Aprendeu a voar aos 54 anos e teima em não largar os seus aviões. Mesmo após vários acidentes onde escapou à morte por muito pouco.
Han Solo era o piloto mais dotado da galáxia. O contrabandista que, sem ajuda da Força, voava incólume entre asteroides com a nave mais rápida do universo, a Millennium Falcon. O piloto que fez o que ninguém fez: completar a Kessel Run em 12 parsecs. No mundo real, Harrison Ford também adora voar, mas o seu registo de acidentes atestará que o talento se ficou pelas páginas dos guiões de “Star Wars”.
O ator de 80 anos — e que se prepara para a sua primeira investida na televisão com “1923”, a prequela de “Yellowstone” que chega segunda-feira, 19, à Sky Showtime — é detentor de um brevê e ostenta o título oficial de piloto de aviões. Essa foi uma aventura que começou ainda nos tempos da faculdade, quando terminou a licenciatura no Wisconsin e chegou a ter três aulas de pilotagem, antes de interromper o curso.
“Fiquei sem dinheiro”, confessou em 2009 à revista especializada “Down Wind”. “Só voltei a voar aos 54 anos, altura em que comecei a sentir-me aborrecido, sentado no banco de trás do meu Gulfstream. Pedi ao meu piloto que me ensinasse a pilotar.”
“Nunca fui o melhor estudante. Parte da razão pela qual quis aprender a voar, é porque sentia que não aprendia nada de novo há muito tempo. Queria ver se aprendia algo e, aos 54 anos, não tinha a certeza de que ainda tinha essa capacidade de aprender algo tão difícil e complicado”, notou.
Foi durante uma sessão de treino de aterragens de emergência que, em 1999, Ford teve que se socorrer dos nervos de aço das suas personagens do cinema. A bordo de um helicóptero, a emergência deixou de ser fictícia e o ator foi forçado a encontrar um local seguro para aterrar.
O exercício consistia em desligar os motores durante o voo, para que o piloto pudesse reagir com destreza. Algo correu mal e o helicóptero acabou por se despenhar. Ford e o instrutor saíram do desastre ilesos. O mesmo não se pode dizer do aparelho.
A licença de instrução manteve-se intacta e o ator pôde continuar a ter as suas aulas. O problema? É que apenas um ano depois estaria novamente envolvido noutro acidente.
“Voar é sempre uma aventura. Adoro ter a companhia de outros pilotos mas gosto também de voar sozinho, embora seja sempre agradável ter alguém para admirar as minhas aterragens”, dizia em 2009, na entrevista onde também defendeu que os instrutores nunca o protegeram por ser uma estrela de Hollywood. “Acho que nunca [foram menos rígidos por ser uma celebridade]. Trataram-me como tratam todos os outros.”
Os outros é que não parecem ter tanto azar ou propensão para os desastres. Em 2000, Ford estava a bordo do seu Beechcraft Bonanza quando ventos fortes o forçaram a uma aterragem de emergência no Nebrasca que por pouco não falhou a pista. Nenhum dos dois ocupantes ficou ferido.
Dois desastres em tão pouco tempo seriam suficientes para fazer qualquer piloto duvidar das suas capacidades. Mas Harrison Ford não é um piloto qualquer. “Foram mais azares mecânicos e imprevistos meteorológicos”, revelou em entrevista à “Playboy”.
“Com o meu primeiro desastre no helicóptero, tive um problema com o controlo de combustível, que resultou em danos substanciais à hélice, mas sem ferimentos para as duas pessoas. Correu bem.” Sublinha a “combinação de liberdade e responsabilidade” que vem com o facto de pilotar um avião e é perentório: “[No ar] não sou o Harrison Ford. Sou o Novembro 1128 Sierra.”
Com um registo de cerca de 200 horas de voo anuais, Ford sobreviveu mais de uma década sem percalços, até que em 2015, sofreu o maior susto da sua vida como piloto, depois de se despenhar e ser levado para hospital numa maca com um braço partido e lesões cranianas.
Tinha 72 anos quando o seu avião da era da II Guerra Mundial terá sofrido uma falha no motor pouco tempo depois de descolar do Aeroporto de Santa Mónica, em Los Angeles. Tentou imediatamente regressar à base, mas não teve tempo suficiente e foi forçado a encontrar um espaço isolado para tentar a aterragem forçada. Encontrou o local ideal num campo de golfe.
O avião da II Guerra Mundial |
A manobra ainda hoje é elogiada por muitos dos especialistas que analisaram o desastre, apesar de, no caminho até ao solo, ter embatido contra uma árvore. “Ele teve literalmente cinco segundos para decidir o que fazer e 99 por cento dos pilotos teria tentado voltar à pista e ter-se-ia despenhado pelo caminho”, revelou o produtor de cinema Ryan Kavanaugh, que assistiu ao desastre. “Ele fez o que os melhores pilotos do mundo fariam.”
Mais tarde, Ford falaria sobre o incidente. “Não me lembro de tudo, apenas de algumas coisas. Recordo-me que o motor parou e avisei a torre sobre o que ia fazer. Sugeriram que fizesse a rota normal de aterragem e eu sabia que não o poderia fazer, disse-lhes que não. Foi a última de que me lembro. Depois só tenho memórias de cinco dias após o acidente”, explicou. Segundo o ator, a amnésia poderá ter sido “provocada pela quantidade enorme de anestesia geral” a que foi sujeito.
Sem surpresas, assim que recuperou, voltou aos ares — e aos percalços. Passaram apenas dois anos até que se voltasse a ver em apuros, num incidente que por pouco não terminou num choque com um avião de passageiros com mais de 100 pessoas a bordo.
Em 2017, o ator então com 74 anos recebeu autorização para aterrar no aeroporto John Wayne, em Orange County, na Califórnia. Em vez de aterrar o aparelho na pista, acabou por apontar a uma via secundária usada pelos aviões para circularem no solo.
O erro fez com que o seu aparelho privado passasse a poucos metros de um Boeing 737 da American Airlines. “É suposto aquele avião estar por baixo de mim?”, perguntou o ator à torre de controlo.
Além das imagens de vídeo divulgadas, é também possível acompanhar a conversa de Ford com os controladores. “Olá, sou o Husky 89 Hotel Uniform. Sou o idiota que aterrou na taxiway”, explica o ator, antes de se justificar. “Distraí-me com o outro avião que estava em movimento quando fiz a curva para a pista e com a turbulência do Airbus que estava a aterrar na pista paralela.”
“Foi embaraçoso”, admitiu o ator à “GQ” poucos meses depois. “Não passei por cima do avião e não foi à justa sequer.” As imagens desmentem-no. “Foi uma boa aterrissagem mas apenas feita no local errado.”
“Achei que iria sofrer consequências. Sei que fiz merda e sabia que iria ter que passar por um processo. Sabia que ia tudo parar aos jornais, mas não sabia que iria durar tantas semanas.”
Finalmente, Harrison Ford teria aprendido a lição. Ou nem por isso? Mais recentemente, em 2020, voltou a cometer um erro que poderia ter custado caro, ao atravessar sem avisar uma pista principal do aeroporto municipal de Hawthorne.
“O Sr. Ford atravessou a única pista do aeroporto com o seu avião, depois de ter percebido mal as instruções da torre de controlo. Ele pediu imediatamente desculpa pelo erro”, revelou um representante do ator. “Ninguém ficou ferido e nunca houve qualquer risco de colisão.” Ainda assim, o incidente foi novamente investigado pela entidade que regula a aviação norte-americana.
Nem todos os marcos são negativos na carreira de piloto do ator, que ainda hoje é recordado como um dos heróis que ajudou a apagar um dos maiores incêndios selvagens de 2001 no Parque Nacional de Yellowstone. Ford voluntariou-se para ajudar e participou no salvamento de um jovem de 13 anos desaparecido. Foi no seu helicóptero que o rapaz voou para segurança. Naturalmente, ficou fascinado. “Meu Deus, o Han Solo acabou de me salvar”, desabafou mais tarde.
Via Daniel Vidal (NiT - Portugal)
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