domingo, 4 de abril de 2010

Para escritor americano, "pão maldito" foi causado pela CIA

O jornalista independente e escritor americano Hank Albarelli Jr. jamais poderia imaginar que suas pesquisas sobre o misterioso assassinato do bioquímico da CIA Frank Olson, em 1953, o levariam até o pequeno vilarejo francês Pont-Saint-Esprit. Foi investigando a morte de Olson que Albarelli Jr. descobriu que o lendário "caso do pão maldito" pode ter sido provocado deliberadamente pela agência americana, que em plena Guerra Fria queria conhecer melhor os efeitos da recém descoberta droga LSD na mente humana.

Capa do livro Terrible Mistake, de Hank Albarelli Jr.

Para o escritor - conhecido por reportagens investigativas sobre o 11 de Setembro e os ataques por cartas contaminadas com vírus antrax -, não resta a menor dúvida de que a CIA usou a cidade para o experimento. Os detalhes do assassinato são contados na obra A Terrible Mistake, publicado no ano passado e ainda sem tradução para outros idiomas. De Tampa Bay, na Flórida (EUA), Albarelli Jr. concedeu a seguinte entrevista ao Terra, por telefone:

Como você pode estar tão certo da responsabilidade da CIA pelo surto de loucura em Pont-Saint-Esprit?

Está tudo explicado no livro, que tem mais de 800 páginas e cópias de muitos documentos sobre este evento. São documentos da CIA, do FBI, do Exército americano e da Casa Branca. Respondendo a sua pergunta, os documentos provam tudo e seria difícil não estar certo da responsabilidade da CIA.

Você teve acesso a todos os documentos que precisou?

Sim, é claro. Senão jamais afirmaria isso com tanta convicção. Tive acesso a todos e pude copiar alguns, que ilustram o livro.

Por que a CIA teria escolhido uma cidade tão pequena para realizar as experiências?

Porque, no pós-guerra, havia duas bases americanas muito próximas a essas cidades. Havia cinco em toda a França, mas perto de Pont-Saint-Esprit, eram duas. Não há uma razão específica para ter escolhido essa e não outra cidade vizinha. Eles tinham de escolher uma e foi essa. Há relatórios que fazem menção ao fato de que a cidade era muito politicamente à esquerda, o que nos anos 50, plena Guerra Fria, não era bem visto pelos americanos. Eu ainda não sei se esse foi realmente o caso, mas houve pessoas da própria cidade que levantaram essa hipótese para explicar a escolha de Pont-Saint-Esprit.

Como o LSD foi espalhado na cidade?

Tem uma série de documentos que falam sobre as possíveis formas de distribuição, incluindo mecanismos aerossóis - ou seja, pulverizar o LSD pela cidade. Não sei dizer se essa foi colocada em prática. Mas tem uma outra série que fala em disseminar o produto na água ou em produtos alimentícios. Eles não mencionam especificamente o pão, mas eles mencionam claramente água e produtos alimentícios. Eu suponho que tenha sido através do pão, porque não há produto mais comum e que todo mundo consuma.

Você pode explicar como uma padaria específica foi a que mais foi atingida?

Eu não, talvez as pessoas de lá possam explicar melhor do que eu. Eu soube que a maior parte do pão contaminado saiu de uma padaria específica, e no início se acreditou que tudo não passava de uma contaminação por um fungo na farinha utilizada nesta padaria. Mas depois essa versão dos fatos foi desmentida por cientistas que provaram que os efeitos não teriam sido os mesmos dos verificados nas pessoas atingidas. A CIA pode perfeitamente ter colocado o LSD na matéria-prima desta padaria.

O que eu acho que não é uma coincidência é o fato de que, na semana seguinte, apareceram na cidade cientistas do mesmo laboratório suíço que tinha fornecido LSD para as experiências da CIA naquele ano, o Sandoz o laboratório responsável pela descoberta do LSD, em 1943. E eles não contaram nada disso para ninguém, eles mentiram sobre isso, porque sabiam o que estava acontecendo. Estavam suprindo a CIA e o Exército americano de LSD de 1949 até 1951, e depois retornaram com o fornecimento até 1953, quando os Estados Unidos decidiram contratar uma companhia americana farmacêutica chamada Eli Lilly para produzir o LSD. O fato é que o Sandoz foi investigar o que aconteceu e eles foram uns dos que disseram que as pessoas tinham sido infectadas por veneno, mas eles sabiam que não era.

Você acha que foi para despistar as atenções?

Eles vieram com essa primeira versão, mas ela simplesmente não se sustentou o suficiente para dissipar todas as suspeitas. Foi uma experiência com LSD, e todos os que estavam por trás dela foram muito espertos ao colocá-la em prática.

Você acha que a cidade estava cheia de espiões nos dias que se sucederam ao "ataque"?

Havia com certeza espiões do Sandoz. Nos documentos do Exército há referências a isso.

Você sabe se o governo francês estava a par dessa operação?

Eu não sei. Há um documento da CIA que fala sobre um encontro de um oficial com um representante do Sandoz depois do experimento. Ele disse, durante a conversa, que o governo francês sabia de tudo. Essa é a única prova que tenho sobre se o governo francês estava a par. Mas eu sou muito cético quanto a isso, porque neste mesmo documento se fala que esse oficial bebia muito, o que o torna não muito confiável, na minha opinião. Eu ainda não tenho nenhum elemento realmente credível sobre se os franceses sabiam ou não.

Você já esteve em Pont-Saint-Esprit?

Sim, a minha filha mora em Londres e eu aproveitei uma visita para ir lá, há cinco anos. Mas eu quero voltar lá, em maio ou junho, para levar para o prefeito e outras pessoas interessadas cópias de todos os documentos que eu tenho. Assim eles poderão lê-los eles mesmos. Na semana passada, eu mandei para eles uma caixa com cópias do meu livro, e quando eu for lá vou apresentá-los também os documentos.

Você foi convidado ou consultado pelo prefeito ou por outra pessoa da cidade?

Não, ainda não, porque eu gostaria que antes ele lesse o livro. Mas a ABC News quer ir junto comigo até lá, com mais uma rádio francesa, para fazer novas pesquisas sobre o assunto.

As pessoas da cidade parecem acreditar que nunca vai se saber a real razão daquele surto.

Eu acho que nós já sabemos a razão. Eles vão ler o livro, ver os documentos e então vão decidir por eles mesmos. Você sabe, o meu livro não era e não é sobre o caso de Pont-Saint-Esprit. É sobre um espião que foi assassinado, e Pont-Saint-Esprit é parte do motivo da morte dele. Ele falou sobre este caso, e então se achou melhor que ele fosse morto. Há um outro homem, autor de The Day of Saint Anthony's Fire sobre o misterioso caso de Pont-Saint-Esprit, que percebeu o que estava por trás de toda a história e iria escrever um segundo livro contando tudo nos anos 70, mas ele também morreu antes de concretizar o projeto.

Fonte: Lúcia Müzell/Especial para Terra - Imagem: Reprodução

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