segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Indisciplina a bordo: o que leva um passageiro a não usar máscara no avião em plena pandemia

Sem máscara: companhias aéreas registraram um aumento no número de casos de passageiros que se recusam a usar a proteção contra a Covid-19 (Imagem: Editoria de Arte/O Globo)
O voo AD 4501, da Azul Linhas Aéreas, transcorria bem naquele início de madrugada de sexta-feira, 30 de julho. O avião, que decolara de Belém do Pará, às 2h19, tinha como destino o Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, de onde muitos passageiros seguiriam para São Paulo. A viagem, porém, não se manteve em céu de brigadeiro. Quando sobrevoava o Maranhão, o avião precisou retornar para o ponto de partida. O motivo? Desembarcar uma passageira que se recusava a usar máscara, um item obrigatório a bordo.

Casos como este vêm aumentando no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Companhias Aéreas (Abear). Apesar de reconhecer não ter estatísticas consolidadas sobre o tema, a entidade afirma que suas associadas têm registrado mais incidentes envolvendo passageiros “rebeldes” em 2021 do que em 2020, antes do início da campanha de vacinação no país.

— No mundo inteiro, estamos observando casos de indisciplina de passageiros, destacadamente quanto ao uso de máscaras — afirma o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz. — Esses eventos, frente ao total de passageiros e voos, continuam sendo raros. Mas a ocorrência de fato aumentou.

Para ele, o atual momento do controle da pandemia no país, apesar de propiciar o reaquecimento das viagens, pode também encorajar esse tipo de comportamento por parte de alguns clientes.

— Nós creditamos isso um pouco a esse ambiente tenso que as pessoas estão vivendo. A retomada, claro, está se dando diretamente em consequência da vacinação. Mas há pessoas que já se vacinaram e acham que podem ficar sem máscara. Nós entendemos que o momento é de cumprir rigorosamente as regras sanitárias — diz, defendendo os protocolos adotados pelas companhias aéreas. — Há muitos procedimentos de segurança por parte das empresas, como o filtro de ar HEPA e a sanitização dos aviões. Mas os passageiros precisam fazer a sua parte também.

Negacionismo em alta


Psicanalista e professora do departamento de Psicologia da Uerj, Sonia Alberti acredita que essa postura mistura doses de negacionismo com falta de preocupação com o outro, algo que pode ter sido exacerbado pela pandemia.

— Talvez haja a ideia de uma certa liberdade, de “vou finalmente poder sair de casa, não quero que ninguém me atrapalhe nisso” — afirma. — Essas pessoas podem também negar a pandemia, não acreditam que algo possa acontecer a elas e que possam fazer mal a outras. São pessoas desinvestidas socialmente, que se voltaram tanto para si que não demonstram preocupação com os outros.

Esse “negacionismo individualista” está em alta em diversas partes do mundo, sobretudo nos Estados Unidos. É de lá que vem a maior parte dos relatos (e registros em vídeo) de passageiros entrando em conflito com tripulantes por não respeitarem os protocolos de segurança. De um grupo de 30 adolescentes que precisaram ser retirados de um voo por se recusarem a usar a proteção facial a casos de passageiros que, de tão agressivos, precisam ser amarrados com fita isolante em suas poltronas, os incidentes têm se multiplicado. Tanto que a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) daquele país registrou, entre fevereiro e maio de 2021, mais de 1.300 casos de indisciplina de passageiros a bordo. Para efeitos de comparação: este foi o mesmo número de providências contra baderneiros a bordo registrado na década passada inteira.

No Brasil, apesar de raros, esses casos, quando aparecem, também chamam bastante a atenção. Como em fevereiro deste ano, num voo da Gol entre Salvador e Brasília, tomado por um grande tumulto causado por um passageiro que se recusava a usar máscara. Apesar dos insistentes avisos dos comissários de bordo e do próprio comandante, o homem resistiu aos pedidos, provocando indignação entre os outros ocupantes e forçando o retorno da aeronave ao ponto de partida. Nesses casos, os indisciplinados são retirados pela Polícia Federal.

Mau exemplo


Passageiros encrenqueiros podem estar sendo também encorajados por quem deveria dar o exemplo. Em janeiro deste ano, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) chegou a ser retirado pela PF de um voo da Gol, em Guarulhos, com destino a Brasília. O parlamentar se recusou a usar máscara, alegando ter dispensa médica, argumento usado por ele em outras ocasiões em que foi flagrado voando sem a proteção facial.

Antes disso, em agosto de 2020, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) já havia sido flagrado usando a máscara de maneira inadequada em boa parte do voo de Brasília ao Rio da Latam, dias antes de ter sido diagnosticado com Covid-19. O próprio presidente Jair Bolsonaro, quando fez uma visita surpresa a um avião da Azul em Vitória, provocou aglomeração e ficou um tempo sem a proteção facial obrigatória.

— Usar a máscara, hoje em dia, se tornou quase um sinal de identidade grupal. E quando o presidente da República fica sem máscara num avião, passa a mensagem de que se ele pode, todo mundo pode. O líder tem peso importante no grupo — afirma o psicólogo e professor Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Com cargo ou não, com ou sem vacina, a norma da Anvisa ainda em vigor exige que todos usem máscaras com vedação no nariz e na boca em aviões e aeroportos no Brasil. Bandanas, lenços e protetores faciais do tipo “face shield” usados sem máscaras por baixo não são permitidos, assim como máscaras de acrílico ou de plástico transparente e as que possuem válvula de expiração, mesmo que sejam profissionais. Até que a situação epidemiológica melhore, só é permitido retirar a máscara para hidratação ou, no caso de crianças menores de 12 anos, idosos e portadores de doenças que requeiram dieta especial, ao se alimentarem. Fora disso, não adianta reclamar.

Via O Globo

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