quarta-feira, 16 de julho de 2008

Família de vítimas de acidente luta por aviação segura

Há um ano, o Brasil assistia impassível ao maior acidente da aviação civil brasileira. No dia 17 de julho de 2007, o vôo JJ3054 da TAM pousou em Congonhas às 18h45 vindo de Porto Alegre, e depois se chocou contra um prédio situado ao lado do aeroporto. Para homenagear as 199 vítimas da tragédia, dezenas de familiares se reúnem em São Paulo a partir de amanhã e até o dia 20, realizam diversas atividades.

Em Natal, a missa de um ano será rezada às 19h, na igreja de Mirassol, em atenção à família do empresário potiguar Ivanaldo Arruda Cunha, à época com 51 anos, que foi completamente dizimada no acidente. Ele viajava com a mulher, a paulista Zenilda Otília dos Santos (que estava com 44 anos) e os dois filhos, Caio Felipe (13) e Ana Carolina dos Santos Cunha. Em entrevista concedida à TRIBUNA DO NORTE, o sobrinho do potiguar, Leonardo Nobre, afirmou que a luta dos familiares não está focada no processo indenizatório, mas é uma luta pela vida dos passageiros que utilizam o sistema de transporte aéreo.

Leonardo Nobre diz que a luta dos familiares não está focada no processo indenizatório

Os familiares das vítimas do vôo JJ3054 criaram uma associação. Qual o objetivo da entidade?

O principal propósito da organização é buscar a verdade. Quando nos reunimos com os familiares, tentamos entender o que realmente aconteceu no dia 17 de julho. Os encontros mensais acabam funcionando também como terapia para as famílias que se encontram na mesma situação. A nossa maior preocupação é saber quem são os principais culpados pelo acidente.

As famílias foram indenizadas? A associação também está conduzindo os processos indenizatórios?

A associação não tem como foco o processo indenizatório. Algumas famílias já resolveram essa questão, entraram em acordo. Outras colocaram a TAM na justiça e algumas, como é o caso da minha família, ainda não decidiram nada. Existem quatro vias de indenização: fazer acordos; ou através da justiça americana, porque a Airbus é americana; pela justiça brasileira; e ainda através de uma câmara indenizatória extra-judicial, cujos trâmites são mais rápidos, porém, a TAM fixou teto de mil salários mínimos. Tem famílias que perderam seus provedores, esse valor não se aplica à maioria dos casos.

Vocês se reúnem desde o acidente e a luta dos familiares é pela verdade e por justiça. De que forma o grupo se mobiliza?

O nosso principal medo era de que a culpa recaísse para os pilotos. Nós corremos atrás das novidades, procuramos saber todos os detalhes do inquérito, fomos a Brasília, acompanhar a CPI do apagão aéreo. Nossa maior luta é pela vida, pela segurança do transporte aéreo. Só vamos relaxar quando o transporte aéreo for realizado com segurança no Brasil, para o passageiro e para o tripulante.

Os seus tios deixaram negócios em Natal e em São Paulo. A família providenciou inventário?

Minha mãe continuou trabalhando no posto de gasolina, em Nova Parnamirim. Em São Paulo, um administrador toma conta dos imóveis do meu tio. Até agora não foi feito o inventário porque é tudo muito desgastante. Lidar com isso é muito ruim porque nos faz lembrar do fato, da tragédia.

Os familiares das vítimas têm receio de viajar de avião?

Eu sou tranqüilo, mas minha mãe fica angustiada, principalmente quando o avião está se preparando para pousar. Ela detesta ter que viajar, mas se esforça para participar das reuniões da associação, para não deixar morrer a causa. Os meus tios não viajam, ficaram com muito medo, é tanto que apenas eu e minha mãe fomos ao enterro.

Como é a relação dos familiares com a TAM?

Lidar com a TAM não é fácil. Ela posa de boazinha na mídia, divulga que concede direitos para as famílias das vítimas, mas todos os direitos que gozamos foram conquistados a duras penas. Tem uma senhora, dona Sílvia, mãe da vítima Paulinha, que leva nossas reivindicações para o dono da empresa. Eles concedem passagens e hospedagem todos os meses somente para as famílias que não entraram na justiça contra a TAM. Para os familiares debilitados, eles garantiram dois anos de plano de saúde e reembolso dos medicamentos. Muita gente está debilitada até hoje, como minha mãe, que preferiu não receber a imprensa porque está muito triste, principalmente porque a data está se aproximando.

Para as homenagens em torno de um ano da tragédia, a TAM também está tratando com indiferença as famílias que entraram na justiça? Ou todo mundo teve as despesas custeadas pela empresa?

Estaremos todos em São Paulo, cumprindo uma agenda de programação que começa às 18h45 de amanhã, no local do acidente, com ato ecumênico para homenagear todas as vítimas, e promoveremos atividades até domingo. Montamos um memorial itinerante, com material sobre todas os 199 pessoas que desapareceram de maneira tão trágica. Conseguimos um espaço na Sala São Paulo, na estação Júlio Prestes e também faremos um evento na Catedral da Sé. Em princípio, a TAM se negou a custear as despesas das famílias que estão em processo judicial, mas após um mês pedindo, a empresa resolver ceder. Algumas pessoas já haviam até comprado as passagens, mesmo estando em situação difícil. Acho que eles concluíram que o descaso iria repercutir mal na imprensa. E ainda mais, ofereceram hospedagem cinco estrelas, porque sabem que a imprensa vai nos procurar no hotel.

Você fala sempre em memorial para as vítimas. Esse é o principal desejo da associação?

A criação do Memorial para as Vítimas do Vôo JJ3054 é nossa principal reivindicação por um motivo muito especial. Das 199 vítimas, quatro não foram encontradas. Para as famílias daquelas pessoas, aquele lugar é sagrado. É o lugar do último adeus. É o lugar onde elas de fato desapareceram. A prefeitura de São Paulo nos apóia bastante, o pessoal do Sul também. Em frente ao aeroporto de Porto Alegre, foi doado um espaço onde foram plantadas 199 árvores, é o Largo da Vida. Mais uma vez eu afirmo que só vamos relaxar quando sentirmos que existe segurança no transporte aéreo.

Fonte: Eliade Pimentel (Tribuna do Norte) - Foto: Elisa Elsie

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