quarta-feira, 11 de novembro de 2009

20 anos da queda do Muro de Berlim - Como funcionava o setor aéreo numa cidade dividida? - Parte 3

Ponte aérea de Berlim

Quando a partilha da Alemanha foi acordada entre os aliados ocidentais e a União Soviética, foi determinado que o território do III Reich seria dividido em várias áreas. Parte da Alemanha passaria a ser território da União Soviética e da Polónia, sendo também estabelecidas três áreas de ocupação divididas entre a União Soviética, os Estados Unidos e a Grã Bretanha. Mais tarde, foi atribuída uma região de ocupação à França.

A capital do III Reich, encontrava-se porém bem no centro da região a atribuir à União Soviética. A desconfiança dos lideres comunistas, para com os países ocidentais era enorme e ainda a guerra não tinha acabado e já circulavam nas fileiras do exército vermelho boatos sobre as intenções americanas de invadir a área soviética.

Estes boatos não tinham substância, mas o enorme e rápido avanço dos grandes exércitos americanos a ocidente, apoiados por um esmagador domínio aéreo e por um índice de motorização muito elevado, levou os soviéticos a desconfiar ainda mais dos ocidentais. Quando os norte-americanos chegaram ao rio Elba em Abril de 1945, eles já estavam entrando claramente no que seria a área de ocupação soviética e isto aumentou ainda mais a desconfiança destes.

Quando a ocupação da Alemanha teve inicio, Berlim, também foi ocupada pelas potências vencedoras na mesma proporção. No entanto, Berlim encontrava-se no meio da área ocupada pela União Soviética, pelo que era na prática uma ilha.

Logo a seguir a Maio de 1945, a população da Alemanha - que tinha ficado na área ocupada pelos soviéticos - começou a fugir para ocidente, e Berlim era a zona onde essa fuga era mais fácil.

O confronto entre os dois blocos estava na altura ao máximo, com o conflito entre soviéticos e norte-americanos atingindo a "guerra quente" na China e na Grécia e com os movimentos pró ocidentais despontando nos territórios ocupados pela União Soviética. Na Alemanha do Leste, os soviéticos começaram um processo de transporte de tudo o que tivesse algum valor, a título de reparações de guerra, o que afetou sobremaneira a depauperada e arruinada economia alemã.

Por tudo isto, e como nas áreas ocupadas pelos ocidentais a situação era um pouco melhor, Berlim era vista como um farol no meio da Europa ocupada pela União Soviética e isso representava para os soviéticos um problema grave. Além disso, quando se realizaram as primeiras eleições, e o partido comunista pró soviético ganhou apenas 19% dos votos, tornou-se evidente que não seria possível controlar a cidade pela via legal e com o desenvolvimento dos planos de auxilio à Europa, nomeadamente o plano Marshall, que implicava o lançamento de uma nova moeda não controlada pela União Soviética o domínio norte-americano ficaria estabelecido. Em 18 de Junho, o plano de lançamento da nova moeda alemã teve inicio e a União Soviética passou à ação.

Estando Berlim no meio da zona de ocupação soviética foi decidido cortar todo o acesso por estrada ou via férrea à cidade. No entanto, um acordo estabelecido anteriormente com os aliados ocidentais manteve aberta a ligação aérea com a cidade.

A possibilidade de comunicação por via aérea não era considerada importante pois a cidade de 2.400.000 habitantes não poderia ser abastecida dessa forma.

O resultado, seria que em vez de um ponto para onde se dirigiam os refugiados europeus, Berlim passaria a ser uma cidade sitiada, que acabaria por ser vencida pela fome e pela doença. Berlim estava para Estaline, destinada a ser um símbolo da decadência do Ocidente. Em 24 de Junho de 1948 todas as ligações com Berlim Ocidental foram interrompidas pelos soviéticos e a cidade ficou tecnicamente cercada.

Logo à meia-noite começaram a ser fechadas as fronteiras.

Às 06:00 da manhã foi cortado o abastecimento de energia elétrica.

No principio da noite, o Marechal Sokolovsky declarou extinto o comando conjunto de Berlim. O Bloqueio tinha começado.

A divisão da Alemanha após a II guerra. A tracejado as áreas de ocupação. As restantes áreas foram incorporadas na Polónia e na Rússia

Para muitos estrategistas ocidentais, generais e políticos, a possibilidade de garantir a segurança de Berlim era mínima. A Alemanha estava arrasada e não tinha meios para se sustentar a si própria, muito menos suportar uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes, o que tinha se transformado numa tarefa impossível de realizar.

Os aviões eram ansiosamente esperados em Berlim

As forças militares dos países ocidentais tinham visto os seus efetivos ser dramaticamente reduzidos a partir de 1945, enquanto que ao contrário a União Soviética mantinha grande parte dos seus militares em armas e em condições de combater.

A ocidente, os Estados Unidos tinham 275 aeronaves operacionais, na maior parte bombardeiros médios e ligeiros e aviões de caça.

Ao contrário, a força aérea soviética dispunha de 4.000 aeronaves e destas 2.500 estavam na Alemanha.

Decisão do presidente Truman

É o presidente norte-americano que vai de forma enérgica decidir em favor de enfrentar os soviéticos e não deixar cair Berlim.

A sua primeira ordem consiste em enviar de emergência para a Alemanha sessenta bombardeiros de longo alcance B-29.

Esta movimentação foi claramente um aviso, pois os B-29 eram os bombardeiros que os Estados Unidos utilizavam para transportar bombas atômicas, as quais a União Soviética ainda não tinha desenvolvido.

No entanto, os B-29 enviados nem sequer tinham sido adaptados para utilizar a bomba e o numero de bombas era muito inferior ao que se pensava.

Inicialmente, e dado que Berlim Ocidental estava dividida em três setores, foi considerada a possibilidade de França, Grã Bretanha e Estados Unidos organizarem separadamente as operações de assistência à cidade. A França porém, estava envolvida em operações na Indochina, pelo que não podia de forma eficaz apoiar Berlim.

Os franceses, no entanto, apoiaram a ponte aérea, embora as suas aeronaves não efetuassem voos.

Abastecimento difícil

Alimentar uma população de mais de dois milhões de habitantes e garantir o fornecimento de combustível através de transporte aéreo é uma tarefa que de inicio parecia completamente impossível.

O cerco de Stalingrado, foi a referência dos soviéticos para a operação de bloqueio a Berlim. Em 1942/1943 em Stalingrado, a Luftwaffe não tinha sido capaz de alimentar e enviar reforços para uma força militar que precisava de receber de 500 a 750 toneladas de provisões por dia. O máximo que tinha sido possível transportar na altura atingira as 90 toneladas.

Em Berlim, embora não fosse necessário transportar armamento, calculava-se que as necessidades totais ultrapassassem as 14.000 toneladas por dia.

Do ponto de vista soviético isto tornava a operação de apoio por via aérea impossível.

A resposta

A operação de abastecimento de Berlim, foi levada a cabo principalmente pela força aérea norte-americana, pela britânica, e igualmente por operadores privados. Trata-se da maior operação de reabastecimento aéreo da História e até aos dias de hoje continua a deter esse recorde, em termos de carga transportada.

Quando começou o bloqueio, a força aérea dos Estados Unidos teria capacidade para transportar 700 toneladas por dia, mas a situação não estava completamente fora de controle. Exemplo disso foi o fato de alguns dias depois do inicio do bloqueio as autoridades soviéticas terem oferecido leite à população de Berlim, numa tentativa de ganhar apoios, tendo recebido uma resposta negativa. Os soviéticos não sabiam que tinham sido criados estoques de leite em pó e leite condensado que permitiam responder às necessidades imediatas da população juvenil.

As operações dependiam das pistas de aviação da capital alemã, as quais tinham sido construídas antes da guerra e não tinham condições adequadas para uma operação de transporte aéreo maciça.

A cidade de Berlim, também foi dividida entre os vencedores. A leste, as regiões mais agricolas como Marzan e, a ocidente, as áreas mais industriais como Spandau. Era a Ocidente que se encontravam as principais pistas de Berlim

O principal aeroporto de Berlim estava localizado em Tempelhof, com três pistas (1.620m 1.706m e 1.613m). Era o aeroporto internacional da cidade, e encontrava-se na zona americana.

As três pistas não eram pavimentadas, e a pavimentação teve que ser efetuada pelos americanos. Embora não tivesse pistas pavimentadas, Tempelhof tinha uma enorme área de parqueamento e um gigantesco terminal. Essas edificações anteriores à guerra demonstraram ser de grande utilidade durante o bloqueio.

Na zona britânica encontrava-se o aeródromo militar de Gatow, construído em 1936 pela Luftwaffe, o qual também foi utilizado para a ponte aérea, tendo também que ser pavimentado para permitir a sua utilização pelos aviões de transporte. Gatow foi o aeroporto com mais tráfego comercial, durante a operação.

O vital tráfego comercial é normalmente esquecido, mas as aeronaves que voavam para Berlim também eram utilizadas para transportar produtos fabricados dentro da cidade para o resto da Alemanha.

Além destas pistas, na zona francesa foi construído um terceiro aeroporto com uma pista em Tegel com 1.680 metros. Tegel era um aeródromo de treinamento e precisou ser construído praticamente de raiz já depois do inicio do bloqueio. Para a sua construção foram utilizados os destroços dos bombardeamentos de Berlim.

Chegada do primeiro avião da ponte aérea, um C-54, em Tegel

A ponte aérea e as bases nos Açores

A operação implicava um enorme esforço logístico não só para garantir que as mercadorias chegassem aos três aeroportos de Berlim, como também exigiam um esforço enorme nos vários aeroportos que apoiavam as operações. É nessa altura que a importância estratégica dos Açores se torna evidente no contexto da guerra fria. Praticamente todos os C-52 norte-americanos que se dirigiam a Berlim, vindos dos Estados Unidos, atravessavam o Atlântico fazendo escala nos Açores.

A importância dos Açores para a ponte aérea levou a que, quando foi discutida a entrada de Portugal para a OTAN e vários setores nos Estados Unidos afirmaram que Portugal não sendo uma democracia não deveria fazer parte da aliança, foram confrontados com uma sarcástica resposta por parte de um oficial norte-americano: "Não sei qual o nível de liberdade que eles têm em Portugal, mas eles têm os Açores e isso basta-me".

O acesso a Berlim foi feito através de três corredores que continuaram abertos. Tendo como referência o caso de Stalingrado, menos de seis anos antes, as autoridades soviéticas não consideravam possível abastecer a cidade por via aérea.

Os meios

Em 1948, a aeronave que existia em maior numero era o DC-3 "Dakota", conhecido como C-47 na Força Aérea norte-americana. Os britânicos também utilizavam essa aeronave, juntamente com outras de fabricação própria. Depois do C-47, que tinha capacidade para transportar 3.5 toneladas, outras aeronaves começaram a ser utilizadas. Do lado americano O C-47 foi rapidamente substituído pelo mais recente e maior C-54 "Skymaster", capaz de transportar mais de 8 toneladas e que praticamente entrou em serviço em Berlim. O numero de aeronaves foi aumentando progressivamente.

Foi estabelecida uma organização de comando compartimentada em que as aeronaves eram divididas conforme o tipo de produto a ser transportado.

Os norte-americanos foram responsáveis pelo transporte do produto mais vital, o carvão. Os americanos tentaram efetuar as operações recorrendo ao maior numero de aeronaves possível, mas de um único tipo, pelo que passaram do DC-3/C-47 para o C-54, que quando a operação chegou ao fim era o principal avião norte-americano em utilização.

Já os britânicos, que tinham sob sua responsabilidade 40% da ponte aérea, transportaram muito mais alimentos e tráfego mais convencional. Sem os mesmos recursos dos norte-americanos, os britânicos foram forçados a utilizar vários tipos de aeronaves, o que complicava as coisas do ponto de vista da logística.

No entanto, os britânicos utilizaram meios mais sofisticados que os norte-americanos para guiar as aeronaves através dos corredores de acesso a Berlim. Esta seria a razão que explicaria por que tenham sofrido menos acidentes aéreos.

A 30 de Junho, já tinham sido colocados cerca de 100 transportes C-47 a serviço da ponte aérea.

Em Julho, a Lockeed começou a entregar o cargueiro C-54 "Skymaster", que foi de imediato colocado ao serviço. Em Outubro, o DC-3/C-47 foi retirado de serviço em Berlim e em Janeiro de 1949, 224 aeronaves C-54 estavam a serviço da ponte aérea do lado norte-americano. Os britânicos utilizaram um total de 101 aeronaves.

Nos dias finais do bloqueio, os norte-americanos introduziram mesmo o novo C-97 "Stratofreighter" a título experimental. Tratava-se de uma aeronave com capacidade para transportar 20 toneladas. Embora a cidade de Berlim nunca tivesse sido abastecida de tudo o que necessitava, era evidente que as necessidades básicas da população estavam sendo garantidas. O bloqueio tinha fracassado.

Consequências e o fim do bloqueio

Com o bloqueio de Berlim, ficou evidente que as potências ocidentais teriam que se unir para garantir uma capacidade efetiva de resistência perante o poder da União Soviética, que continuava a manter fortíssimos efetivos na Europa Ocidental.

O bloqueio foi - provavelmente - a principal razão que leva à criação da OTAN nesse mesmo ano de 1949.

Os resultados esperados pelas autoridades soviéticas nunca foram atingidos. Tendo tentado no inicio da operação aparecer como força salvadora que estava disponível para salvar os berlinenses (se estes aceitassem o controle comunista), a União Soviética era vista cada vez mais como um regime que tinha como objetivo vencer os berlinenses pela fome.

Internacionalmente, a ponte aérea para Berlim transformou-se num símbolo de resistência e de luta pela Liberdade. Berlim, transformou-se com o tempo numa dor de cabeça que as autoridades soviéticas não tinham como resolver.

Os contatos para renegociar a situação começaram em Fevereiro de 1949 e, perante o fracasso, o fim do bloqueio foi anunciado em 4 de Maio desse ano, e marcado para o dia 12 de Maio.

Às 06:30 da manhã desse dia, o primeiro veículo britânico vindo da Alemanha Ocidental entrava na cidade de Berlim.

A operação de transporte aéreo no entanto, continuou por mais alguns meses, pois havia o receio de que a União Soviética pudesse voltar a bloquear a cidade e também porque era impossível terminar uma operação com a envergadura da que tinha sido montada.

O bloqueio de Berlim e o seu fracasso, constituíram o primeiro claro revés da União Soviética, numa guerra fria que terminaria com a sua derrota.

Aviação Comercial

A Lufthansa, fundada em 6 de janeiro de 1926 em Berlim, numa fusão entre a Deutsche Aero Lloyd (DAL) e Junkers Luftverkehr, teve suas atividades encerradas em 1945.

A Lufthansa foi recriada em 6 de janeiro de 1953 como "Aktiengesellschaft für Luftverkehrsbedarf", "Luftag", e foi renomeada em 6 de agosto de 1954 como "Deutsche Lufthansa Aktiengesellschaft". A "nova Lufthansa" de 1953 não é sucessora legal da Lufthansa fundada em 1926 que existiu durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1° de abril de 1955 a Lufthansa retoma suas operações na Alemanha. As operações internacionais também foram retomadas no dia 15 de maio de 1955, com vôos para diversos locais da Europa, seguido pelo seviço para a cidade estadunidense de Nova Iorque em 8 junho de mesmo ano, usando aviões da Lockheed, do modelo Super Contellation. As rotas pelo o Oceano Atlântico foram retomadas em agosto de 1956.

A Alemanha Oriental tentou estabelecer sua própria companhia aérea na década de 1950 usando o nome Lufthansa, mas isto resultou em uma disputa com a Alemanha Alemanha Ocidental, onde a companhia já estava operando. A Alemanha Oriental renomeou o nome de sua companhia para Interflug, que cessou suas operações em 1991. A Lufthansa foi proibida de sobrevoar no lado ocidental de Berlim até o fim do regime do Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, abreviado em potuguês com a sigla PSUA, e em alemão pela sigla SED.

Fontes: Wikipédia / areamilitar.net / dw-world.de

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