ela explícita ou velada pode levar o piloto a não observar 100% as regras de segurança.”
Evitar erros de julgamento ou não ceder às pressões de passageiros passa por aprimorar o nível de formação dos pilotos da aviação civil. “Esse é um problema que pode ser atacado no médio prazo”, afirma Pires. “Os pilotos nos EUA, por exemplo, passam por um currículo programático mais robusto do que no Brasil. Temos ainda um caminho a percorrer, na qualidade da formação, nos equipamentos das escolas e no aprimoramento de conhecimentos específicos, como de meteorologia e de voos por instrumentos.”
O presidente do IBPJA enxerga ainda sinais de que houve alguma deficiência de manutenção em vários dos casos. “Todos os episódios recentes estão em investigação, mas o fator manutenção está presente na maior parte deles.”
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