sexta-feira, 16 de julho de 2010

Terroristas são fascinados por aviões, diz especialista

O 11 de Setembro e outros atentados impulsionaram mudanças na segurança de aeroportos e aeronaves

Desde o 11 de Setembro, quando o maior ataque terrorista da história deixou quase 3 mil mortos em Nova York e Washington, autoridades em todo o mundo – e em especial nos EUA – pautam o reforço da segurança de aeroportos e aviões às contínuas tentativas de usar as aeronaves como arma do terrorismo.

Mas esse contínuo esforço para evitar novos ataques ironicamente vem transformando os aviões em um objeto cada vez mais cobiçado pelos terroristas. “Se alguém explode uma bomba em um shopping, não obtém o mesmo efeito porque não há tanto esforço e dinheiro por trás da segurança dos shoppings”, explicou, em entrevista ao iG, Arnold Barnett, professor de Ciência e Administração do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Segundo Barnett, considerado o principal especialista americano em segurança da aviação, os terroristas são “fascinados” por aviões. “Um ataque em um avião passa uma mensagem mais forte. As pessoas ficam consternadas e com a sensação de que não estão seguras em nenhum lugar, de que não há nada que o governo possa fazer para protegê-las.”

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De acordo com o jornal “The New York Times”, o governo americano gastou US$ 40 bilhões para reformular a segurança aérea desde os ataques de 11 de Setembro de 2001. O maior atentado terrorista da história também motivou a criação da Administração de Segurança de Transportes, agência que assumiu a responsabilidade por decisões que antes eram tomadas pelas próprias companhias, e unificou os processos de segurança em todo o país.

Antes do 11 de Setembro, a maioria dos aeroportos contava com sistemas simples: passageiros passavam por detectores de metais ou eram revistados, enquanto bagagens eram inspecionadas por aparelhos de raio x ou cães farejadores.

Tais procedimentos não impediram que terroristas embarcassem com facas e canivetes nos quatro aviões que foram sequestrados no 11 de Setembro. Depois dos ataques, a segurança do cockpit, como é conhecida a cabine dos pilotos, foi reforçada. As portas que separam a área do resto da aeronave são mais fortes e, em alguns casos, até duplicadas: uma só se abre após a anterior se fechar.

Segundo o professor Barnett, a inspeção de bagagem também recebeu atenção redobrada. “Hoje é preciso chegar mais cedo ao aeroporto para despachar as malas, pois os testes são demorados”, explicou. Segundo ele, como em cada país os procedimentos de segurança são similares, mas não idênticos, é comum que os EUA façam uma segunda verificação nas malas se o voo tiver origem em um país cujas regras são consideradas menos rígidas.

É o caso do Canadá, onde uma falha na inspeção do aeroporto de Toronto permitiu que supostos militantes do sikhismo (religião criada na Índia que combina hinduísmo e islã) despachassem uma mala com explosivos que causaram o pior atentado da história canadense, em 23 de junho de 1985. A bomba destruiu um avião da Air India sobre o Oceano Atlântico, próximo a Irlanda, que seguia em direção a Mumbai, matando todas as 328 pessoas a bordo – a maioria canadense.

Um relatório publicado em junho deste ano determinou que uma das principais falhas de segurança na época foi a não utilização da medida conhecida como “reconciliação de passageiro e bagagem”, segundo a qual o avião só decola depois de ser confirmado o embarque dos passageiros relacionados a cada uma das malas despachadas.

A medida também não foi utilizada no atentado de Lockerbie, na Escócia. Em 21 de dezembro de 1988, homens ligados ao governo da Líbia despacharam malas com explosivos no Aeroporto de Heathrow, em Londres, mas não embarcaram no voo da Pan American World Airways, cujo destino era Nova York. O avião explodiu sobre a cidade escocesa, matando todos os 259 a bordo e mais 11 em terra. Atualmente na maioria dos países, a decolagem só é feita após a reconciliação de passageiros e bagagens.

Sapato, líquidos, listas

Atentados terroristas frustrados também estimularam mudanças na segurança dos aeroportos. Em 22 de dezembro de 2001, o britânico Richard Reid tentou acionar explosivos que escondia no sapato durante um voo da American Airlines que seguia de Paris para Miami. Após o incidente, o governo americano impôs como norma que os passageiros tirem os sapatos ao passar por postos de controle antes do embarque.

Em 9 de agosto de 2006, o serviço secreto britânico prendeu um grupo de terroristas britânicos que planejava misturar líquidos explosivos durante sete voos da Inglaterra para os EUA e Canadá, explodindo os aviões sobre o Atlântico. Como resultado, passageiros de todo o mundo – incluindo do Brasil – só podem carregar líquidos em pequenas quantidades na bagagem de mão.

Em maio de 2010, o paquistanês naturalizado americano Faisal Shahzad, acusado de ter abandonado um carro com explosivos na Times Square, em Nova York, conseguiu embarcar em um voo para Dubai mesmo após ter seu nome incluído em uma lista de passageiros com restrições para voar.

A falha ocorreu porque, até então, as companhias aéreas tinham 24 horas para verificar a lista de passageiros proibidos após receberam a notificação de que um novo nome fora adicionado. Agora, o prazo é de duas horas.

Scanners corporais

Falha semelhante ocorreu no Natal de 2009, quando o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab foi preso ao tentar explodir um avião que fazia a rota Amsterdã-Detroit. Em novembro, o nome do nigeriano foi incluído na mais ampla lista de monitoramento, mas não em uma relação menor de passageiros que precisam passar por revista detalhada antes de entrar nos EUA – ou podem até mesmo ser proibidos de embarcar em voos para o país. O episódio motivou uma revisão nas normas de inteligência dos EUA, entre elas um reforço nos critérios para inclusão de pessoas nas listas de observação.

O fato de os aparelhos de inspeção não terem detectado os explosivos que o nigeriano escondeu na cueca estimulou o uso de scanners corporais nos EUA e em alguns países da Europa. Os aparelhos – que chegam a quatro aeroportos brasileiros este mês – provocam polêmica porque capturam imagens “sob as roupas” dos passageiros. Além de alguns viajantes se irritarem com a falta de privacidade, também há reclamações sobre a maior lentidão do processo de embarque. Como cada passageiro leva mais tempo para passar pelos postos de controle, as filas aumentam.

Funcionário do governo americano demonstra uso de scanner corporal em em Chicago, Illinois

Favorável ao uso de scanners corporais, o professor Barnett acredita que o incômodo é um preço razoável a se pagar para evitar uma catástrofe. “As consequências de um ataque terrorista com aviões são enormes. Se o 11 de Setembro não tivesse ocorrido, talvez não houvesse as guerras no Afeganistão e no Iraque”, argumentou.

Futuro

Para o professor, parte da resistência dos americanos em relação aos scanners corporais está relacionada à sensação de que o risco de um atentado terrorista já não é tão grande. Afinal, quase dez anos após o 11 de Setembro, nenhum grande ataque ocorreu.

O especialista acredita, porém, que as medidas de segurança já existentes tendem a ser aperfeiçoadas, mas não eliminadas. “É preciso ter em mente que a ameaça é para sempre”, afirmou. “Por isso, as autoridades tentarão tornar os procedimentos menos incômodos.”

Nos EUA, foi determinado que o funcionário que analisa a imagem obtida pelo scanner corporal não pode ser o mesmo que aborda o passageiro, numa tentativa de reduzir constrangimentos. Além disso, já estão em fase de testes máquinas capazes de detectar explosivos em sapatos sem que as pessoas precisem descalçá-los e de determinar se líquidos em bagagens de mão são perigosos.

Além disso, um projeto de lei que aguarda votação no Congresso obriga a Administração de Segurança dos Transportes a apoiar um programa privado que acelera o processo de embarque para pessoas “confiáveis” dispostas a pagar pelo serviço. A proposta segue outro caminho estudado pelas autoridades: distinguir quais passageiros são de alto risco e liberar os demais de algumas medidas.

Para o professor Barnnett, a ideia levanta nova questão: “Hoje o governo confia em mim e me deixa passar no aeroporto”, afirmou. “Mas se amanhã eu virar terrorista, como vão saber que ainda sou confiável?”

Fonte: Luísa Pécora (iG) - Fotos: AP /Getty Images

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