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| Carro voador AVE Mizar de matrícula N68X registrado no aeroporto de Oxnard, nos EUA (Imagem: Doug Duncan/via Wikimedia Commons) |
Na década de 1970, uma empresa tentou criar um carro voador. Um carro mesmo, que rodava na terra e poderia decolar.
Em um contexto no qual a corrida pela inovação no transporte pessoal estava em alta nos Estados Unidos, empresas e inventores buscavam transformar ideias de ficção científica em realidade.
Esse conceito parecia estar ao alcance das mãos, com a crise do petróleo da década de 1970 e o trânsito cada vez mais congestionado e alimentando a imaginação de quem sonhava em unir estrada e céu no mesmo veículo.
Entre os projetos desenvolvidos naquele período, se destacava o AVE Mizar, um modelo que chamou atenção por misturar partes de um avião Cessna com o carro Ford Pinto.
A criação da AVE
A fabricante AVE (Advanced Vehicle Engineers, ou, Engenheiros de Veículos Avançados) foi fundada por Henry Smolinski, um engenheiro aeronáutico que havia trabalhado na North American Aviation. Em 1971, ele fundou a AVE no estado da Califórnia (EUA) para produzir um carro voador viável para uso civil.
O público-alvo era de motoristas que também tivessem licença de piloto e buscassem um veículo que pudesse decolar e pousar em aeroportos e continuar a viagem pelas rodovias.
Smolinski acreditava que a solução passaria por aproveitar um carro popular e combinar sua estrutura com partes de um avião leve já certificado. Assim, reduziria custos e tempo de desenvolvimento, além de facilitar a aceitação por parte das autoridades aeronáuticas.
Corpo de carro, asa de avião
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| Ford Pinto, veículo que o tanque de combustível se incendiou em colisões traseiras (Imagem: Mr.choppers/via Wikimedia Commons) |
O Mizar foi construído a partir de um Ford Pinto, um modelo compacto produzido pela Ford na década de 1970. Na traseira do carro, eram acopladas as asas, a cauda e o motor traseiro de um avião Cessna Skymaster, um avião bimotor de pequeno porte.
Esse conjunto permitia que, no solo, o veículo fosse dirigido como um carro comum, e, no ar, voasse com desempenho semelhante ao de um avião menor.
O conceito prévio era que o motorista/piloto pudesse desacoplar o módulo de voo ao chegar a um aeroporto, deixando as asas e o motor guardados, enquanto carregava apenas o carro. O Mizar promete autonomia de cerca de 1.000 milhas no ar e velocidade de cruzeiro em torno de 200 km/h, levando duas pessoas e bagagem pouco de peso.
Promessas e desafios
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| AVE Mizar: o Ford Pinto voador que seria estrela no filme do 007, mas virou tragédia (Imagem: Reprodução) |
Os criadores poderiam imaginar que o Mizar oferecer viagens rápidas sem depender de táxis aéreos ou longas distâncias terrestres. Um piloto poderia sair de casa, voar até outra cidade e seguir direção até o destino. Isso também reduziria custos com a necessidade de hangaragem, ou seja, deixar o avião parado em um hangar, já que ele poderia ficar na garagem da casa do proprietário.
Apesar de a promessa ser empolgante para a época, na prática, o projeto traz obstáculos significativos. A combinação de um carro leve com a estrutura de voo acrescentava peso extra, comprometendo o desempenho.
O Ford Pinto também não foi projetado para resistir às forças e vibrações de um voo. Além disso, o encaixe entre carros e asas forneceu reforços que aumentaram ainda mais o peso total, diminuindo a margem de segurança e aumentando significativamente o consumo de combustível.
Acidente fatal
Em setembro de 1973, durante um voo de teste em Camarillo (Califórnia), Smolinski e o piloto de testes Harold Blake sofreram um acidente fatal. Uma das asas do Mizar se soltou, fazendo o veículo perder sustentação e cair, matando os dois na queda.
A investigação indicou falhas estruturais e problemas na fixação das peças do avião ao carro. Com a morte de seu idealizador e a gravidade dos problemas técnicos, o projeto foi encerrado pela AVE, que pouco tempo depois encerrou as atividades.
Existe carro voador hoje?
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| Alef Aeronautics Model A, aeronave que mantém a aparência de um automóvel convencional e tem rotores embutidos para pouso vertical (Imagem: Divulgação/Alef Aeronautics) |
Mais de cinquenta anos depois da trágica tentativa do Ford Pinto voador, a ideia de um carro que também pode decolar voltou a aparecer em projetos muito mais sofisticados e seguros. Diferentemente dos eVTOLs (eletric Vertical Take-off and Landing, ou aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical), que não são carros propriamente ditos, ainda há empresas que perseguem o sonho de um meio de locomoção que combinam as funções de carro e aeronave em um só.
Um desses modelos é o Model A, desenvolvido nos EUA pela Alef Aeronautics, que mantém a aparência de um automóvel convencional, capaz de rodar normalmente em ruas e rodovias, mas com rotores embutidos na carroceria que permite descolagem e pouso vertical.
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| AirCar, da empresa Klein Vision: Modelo pode ser usado no ar e na estrada, dobrando a asa para ficar menor (Imagem: Divulgação/Klein Vision) |
Também há o AirCar, criado pela empresa eslovaca Klein Vision, segue um conceito mais próximo do avião. Ele possui asas retráteis e precisa de uma pista curta para decolar e pousar, mas também pode circular como um carro em vias comuns.
Diferentemente da improvisação estrutural do AVE Mizar, esses modelos foram projetados desde o início para integrar, de forma harmoniosa, funções terrestres e aéreas, com materiais níveis e aerodinâmica próprios.
Ficha técnica
AVE Mizar
Fabricante: Advanced Vehicle Engineers (EUA)
Ano do primeiro voo: 1973
Base automotiva: Ford Pinto
Base aeronáutica: Cessna Skymaster (asas, cauda e motor traseiro)
Capacidade: Duas pessoas
Velocidade: cerca de 200 km/h
Autonomia estimada: aproximadamente 1.000 km
Motorização: Motor do carro (terrestre) + motor traseiro do Skymaster (aéreo)
Por que Pinto?
A Ford usava nomes de diferentes tipos de cavalos em seus modelos. O Mustang, por exemplo, homenageia a raça de cavalos selvagens comuns nos Estados Unidos e se tornou um ícone entre os esportivos. O Bronco faz referência a cavalos rústicos, e o Maverick remete ao gado de um fazendeiro norte-americano que se recusava a marcar seus animais com ferro em brasa (não, não é cavalo, no caso).
Pinto, no contexto norte-americano, designa um tipo de cavalo com pelagem malhada, com manchas distribuídas pelo corpo. No Brasil, a palavra tem outra conotação, mas isso não foi um fator para a escolha do nome pela Ford.
O modelo teve vida curta, em parte pela mais adquirida após acidentes em que o tanque de combustível se incendiou em colisões traseiras. O risco, somado às dificuldades acessíveis no mercado, contribuiu para que o Pinto se tornasse mais lembrado pelos seus problemas do que pelas suas qualidades.
Via Alexandre Saconi (Todos a Bordo/UOL)





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