A pesquisadora Carla Dove examina documento sobre aves atingidas por aeronaves, no Museu Nacional de História Natural, em Washington
Pistas obtidas nos destroços do voo 1549 da US Airways, que fez um pouso de emergência no rio Hudson, em Nova York, em 15 de janeiro, estão sendo encaminhadas à melhor equipe de investigação do mundo: as caixas pretas do avião ao Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos Estados Unidos, as turbinas aos especialistas da fábrica e uma pena de pássaro a um museu da Smithsonian Institution.
O Museu Nacional de História Natural, em Washington, dificilmente seria lembrado em conexão com um acidente que resultou na perda de potência pelas duas turbinas de um jato de passageiros voando a cerca de mil metros de altitude. Mas pouco adiante da seção que abriga o elefante empalhado que recebe a multidão de crianças visitantes, no final do corredor que serve como parada para as bicicletas dos funcionários, fica o Laboratório de Identificação de Penas, no qual uma equipe de quatro especialistas recebe amostras de 4,6 mil colisões entre aviões e pássaros a cada ano. As amostras costumam chegar em sacos plásticos lacrados e incluem pés de aves, penas inteiras e porções mutiladas dos corpos dos pássaros envolvidos em colisões.
Identificar corretamente a espécie de pássaro envolvida em uma colisão com um avião pode ser importante, diz Carla Dove, diretora do laboratório. "Se as pessoas conhecem a causa do problema, é possível fazer alguma coisa a respeito", ela disse. "Se o problema em sua casa são baratas, não adianta chamar um exterminador de ratos". Uma das providências essenciais para reduzir o número de colisões com pássaros é transferir a espécie causadora do problema, ela diz. Isso pode envolver aparar a vegetação em certa área ou drenar um lago freqüentado por determinado tipo de patos.
As penas e outras porções dos corpos dos pássaros são comparadas a uma coleção de 620 mil amostras de pássaros, algumas das quais recolhidas por pioneiros como Charles Darwin e John James Audubon. Outro colaborador foi o presidente norte-americano Theodore Roosevelt, que colecionava pássaros na região em que vivia sua família, Oyster Bay, em Long Island, antes de se tornar caçador de animais de grande porte. E, caso as penas não sejam suficientes para determinar a espécie, os restos vão para a seção de DNA, que conta com um imenso banco de dados. Usando esses dois recursos, o índice de sucesso na identificação de pássaros que colidiram com aviões é de 99%.
Nos casos de colisões que recebem mais destaque, os dois métodos de identificação são empregados - penas e DNA. Uma colisão com pássaros sobre o Bronx reportada pelo piloto minutos depois que o voo 1549 decolou do aeroporto La Guardia, em Queens, pode ter causado a paralisação das duas turbinas e o pouso de emergência no Hudson, ao qual sobreviveram todos os 155 passageiros e tripulantes. Uma pena foi descoberta presa a uma das asas do avião.
Os pesquisadores do museu não podem falar sobre seu trabalho na investigação do acidente da US Airways, mas falaram sobre outros casos. Em uma mesa do laboratório, iluminada em tom neutro, Dove abriu uma sacola plástica que continha algumas penas marrons e brancas recolhidas em uma recente colisão com pássaros de um avião militar norte-americano que opera da base de Rota, na Espanha. Em campo, os pesquisadores haviam identificado a espécie como uma coruja da espécie Asio otus, mas Dove constatou no museu que a identificação não procedia. Comparando as penas com as de uma outra espécie de coruja, a Bubo bubo, ou coruja-águia, ela apontou: "Veja como elas são mais parecidas".
É esse o trabalho dos ornitologistas forenses. A investigação de colisões entre aviões e pássaros na verdade é uma empreitada relativamente recente para o museu. "Começamos a recolher exemplares antes mesmo que existissem aviões", disse Marcy Heacker, uma das investigadoras do museu, em referência à vasta coleção de amostras de pássaros que a instituição abriga. Mas desde uma colisão acontecido em 1960 no aeroporto Logan, em Boston, envolvendo um Lockheed Electra da Eastern Airlines e um bando de estorninhos, os investigadores de segurança aérea têm recorrido à ajuda do museu.
A maioria das amostras de pássaros vem da marinha e da força aérea; o Departamento da Defesa deseja que cada colisão entre pássaros e aviões militares seja investigada. Os aviões militares são mais vulneráveis a colisões com pássaros porque voam freqüentemente a baixa altitude, e muitos deles têm apenas um motor. As colisões entre aviões militares e pássaros muitas vezes acontecem em lugares distantes como o Iraque e o Afeganistão, mas o laboratório, que armazena espécimes de cerca 85% das espécies mundiais de pássaros, está preparado para essas tarefas. As grandes linhas aéreas norte-americanas também enviam amostras recolhidas em todo o país, em aeroportos de pequeno e grande porte, diz Dove.
As quedas causadas por colisões com pássaros são intermitentes no caso de aviões de menor porte e raras entre os jatos comerciais. Os registros do governo mostram cinco colisões entre pássaros e jatos de passageiros nesta década, excluído o voo 1.549, que causaram danos sérios. Penas recolhidas intactas podem ser comparadas a amostras. Se restar apenas penugem, os pesquisadores utilizam microscópios com poder de ampliação de 100 vezes para estudar o padrão dos nódulos nas estruturas microscópicas de penas, a fim de identificá-las.
O prazo de trabalho requerido é muito curto, mas ocasionalmente o laboratório encontra problemas. A geneticista Faridah Dahlan testou uma amostra, um ano atrás, e constatou que ela aparentemente provinha de um cervo. Podem acontecer colisões entre aviões e cervos, mas um telefonema ao piloto confirmou que o incidente haviam acontecido a 450 m de altitude, de modo que foram necessárias investigações posteriores. Por fim, o laboratório conseguiu descobrir, com base em um pequeno pedaço de pena, que o animal envolvido na colisão era um abutre negro que, aparentemente, tinha pedaços de um cervo em seu estômago.
Dahlan afirma que obter DNA de pequenas amostras de corpos de pássaros não é um grande desafio, e conta que, em seu emprego anterior, "eu identificava formigas". Mas o banco de dados de DNA de pássaros não é tão bom quanto o que contém amostras de DNA humano. Em um acidente como o do voo 1.549, o laboratório usualmente é capaz de identificar se havia mais de uma espécie de pássaro envolvida, mas talvez não seja capaz de determinar exatamente quantos pássaros colidiram com o avião.
Mais recentemente, o laboratório está estendendo suas atividades para outras áreas que não apenas colisões entre aviões e pássaros ¿recentemente, analisou o conteúdo do estômago de uma serpente birmanesa apanhada na região pantanosa dos Everglades, na Flórida, a fim de determinar que espécie de pássaros a cobra estava usando como alimento. O laboratório também identifica pássaros mortos em colisões com moinhos de vento. Caso os restos provenham de um morcego, o laboratório de mamíferos adjacente ajuda no trabalho.
O espaço do laboratório está repleto de estantes, e estas estão ocupadas por gavetas que abrigam todo tipo de amostra. Há ovos de avestruz, quase do tamanho de um melão, e ovos de rouxinol que são pouco maiores que um drops. Os espécimes contêm carne, ossos e penas, e são preservados sobre uma camada de algodão. Ao contrário dos que estão expostos no museu, eles não têm olhos de vidro. Ficam guardados em recipientes que se parecem com caixas de pizza mas na realidade são embalagens especiais para uso em museu, resistentes a ácidos. Um dos espécimes, um limoso do Hudson, tem uma etiqueta que informa que ele foi recolhido na ilha leste das Falklands em 1833. A letra é provavelmente de Darwin, diz Dove. A coleção também inclui um pássaro que pode já estar extinto, o picapau de bico de marfim, e de outros animais que certamente se extinguiram, como o pombo passageiro e o periquito da Carolina.
E da mesma maneira que Darwin nem imaginava que os pássaros que recolhia poderiam servir ao estudo de colisões entre aviões e aves, os atuais pesquisadores de pássaros acreditam que o futuro encontrará diferentes usos para sua biblioteca e coleção. Ela já serve para recolher dados que podem indicar alterações climáticas, diz Dove; os pássaros estão colidindo com aviões em locais e épocas do ano em que não estariam presentes alguns anos atrás.
Com anos de experiência, a equipe de investigação faz uma idéia clara e quase instantânea da espécie de penas que lhes chegam às mãos. Ao contemplarem a pena do chapéu que eu estava usando, rapidamente concluíram que era meio pena de galinha e meio pena de pavão, tingida.
Fonte: The New York Times - Tradução: Paulo Migliacci via Terra
O Museu Nacional de História Natural, em Washington, dificilmente seria lembrado em conexão com um acidente que resultou na perda de potência pelas duas turbinas de um jato de passageiros voando a cerca de mil metros de altitude. Mas pouco adiante da seção que abriga o elefante empalhado que recebe a multidão de crianças visitantes, no final do corredor que serve como parada para as bicicletas dos funcionários, fica o Laboratório de Identificação de Penas, no qual uma equipe de quatro especialistas recebe amostras de 4,6 mil colisões entre aviões e pássaros a cada ano. As amostras costumam chegar em sacos plásticos lacrados e incluem pés de aves, penas inteiras e porções mutiladas dos corpos dos pássaros envolvidos em colisões.
Identificar corretamente a espécie de pássaro envolvida em uma colisão com um avião pode ser importante, diz Carla Dove, diretora do laboratório. "Se as pessoas conhecem a causa do problema, é possível fazer alguma coisa a respeito", ela disse. "Se o problema em sua casa são baratas, não adianta chamar um exterminador de ratos". Uma das providências essenciais para reduzir o número de colisões com pássaros é transferir a espécie causadora do problema, ela diz. Isso pode envolver aparar a vegetação em certa área ou drenar um lago freqüentado por determinado tipo de patos.
As penas e outras porções dos corpos dos pássaros são comparadas a uma coleção de 620 mil amostras de pássaros, algumas das quais recolhidas por pioneiros como Charles Darwin e John James Audubon. Outro colaborador foi o presidente norte-americano Theodore Roosevelt, que colecionava pássaros na região em que vivia sua família, Oyster Bay, em Long Island, antes de se tornar caçador de animais de grande porte. E, caso as penas não sejam suficientes para determinar a espécie, os restos vão para a seção de DNA, que conta com um imenso banco de dados. Usando esses dois recursos, o índice de sucesso na identificação de pássaros que colidiram com aviões é de 99%.
Nos casos de colisões que recebem mais destaque, os dois métodos de identificação são empregados - penas e DNA. Uma colisão com pássaros sobre o Bronx reportada pelo piloto minutos depois que o voo 1549 decolou do aeroporto La Guardia, em Queens, pode ter causado a paralisação das duas turbinas e o pouso de emergência no Hudson, ao qual sobreviveram todos os 155 passageiros e tripulantes. Uma pena foi descoberta presa a uma das asas do avião.
Os pesquisadores do museu não podem falar sobre seu trabalho na investigação do acidente da US Airways, mas falaram sobre outros casos. Em uma mesa do laboratório, iluminada em tom neutro, Dove abriu uma sacola plástica que continha algumas penas marrons e brancas recolhidas em uma recente colisão com pássaros de um avião militar norte-americano que opera da base de Rota, na Espanha. Em campo, os pesquisadores haviam identificado a espécie como uma coruja da espécie Asio otus, mas Dove constatou no museu que a identificação não procedia. Comparando as penas com as de uma outra espécie de coruja, a Bubo bubo, ou coruja-águia, ela apontou: "Veja como elas são mais parecidas".
É esse o trabalho dos ornitologistas forenses. A investigação de colisões entre aviões e pássaros na verdade é uma empreitada relativamente recente para o museu. "Começamos a recolher exemplares antes mesmo que existissem aviões", disse Marcy Heacker, uma das investigadoras do museu, em referência à vasta coleção de amostras de pássaros que a instituição abriga. Mas desde uma colisão acontecido em 1960 no aeroporto Logan, em Boston, envolvendo um Lockheed Electra da Eastern Airlines e um bando de estorninhos, os investigadores de segurança aérea têm recorrido à ajuda do museu.
A maioria das amostras de pássaros vem da marinha e da força aérea; o Departamento da Defesa deseja que cada colisão entre pássaros e aviões militares seja investigada. Os aviões militares são mais vulneráveis a colisões com pássaros porque voam freqüentemente a baixa altitude, e muitos deles têm apenas um motor. As colisões entre aviões militares e pássaros muitas vezes acontecem em lugares distantes como o Iraque e o Afeganistão, mas o laboratório, que armazena espécimes de cerca 85% das espécies mundiais de pássaros, está preparado para essas tarefas. As grandes linhas aéreas norte-americanas também enviam amostras recolhidas em todo o país, em aeroportos de pequeno e grande porte, diz Dove.
As quedas causadas por colisões com pássaros são intermitentes no caso de aviões de menor porte e raras entre os jatos comerciais. Os registros do governo mostram cinco colisões entre pássaros e jatos de passageiros nesta década, excluído o voo 1.549, que causaram danos sérios. Penas recolhidas intactas podem ser comparadas a amostras. Se restar apenas penugem, os pesquisadores utilizam microscópios com poder de ampliação de 100 vezes para estudar o padrão dos nódulos nas estruturas microscópicas de penas, a fim de identificá-las.
O prazo de trabalho requerido é muito curto, mas ocasionalmente o laboratório encontra problemas. A geneticista Faridah Dahlan testou uma amostra, um ano atrás, e constatou que ela aparentemente provinha de um cervo. Podem acontecer colisões entre aviões e cervos, mas um telefonema ao piloto confirmou que o incidente haviam acontecido a 450 m de altitude, de modo que foram necessárias investigações posteriores. Por fim, o laboratório conseguiu descobrir, com base em um pequeno pedaço de pena, que o animal envolvido na colisão era um abutre negro que, aparentemente, tinha pedaços de um cervo em seu estômago.
Dahlan afirma que obter DNA de pequenas amostras de corpos de pássaros não é um grande desafio, e conta que, em seu emprego anterior, "eu identificava formigas". Mas o banco de dados de DNA de pássaros não é tão bom quanto o que contém amostras de DNA humano. Em um acidente como o do voo 1.549, o laboratório usualmente é capaz de identificar se havia mais de uma espécie de pássaro envolvida, mas talvez não seja capaz de determinar exatamente quantos pássaros colidiram com o avião.
Mais recentemente, o laboratório está estendendo suas atividades para outras áreas que não apenas colisões entre aviões e pássaros ¿recentemente, analisou o conteúdo do estômago de uma serpente birmanesa apanhada na região pantanosa dos Everglades, na Flórida, a fim de determinar que espécie de pássaros a cobra estava usando como alimento. O laboratório também identifica pássaros mortos em colisões com moinhos de vento. Caso os restos provenham de um morcego, o laboratório de mamíferos adjacente ajuda no trabalho.
O espaço do laboratório está repleto de estantes, e estas estão ocupadas por gavetas que abrigam todo tipo de amostra. Há ovos de avestruz, quase do tamanho de um melão, e ovos de rouxinol que são pouco maiores que um drops. Os espécimes contêm carne, ossos e penas, e são preservados sobre uma camada de algodão. Ao contrário dos que estão expostos no museu, eles não têm olhos de vidro. Ficam guardados em recipientes que se parecem com caixas de pizza mas na realidade são embalagens especiais para uso em museu, resistentes a ácidos. Um dos espécimes, um limoso do Hudson, tem uma etiqueta que informa que ele foi recolhido na ilha leste das Falklands em 1833. A letra é provavelmente de Darwin, diz Dove. A coleção também inclui um pássaro que pode já estar extinto, o picapau de bico de marfim, e de outros animais que certamente se extinguiram, como o pombo passageiro e o periquito da Carolina.
E da mesma maneira que Darwin nem imaginava que os pássaros que recolhia poderiam servir ao estudo de colisões entre aviões e aves, os atuais pesquisadores de pássaros acreditam que o futuro encontrará diferentes usos para sua biblioteca e coleção. Ela já serve para recolher dados que podem indicar alterações climáticas, diz Dove; os pássaros estão colidindo com aviões em locais e épocas do ano em que não estariam presentes alguns anos atrás.
Com anos de experiência, a equipe de investigação faz uma idéia clara e quase instantânea da espécie de penas que lhes chegam às mãos. Ao contemplarem a pena do chapéu que eu estava usando, rapidamente concluíram que era meio pena de galinha e meio pena de pavão, tingida.
Fonte: The New York Times - Tradução: Paulo Migliacci via Terra
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