sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Do protagonismo na Lua a luta contra os holofotes: a saga de Neil Armstrong

Apesar do grande feito, Armstrong recusava o título de herói e fugia da fama.
Armstrong em foto oficial da NASA (Wikimedia Commons)
Curioso pensar como Aldrin teria reagido no retorno à Terra se tivesse sido ele o personagem principal de uma missão cujo sucesso ainda encanta cientistas e o público em geral.

Para ter uma ideia do arrojo tecnológico, uma calculadora de bolso tinha capacidade de processamento maior que os computadores da Apollo 11, que mesmo assim foram capazes de guiar a espaçonave numa viagem de volta de mais de 700 mil quilômetros. Isso ainda que o talento humano tenha sido fundamental em momentos como o pouso lunar.

O primeiro homem a pisar em outro mundo encarou a enormidade de seu feito de uma maneira quase monástica. "Neil nunca se sentiu à vontade no papel de herói. Ele queria voltar a voar, mas de jeito nenhum a Nasa se arriscaria a ver algo acontecer com ele. Imagine a repercussão se Neil morresse numa das missões Apollo seguintes", explica Hansen.

Depois de participar de uma longa turnê de celebração e que incluiu uma visita à URSS, na qual foi recebido por autoridades e por colegas ilustres como Valentina Terechkova (Gagarin morrera em 1968, na queda de um avião de testes), Armstrong assumiu um cargo administrativo na Nasa. Mas deixou a agência de vez em 1971 para dar aulas de engenharia aeroespacial na Universidade de Cincinnati.

Ficou lá por oito anos e, embora seu pedido de demissão em 1979 jamais tenha sido bem explicado, Hansen sugere que o astronauta tinha problemas para lidar com o assédio. "Ele se preocupava com o impacto da notoriedade também na vida de sua família. Temia pela segurança deles, pois houve ocasiões em que fãs apareceram na porta de sua casa ou espiavam pelas janelas", explica o biógrafo.

O comportamento arredio de Armstrong tinha explicação na história de seu ídolo, Charles Lindbergh, o primeiro homem a cruzar o Atlântico e cuja fama teve a consequência trágica do rapto e morte de seu filho, ainda bebê. Além de idolatrar Lindbergh quando criança, o astronauta encontrou o então recluso aviador em 1968, um ano antes da viagem lunar, e dali nasceu uma amizade que durou até a morte de Lindbergh, em 1974.

Embora tenha aceitado postos em diretorias de grandes empresas, incluindo a companhia aérea United, Armstrong nem de longe se aproveitou para lucrar com sua fama. Tampouco seguiu os passos de colegas como John Glenn e Harrison Smith, que se bandearam para a política e se tornaram senadores. Raríssimas aparições na mídia e mesmo nos encontros comemorativos da missão Apollo deram o tom de sua vida.

Entre as poucas situações em que esteve sob holofotes, ele fez parte da comissão que investigou a explosão do ônibus espacial Challenger, em 1986, a convite do então presidente dos EUA, Ronald Reagan.

Sua relação com o público esfriou ainda mais em 1994: depois de descobrir que cópias de seus autógrafos estavam sendo vendidas, ele parou de distribuir assinaturas. Chegou ao ponto de processar seu barbeiro depois da notícia de que ele vendera mechas de seu cabelo por US$ 3 mil para um colecionador.

Registro da Apollo 11 (Crédito: Wikimedia Commons)
"Neil sempre foi um herói relutante. Ele permaneceu a mesma pessoa antes e depois da Apollo 11", disse John Glenn numa entrevista à CNN em 2012. Armstrong saiu da toca apenas para celebrações especiais da Nasa e para defender a manutenção de investimentos do governo americano no programa espacial.

Em 2010, ele e dois ex-companheiros de empreitada, Jim Lovell (o comandante da Apollo 13) e Eugene Cernan, o 12º homem a pisar a superfície da Lua, protestaram contra a decisão do presidente Barack Obama de cancelar planos para um retorno ao satélite.

Se irritaram Buzz Aldrin a ponto de o astronauta uma vez agredir um entrevistador, as teorias em torno de uma imensa falsificação das missões lunares nunca pareceram mexer com Neil Armstrong. Em mais de 60 horas de conversas, Hansen lembra que o entrevistado deu de ombros quando o assunto veio à tona.

O que o tirava do sério eram os rumores de que ele havia passado por uma epifania na Lua e se convertido ao islamismo. "Isso o incomodava particularmente, sobretudo porque nunca foi fervorosamente religioso. Ele acreditava numa entidade superior, mas foi muito mais um homem da ciência. Buzz Aldrin foi quem comungou no módulo lunar", pondera o biógrafo.

Da discreta vida pessoal de Armstrong, sabe-se que em 1994 ele se divorciou de Janet e se casou com Carol Knight. A união durou 18 anos: em 7 de agosto de 2012, ele se submeteu a uma cirurgia para o desbloqueio de coronárias e morreu duas semanas depois, aos 82 anos.

Tributos emocionados de Aldrin e Collins e um festival de homenagens, que incluíram uma campanha no Twitter para que as pessoas piscassem para a Lua, marcaram as despedidas. Cremado, ele teve suas cinzas lançadas no mar.

Em sua última entrevista, gravada para o Instituto de Auditores da Austrália, em 2011 (um incrível furo de reportagem obtido por motivos sentimentais, já que o pai do astronauta era auditor), Armstrong discorreu durante 48 minutos sobre uma variedade de assuntos. Disponível na internet, a conversa é reveladora.


Ao comentar sobre suas lembranças da missão, ele diz apenas que foi uma experiência memorável, mas curta. "Não estávamos na Lua para meditar, mas para realizar experimentos. Então trabalhamos", resumiu o americano que passou cerca de 21 horas em solo lunar.

Mas foi a esperança de que os cortes no programa espacial fossem revertidos num futuro próximo que fez a voz de Armstrong ecoar mais forte na conversa. "Eu sei que algum dia o homem vai voar de volta para a Lua. E, quem sabe, buscar a câmera que deixei lá."

Via aventurasnahistoria.uol.com.br

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