Desde o acidente da TAM no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, além de uma investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), dois inquéritos foram concluídos. Mas, para desespero dos parentes dos 199 mortos, ninguém foi condenado. A grande esperança para aqueles que perderam seus familiares em 17 de julho de 2007 é a denúncia que o procurador Rodrigo de Grandis, do Ministério Público Federal de São Paulo, pode fazer sobre o caso.
De Grandis tem nas mãos, atualmente, 113 volumes que reúnem os inquéritos da Polícia Civil e da Polícia Federal, laudos técnicos e a investigação conduzida pelo Cenipa. Um dos inquéritos foi realizado pelo delegado Antônio Carlos Barbosa, titular do 15º DP da capital paulista, que, após ouvir 336 pessoas, entre aeronautas, pilotos, sobreviventes e parentes das vítimas, indiciou dez pelo acidente.
Cinco dos indiciados são da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil): o ex-presidente Milton Zuanazzi; a ex-diretora Denise Maria Ayres Abreu; o superintendente de Infraestrutura Aeroportuária, Luiz Myada; e o superintendente de Segurança Operacional, Marcos Santos. Três são da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária): o ex-presidente José Carlos Pereira; o funcionário Esdras Ramos, que fez a avaliação para a pista ser liberada; e o funcionário Agnaldo Esteves, que liberou a pista para o pouso. Os últimos dois indiciados são da TAM: o diretor de diretor de Segurança de Voo, Marco Aurélio Castro; e o ex-gerente de Engenharia de Operações Abdel Rishk.
Antes de chegar a De Grandis, os inquéritos passaram pelo promotor do Ministério Público Estadual Mário Luiz Sarrubo, que retirou o nome dos funcionários da Infraero Esdras Ramos e Agnaldo Esteves e acrescentou outras quatro pessoas. São elas: o chefe dos pilotos da TAM, Orlando Bombini Júnior; o chefe de equipamento do Airbus A320 da TAM, Alex Frischmann; o vice-presidente de operações da companhia aérea, Alberto Fajerman; e o responsável pela Superintendência de Segurança Operacional da Anac, José Luiz Brito Veloso. Sarrubo cita também os técnicos do consórcio Airbus, que, apesar de não serem identificados, para ele, agiram de forma imprudente.
O procurador de Grandis têm autonomia para manter ou alterar os nomes. O iG tentou contatá-lo, mas ele se recusou a dar entrevista. O Ministério Público Federal, porém, informou que a expectativa é que até o final do ano haja um posicionamento sobre o caso. Há três hipóteses previstas na lei: arquivamento, denúncia ou que o procurador peça novas diligências se considerar que a investigação não está completa. Caso mantenha a acusação de atentado contra a segurança do transporte aéreo, a pena prevista varia de 1 ano e 4 meses de prisão a 5 anos e 4 meses.
No entendimento dos familiares não há outra hipótese que não a denúncia. “Foi uma tragédia que poderia ter sido evitada. Se nada acontecer, vamos chegar a conclusão de que a vida não vale nada”, afirmou ao iG o professor universitário Dário Scott, que perdeu a filha Thaís, de 14 anos, no acidente. “Queremos que as causas sejam realmente apuradas e os responsáveis, exemplarmente punidos. Não foi mero acidente, o que matou essas pessoas foi negligência e politicagem”, afirmou Corrêa Gomes, cujo irmão Mário Corrêa Gomes também estava no Airbus A320.
O voo 3054, que havia partido às 17h18 do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tocou a pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, às 18h48 de 17 de julho de 2007. Os pilotos, porém, não conseguiram parar a aeronave, que atravessou a Avenida Washington Luís e colidiu com um hangar da própria TAM. Além dos 187 ocupantes do Airbus, também morreram 12 pessoas que estavam no edifício da companhia aérea.
Investigação
Esperança dos familiares das vítimas está concentrada no produrador do MPF Rodrigo de Grandis
O Cenipa levantou duas hipóteses principais para o acidente em relatório publicado em outubro de 2007: ou houve falha no sistema de controle dos motores do jato, que teria transmitido informação diferente da indicada pelo manete (dispositivo que acelera as turbinas) impedindo o avião de parar, ou houve erro dos pilotos Kleiber Lima e Henrique Stefanini di Sacco, que teriam mantido o manete em posição diferente da recomendada no manual. Com isso, em vez de estar na posição de frenagem, o avião estava na de aceleração.
Além disso, o Cenipa indicou outros oito fatores como determinantes para a tragédia, que vão desde falhas no Aeroporto de Congonhas, que não possuía área de escape (espaço de recuo necessário para o piloto no caso de um problema no pouso ou decolagem); treinamento deficiente dado pela TAM aos pilotos; e problemas na configuração dos manetes e com os avisos do Airbus A320, por não alertarem adequadamente os pilotos sobre a posição dos instrumentos.
Com base nisso, o Cenipa informou que foram emitidas 83 recomendações de segurança operacional ao fabricante do Airbus, à Anac, à TAM e à Infraero. Nada, porém, garante que essas recomendações estejam sendo cumpridas. “O Cenipa faz recomendação, não determinação. Não temos autoridade para impor seu cumprimento”, explicou ao iG o brigadeiro Pompeu Toledo Brasi, do Cenipa.
Um mês antes do relatório do Cenipa, foi divulgado o resultado do inquérito da Polícia Federal. O documento afirma que a polícia não “vislumbrou responsabilidade outra que não da tripulação, porque o acidente não teria ocorrido se os manetes não tivessem sido operados de forma incorreta”.
Os parentes das vítimas protestaram contra a investigação. Na época, Rafael di Sacco, pai do comandante Henrique Stefanini di Sacco, classificou o inquérito de “canalhice”. “Não tem outro nome, é queima de arquivo. Os ‘culpados’ morreram e não podem falar nada”, disse. O inquérito ainda causa indignação três anos depois de suas conclusões. “Só faltam acusar os passageiros”, disse Corrêa Gomes.
Até hoje, nem todas as famílias receberam indenização da TAM. Corrêa Gomes explica que, nessa questão, a Afavitam procura não se envolver, mas ressalta a dificuldade de chegar a um valor justo. “Para carro há uma tabela, mas e para a vida da gente?”, questionou. “De um lado há uma pessoa fragilizada e constrangida, e de outro um advogado da empresa que faz de tudo para pagar pouco. É complicado, já passei por isso”, disse ele, que prefere não revelar o valor recebido por sua família, mas garantiu: “Ninguém fica rico por isso.”
Consequências do desastre
Após o acidente da TAM, muito se falou – e especulou – sobre os riscos de pousar em Congonhas, principalmente em dias de chuva. Menos de um mês antes da tragédia, em 29 de junho, a pista principal do aeroporto havia sido liberada após passar por uma reforma que custou cerca de R$ 19 milhões. As operações, contudo, foram retomadas sem que o grooving – ranhuras no asfalto que ajudam na drenagem da água e, assim, evitam derrapagens – estivesse concluído.
No dia anterior à tragédia com o Airbus, uma aeronave da Pantanal derrapou na pista por causa da água e foi parar no gramado, fechando Congonhas por cerca de 20 minutos. Logo após o acidente com o voo 3054, a Infraero divulgou nota dizendo que, dos 68 aeroportos brasileiros administrados por ela, apenas 5 dispunham de grooving e ele não é indispensável.
Ainda assim, o Cenipa recomendou que a pista principal de Congonhas só fosse usada sem chuva, enquanto as obras não fossem totalmente concluídas. Mais tarde, as investigações do órgão tiraram do grooving o rótulo de vilão do acidente. O centro afirmou que, apesar de estar previsto na obra, não era um dispositivo de segurança obrigatório.
O grooving nas pistas foi concluído em setembro de 2007. Além disso, por ordem do Ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, as pistas ganharam áreas de escape, antes inexistentes. Para isso, tiveram de ser reduzidas em 300 metros. A principal passou de 1.940 metros para 1.640 e, a auxiliar, de 1.435 para 1.195.
Após o acidente, a Anac restringiu as operações no aeroporto que antes chegava a ter 40 por hora (quantidade de pousos e decolagens), limitando a 30 movimentos por hora para a viação comercial e a 4 para a geral, que inclui os voos particulares.
“A operação em Congonhas está cercada de ações mitigadoras para que seja um risco aceitável. Até porque a única forma de eliminar totalmente o risco, que é inerente à atividade, é não voar”, afirmou o brigadeiro Toledo Brasil. “Se não se limitasse a operação em Congonhas, o aeroporto seria fechado. Lá não opera Boeing 747, porque o risco é inaceitável”, disse.
A limitação para a operação de Congonhas se justifica pela própria localização do aeroporto. A apenas 8 quilômetros do centro de São Paulo, na Avenida Washington Luís, no Campo Belo, ele está cercado por casas e prédios. “Congonhas está em uma área de risco, que se intensifica em função de um acidente ali atingir não só quem está a bordo, mas também os que estão em terra”, afirma o chefe do Cenipa. Segundo ele, “se houve alguma falha no processo, foi não prever uma área maior ao redor do aeroporto para não ser ocupada”. “Congonhas se tornou uma ilha dentro da cidade.”
Além das medidas “mitigadoras” adotadas em Congonhas, o brigadeiro afirma que não houve mudanças significativas na aviação brasileira por causa do acidente da TAM ou do voo 1907 da Gol, em setembro de 2006, que deixou 154 mortos. “A atividade aeronáutica no Brasil já era extremamente rígida nos padrões de qualidade”, afirmou. “Cada acidente traz algum ensinamento, mas nenhum é novo. Quando se investiga um acidente, os fatores que contribuem para ele já aconteceram no passado.
Fonte: Lecticia Maggi (iG) (com colaboração de Fred Raposo) - Fotos: AE
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