Um dos setores mais atingidos pela pandemia, a aviação civil só deve retomar em 2024 os números de 2019, ano anterior à chegada do coronavírus. No atual cenário, com a variante Ômicron desfalcando tripulações e com grandes companhias aéreas no vermelho, a cobiçada carreira na avião comercial vive uma de suas fases mais desafiadoras. Só a Latam Brasil demitiu ao menos 2.700 pilotos e comissários na pandemia. Mesmo assim, há quem sonhe em se tornar um piloto de avião e não poupe esforços — e muito dinheiro — para isso, sobretudo jovens.
Jociely Ribeiro, de 22 anos, é uma dessas aspirantes. Ela faz bicos como socorrista para bancar os custos da formação necessária para pilotar, que podem chegar a R$ 300 mil. Ela ainda tenta acumular as horas de voo necessárias para a primeira de todas as licenças obrigatórias para quem almeja ser comandante de voos comerciais. Natural do interior do Paraná, ela não tem pilotos ou comissários na família, mas sempre quis voar.
Para realizar o sonho, estudou sozinha para a prova teórica de piloto privado da Anac porque não tinha R$ 2 mil para o curso preparatório. Passou. No ano passado, ingressou como bolsista no primeiro dos seis semestres da graduação em Aviação Civil na modalidade a distância da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Uma vez por mês, vai ao aeroclube de Ponta Grossa cumprir as horas de voo do curso prático de piloto privado.
— Voo no Cessna 152 e pago R$ 450 por hora — diz.
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O perfil de Jociely é bem diferente do da maioria nessa carreira: homens de classe média ou alta cuja família pode custear a formação. Apesar da crise da aviação, a carreira ainda atrai porque, além do fascínio que a profissão provoca, a remuneração ainda é convidativa. O piso salarial da categoria é de R$ 9.400 na aviação regular. Além disso, há um componente adicional variável na remuneração que pode chegar a 50% do salário e depende do número de voos feitos, horários e tipo de avião.
A principal barreira de entrada é o alto custo dos voos necessários para o treinamento, realizados em sua maioria em aeronaves de pequeno porte em aeroclubes Brasil afora. O preço é influenciado diretamente pelo dólar e pelo combustível, ambos em alta. Hoje, uma hora de voo custa entre R$ 450 e R$ 1.200, a depender do modelo do avião (monomotor ou bimotor).
Longo caminho até aéreas
O primeiro degrau da formação é o de piloto privado, que exige conhecimentos teóricos e ao menos 35 horas de voo em aeroclube. Com a carteira de piloto privado, porém, ainda não é possível exercer a profissão. Falta uma segunda licença, a de piloto comercial, que requer um curso teórico, uma segunda prova de conhecimentos de aviação e, principalmente, uma quantidade de horas de voo que varia entre 150 e 200, a depender das habilitações que o futuro piloto busca.
As mais comuns são a de voo por instrumentos e voo em aeronave bimotor, essenciais para atuar na aviação executiva ou em linhas aéreas, explica Ondino Dutra, piloto e presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas.
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Para tentar uma vaga em um processo seletivo de companhias aéreas no Brasil, é necessário ter ao menos 500 horas de voo no currículo, mas as exigências podem chegar a 1.500, segundo Dutra. A maioria das aéreas pede também formação superior, que não precisa necessariamente ser relacionada à aviação. Além disso, empresas e Anac exigem conhecimento avançado de inglês, outra barreira para candidatos de classe baixa.
— Muitos jovens fazem os cursos de piloto privado e travam no caminho para serem pilotos comerciais pelo custo das horas de voo, que não sai por menos de R$ 200 mil —admite a diretora de Pessoas da Azul, Camila Almeida.
O alto custo levou executivos da Azul a criarem, em 2019, a Associação Voar, para financiar a formação de comissários, mecânicos e pilotos entre funcionários da companhia com histórico de baixa renda. O topo da carreira é a posição de piloto em rotas internacionais operadas por aviões wide body (de dois corredores), mas, para isso, é necessário ser copiloto primeiro.
Segundo Bruno Stranghetti, coordenador dos cursos do Aeroclube de São Paulo, para acumular experiência, o piloto comercial recém-formado geralmente trabalha em táxi aéreo, jatinhos executivos ou se tornar instrutor de voo, caminho da maioria. Carlos Centeno, gerente de Treinamentos da Gol, confirma:
— O profissional que ingressa nas linhas aéreas hoje vem principalmente de aeroclubes com uma experiência prévia de voos razoável. Tirou todas as habilitações e permanece até dois anos no aeroclube como instrutor.
Voar a cada 90 dias
Ao todo, a formação de um piloto pode chegar a R$ 300 mil, estima Lucas Fogaça, coordenador da graduação de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS, um dos cursos mais tradicionais do país na área. Ele explica que os cursos superiores de aviação não costumam incluir horas de voo, embora exijam essa experiência para conceder o diploma. Um exemplo é o da PUC-RS, que dura três anos e meio e tem mensalidade na casa dos R$ 3.500.
— O preço da hora de voo varia muito. Um custo razoável é de US$ 200 (R$ 1.127 no câmbio atual) por hora de treinamento em avião bimotor e US$ 100 (R$ 564)em uma aeronave de dois lugares com instrutor e aluno, como o Cessna 152 — diz Forgaça, que tem notado maior interesse pela profissão nos jovens recém-saídos do Ensino Médio.
Uma vez formados, pilotos precisam fazer ao menos três pousos e decolagens a cada 90 dias para se manterem habilitados a operar voo regular. Ainda é preciso fazer a renovação semestral ou anual dos certificados de piloto, que pode custar R$ 2 mil e é bancada geralmente pelas empregadoras, além dos treinamentos específicos exigidos para pilotar cada tipo ou modelo de avião.
Via O Globo - Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
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