domingo, 18 de outubro de 2009

TCU condena "farra aérea", mas deixa Congresso decidir

Relator, indicado pelo Senado, recusou medidas mais duras sugeridas por técnicos

Pareceres da área técnica afirmam que o mau uso da cota de passagens aéreas por congressistas é "afronta aos princípios da legalidade"


RANIER BRAGON
ADRIANO CEOLIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Sem citar valores ou casos específicos, o TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou na quarta-feira dois acórdãos cobrando do Senado e da Câmara a devolução aos cofres públicos do dinheiro da chamada "farra aérea", mas transferiu ao próprio Congresso a tarefa de investigar os desvios e, se for o caso, adotar as providências.

As duas decisões do tribunal foram relatadas pelo ministro Raimundo Carreiro, indicado ao posto pelo Senado, onde ocupou por 12 anos o cargo de secretário-geral da Mesa. Ele recusou várias recomendações da área técnica do TCU, que sugeria medidas mais duras contra senadores e deputados.

Os relatórios técnicos que embasaram os acórdãos listam exemplos de lideranças partidárias das duas Casas que usaram suas cotas aéreas para emitir bilhetes para viagens com familiares para destinos turísticos na Europa, na América do Norte e na Argentina.

"É flagrante que a utilização de passagens aéreas para viagens de férias com a família e turismo internacional, como nos casos reportados pela imprensa, caracteriza afronta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade", afirmam os relatórios.

Os textos citam casos como o do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), que usou sua cota para viagem de turismo a Porto Seguro (BA), o do ministro das Comunicações e senador licenciado, Hélio Costa, que viajou com a família para férias em Miami usando a cota de seu suplente, Wellington Salgado (PMDB-MG), e o do deputado Fábio Faria (PMN-RN), que usou o dinheiro da Câmara para presentear a então namorada, a apresentadora Adriane Galisteu, com uma passagem para Natal.

O escândalo, que ficou conhecido como a "farra das passagens aéreas", foi divulgado no primeiro semestre, inicialmente pelo site Congresso em Foco, e envolveu políticos de vários partidos, mas não resultou em nenhuma punição até agora.

Na ocasião, o argumento dos congressistas foi o de que não havia, entre as normas que regulavam o uso da cota, uma vedação explícita à prática.

O único efeito até agora foi que a Câmara e o Senado editaram norma proibindo a doação dos bilhetes aéreos para parentes e terceiros, além de, no caso dos deputados federais, ter havido corte de 20% na verba e o início da divulgação dos dados sobre o uso na internet.

O TCU, baseado no princípio de que o agente público só pode fazer o que está expresso em lei, entendeu que a ausência da vedação não permitia uso da cota para objetivos particulares.

"Assiste razão à unidade técnica ao asseverar que as lacunas das normas então vigentes não autorizavam a prática de atos com desvio de finalidade, em desrespeito aos princípios basilares da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. São princípios de raiz constitucional", escreveu Carreiro.

Sugestões

Entre as recomendações da área técnica que o ministro não aceitou estão uma auditoria de todas as emissões de bilhetes da cota dos senadores desde 1989 e a possibilidade de que as milhagens aéreas promocionais obtidas com o uso da verba fiquem com o Congresso e não com os congressistas.

Nos acórdãos aprovados não há menção a valores, só a determinação da continuidade de apuração de todos os casos citados pela imprensa e, se for o caso, o posterior ressarcimento.

O TCU também isentou senadores como Tasso Jereissati (PSDB-CE) de ter fretado jatinhos com a cota, acatando sem questionamento resposta do Senado segundo a qual a verba usada para isso foi a "indenizatória", que teria previsão para esse tipo de gasto.

Carreiro também fez elogios às medidas tomadas pelo Congresso: "O teor principal desse ato denota um caráter moralizador, inclusive quanto à busca de transparência".
Câmara e Senado destinam mensalmente a cada congressista, como cota aérea, valores que podem passar R$ 30 mil.

outro lado

Relator diz que pediu apuração a congressistas


O ministro Raimundo Carreiro afirmou que o fato de ter sido funcionário de confiança do Senado não o impede de julgar casos envolvendo o Congresso. "A decisão não foi contra nenhum parlamentar. A instituição já tomou providência", disse.

Carreiro afirmou que os congressistas não terão de devolver o dinheiro imediatamente. "Não é fato consumado. A Câmara e o Senado estão apurando e eu pedi que prossigam a investigação. Eventualmente, se tiver irregularidade, vão ter de tomar as providências", completou.

Câmara e Senado informaram que não foram informadas oficialmente sobre a decisão do TCU, mas anteciparam que vão obedecer a determinação do órgão de "prosseguir com as investigações".

A assessoria de imprensa da Câmara argumentou que já segue grande parte das recomendações do TCU, já que realizou auditorias, cortou 20% da verba, começou a colocar na internet os dados sobre o seu uso e restringiu a emissão de bilhetes somente para o próprio deputado ou assessor.

Sobre o uso anterior da cota para fins turísticos, prática adotada por vários deputados, a Câmara afirma que não ocorreu punição porque na época não havia restrição, na Casa, ao uso da cota.

A Diretoria-Geral do Senado informou também que já tomou uma série de medidas que impedem o uso da cota área dos senadores por parentes.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o diretor-geral Haroldo Tajra informou que o prosseguimento das investigações ficará sob o comando do Controle Interno, que vai definir a necessidade do ressarcimento aos cofres públicos.

Até o fechamento desta edição, o ministro Hélio Costa (Comunicações) não havia respondido.

Câmara livra acusados de vender bilhetes

Após mais de dois meses de investigações, a comissão de sindicância formada pela Corregedoria da Câmara decidiu livrar todos os deputados acusados de uso indevido de passagens aéreas.

Apenas o caso de Paulo Roberto (PTB-RS) deve ser enviado ao Conselho de Ética, mas por uma outra suspeita: a de ficar com parte dos salários de seus servidores.

Investigado inicialmente pelo esquema das passagens, o caso dele teve uma reviravolta com depoimentos de funcionários. As acusações são de que ele teria contratado, por um salário alto, um ex-ambulante sem condições de exercer uma função. O intuito seria ficar com parte de seus vencimentos. Teria ocorrido o mesmo com dois filhos de seu ex-chefe de gabinete Luiz Nogueira.

Paulo Roberto não foi localizado. Anteriormente, ele havia atribuído as acusações a vingança de seu ex-funcionário, exonerado em 2008.

Já o processo contra o deputado Eugênio Rabelo (PP-CE) será arquivado. O relator Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS) entendeu que o colega provou não ter responsabilidade pelo mau uso das passagens e que o esquema era feito pelos servidores.

Outros quatro congressistas foram investigados. Dois processos já foram arquivados e os outros dois devem seguir o mesmo rumo.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo

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