domingo, 30 de novembro de 2025

Quem é o homem que sobreviveu a acidente de avião da Varig em Passo Fundo

Queda de aeronave matou então bispo de Uruguaiana, Dom Dom Luiz Felipe de Nadal, e outras 10 pessoas. Naquele dia, sobrevivente decidiu pegar o voo 280 para "agilizar" viagem a trabalho que costumava fazer de carro.

O sobrevivente José Iramir Rodrigues, 12 anos depois do acidente, em 1975
(Foto: José Iramir Rodrigues Filho / Arquivo pessoal/Imagens Cedidas)
Há 62 anos, a queda de uma aeronave da extinta Viação Aérea Rio-Grandense (Varig) marcava a história de Passo Fundo e do Rio Grande do Sul. Era uma segunda-feira, 1° de julho de 1963, e uma densa cerração, típica do inverno no Planalto Médio, cobria o céu da cidade.

Por volta de 17h35min, o avião Douglas DC-3 sobrevoava o distrito de Bela Vista com nove passageiros e quatro tripulantes a bordo. A aeronave havia decolado de Porto Alegre rumo a Carazinho, Passo Fundo e Erechim. Na primeira escala desembarcaram seis pessoas e o avião seguiu para o Aeroporto Lauro Kortz.

Um registro do jornal Diário da Manhã (veja abaixo) mostra que as más condições dificultaram a visibilidade do piloto, que tentou aterrissar duas vezes. Na terceira tentativa, a manobra foi fatal: a aeronave bateu em um eucalipto e caiu.

Em 2 de julho de 1963, o jornal Diário da Manhã repercutiu o acidente com a manchete
"Tragédia aviatória em P. Fundo" (Imagem: Diário da Manhã / Acervo / IHPF)
Entre as vítimas estava o bispo de Uruguaiana, Dom Luiz Felipe de Nadal, morto aos 47 anos. O sacerdote viajava para participar de um evento religioso em Passo Fundo. Além dele, outras 10 pessoas morreram e dois passageiros foram resgatados com vida: José Iramir Rodrigues e Celanira Nunes.

A mulher faleceu pouco tempo depois, em razão de problemas de saúde decorrentes da queda. Já José Iramir teve mais sorte: mesmo com ferimentos graves, ele se recuperou e viveu por mais 40 anos.

Entrevistado por GZH Passo Fundo, o filho mais novo do homem, José Iramir Filho, lembra que um médico chegou a dar o quadro do pai como irreversível, mas outro profissional acreditou na melhora — o que se cumpriu. Rodrigues viveu por mais 40 anos ao lado da família e só morreu em 2003, aos 79 anos.

"Fez questão de voltar de avião"


José Iramir Rodrigues Filho e o pai, em 1989 (Foto: Arquivo Pessoal)
José Iramir e a família moravam na Capital. Ele era um dos passageiros do avião da Varig: precisava viajar a Passo Fundo a trabalho, como sempre fazia de carro. Mas, naquele dia, optou por agilizar a viagem.

Quando soube da queda, os familiares logo pegaram uma carona para o norte gaúcho e chegaram ao distrito de Bela Vista horas depois, no mesmo dia. À época com sete anos, Iramir Filho lembra do momento em que viu os escombros.

O motorista que deu a carona à família, cujo primeiro nome era Francisco, registrou
uma foto do avião caído. O registro está até hoje com Iramir (Foto: Arquivo Pessoal)
O momento foi tão significativo que ele, criança, pegou uma "lembrança" do acidente: um disco de acrílico do avião, que hoje já se perdeu. As memórias daquele período, porém, seguem intactas:

— Daquela época, me lembro do lugar do acidente, da árvore em que o avião bateu e também de ficar com meu pai no hospital. Um ano depois, quando voltamos para Porto Alegre, meu pai fez questão de voltar de avião — conta.

José Iramir (de boina branca) no dia em que tirou sua carteira de piloto, o brevê (Foto: Arquivo Pessoal)
José Iramir ficou um ano sem caminhar e perdeu a memória, que veio a recuperar ao longo dos meses depois do acidente. Assim que recuperou os sentidos plenamente, contou o que aconteceu naquele dia:

— Meu pai estava em uma poltrona perto da asa do avião. Quando ele notou que começou a dar problema, foi em direção à cauda da aeronave junto da outra senhora que viveu. Ele tinha o brevê (documento que comprova a aptidão para pilotar aeronaves), sabia os protocolos, então acredito que isso salvou a vida dele — afirma o filho.

Marco na história


Jornal de Porto Alegre trazia informações sobre saques no local da queda
(Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira / Reprodução)
O acidente foi o primeiro desde a implantação da linha Porto Alegre/Passo Fundo, em 1941. O trecho levava em torno de 1h, sem contar as escalas. A edição do Jornal Do Dia, publicada em 2 de julho de 1963, falava em saque no local da queda. O periódico narra que moradores que chegaram ao local antes da polícia levaram diversos objetos de valor, incluindo a cruz peitoral do bispo e até bancos do avião.

Monumento tem a foto do bispo Dom Luiz Felipe de Nadal (Fotos: Rebecca Mistura / Agencia RBS)
As causas do acidente foram investigadas pela Comissão de Acidentes, ligada a Comissão Permanente de Estudos Técnicos da Aviação Civil. A conclusão foi de falha humana, provocada por condições climáticas desfavoráveis.

Árvore em que a aeronave colidiu, um eucalipto
(Foto: Deoclides Czamanski / Projeto Passo Fundo / Acervo)
José Iramir Filho conta que o pai nunca foi indenizado pela Varig. O homem precisou passar por diversas cirurgias, inclusive de reconstrução do rosto com enxertos. Ele conviveu os 40 anos de vida restantes com sequelas do acidente.

O caçula, hoje com 69 anos, chegou a visitar o ponto da queda anos depois. No gramado onde ocorreu o episódio, uma cruz com a foto de Dom Luiz Felipe de Nadal marca o local do acidente até os dias de hoje.

(Fotos: Deoclides Czamanski / Projeto Passo Fundo / Acervo)
Via Rebecca Mistura (GZH)

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