domingo, 21 de março de 2010

Recordista de queda livre quer ultrapassar a barreira do som

Normalmente, Felix Baumgartner não precisaria de muita prática na ciência da queda. Ele já saltou de dois dos edifícios mais altos do mundo, bem como do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro (um salto de 30 metros pelo qual ele bateu o recorde mundial de paraquedismo a baixa altitude). Já atravessou o Canal da Mancha em queda livre. Já saltou para o fundo de uma caverna escura de 187 metros de profundidade - o salto mais difícil de sua carreira até o momento, na opinião dele.

Felix Baumgartner em treinamento em um túnel de vento, em Perris, na Califórnia, para o salto que ele pretende fazer a partir de um balão na estratosfera

Mas agora, Felix, o Destemido, apelido pelo qual seus fãs o conhecem, tem tarefa mais árdua ainda a realizar: saltar de um balão de hélio na estratosfera, a pelo menos 36,5 mil metros de altitude. Em meio minuto, calcula, sua velocidade seria de mais de 1.100 km/h, e com isso ele se tornaria o primeiro paraquedista a ultrapassar a barreira do som. Depois de uma queda livre de cinco minutos e meio, o paraquedas se abriria para o pouso, quase 37 quilômetros abaixo.

Esse é o plano, ao menos, se bem que ninguém saiba o que a onda de choque fará ao seu corpo quando ele exceder a velocidade do som. O salto, que deve acontecer este ano, quebraria um dos mais veneráveis recordes aerospaciais. Por meio século, ninguém superou (e um homem morreu tentando) o recorde de altitude estabelecido por Joe Kittinger como parte do Projeto Excelsior, da força aérea americana.

Em 1960, Kittinger tinha 32 anos e era piloto na força aérea; ele saltou de um balão a 31,3 mil metros sobre o deserto do Novo México. Hoje com 81 anos, Kittinger é um coronel reformado e parte da equipe Red Bull Stratos, que trabalha no salto de Baumgartner, financiado pela fabricante de bebidas energéticas.

"Por 50 anos", disse Kittinger, "recebi telefonemas de pessoas do mundo inteiro que queriam quebrar meu recorde - um ou até dois ao mês. Mas nunca me envolvi porque essas pessoas não faziam ideia dos desafios. O que me atraiu ao projeto da Red Bull foi a abordagem metodológica quanto à segurança e quanto a obter avanços científicos com o projeto".

Mais de três dúzias de veteranos da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) , da força aérea e do setor aerospacial dos Estados Unidos estão trabalhando há três anos para planejar o salto, construir o balão e uma cápsula pressurizada e adaptar um traje de astronauta para Baumgartner. Além do recorde, eles conduzem pesquisas fisiológicas e estão desenvolvendo procedimentos para que futuros astronautas sobrevivam a perdas de pressão de cabine ou a evacuações de emergência na estratosfera.

Uma das preocupações é evitar um problema que quase matou Kittinger no Projeto Excelsior. Sua queda deveria ter sido estabilizada por um pequeno paraquedas de arrasto, mas este não se abriu em um salto de teste de 1959, porque o cordão se emaranhou no pescoço do oficial.

Como resultado, o corpo de Kittinger entrou em rotação que chegou às 120 revoluções por minuto, em um salto iniciado a mais de 18 mil metros. Ele desmaiou e só recuperou a consciência quando o paraquedas de reserva se abriu automaticamente, a cerca de 1,5 mil metros do solo. Quando despertou, ele escreveu mais tarde, achava inicialmente que estava morto, mas viu o paraquedas aberto por sobre e percebeu que "parecia impossível, mas eu estava maravilhosamente vivo".

Baumgartner, 41, ex-paraquedista das forças especiais austríacas, espera não precisar de um paraquedas de arrasto, e planeja evitar rotação ajustando o ângulo de seu corpo e mantendo os braços paralelos ao tórax.

Mas para sobreviver ao quase vácuo e às temperaturas gélidas da atmosfera, ele necessitará de capacete fechado e traje de pressurização. Muitos aviões romperam a barreira do som, mas a tarefa é misteriosa para um ser humano, diz Art Thompson, diretor de projetos da Red Bull Stratos e antigo engenheiro da Northrop no programa do bombardeiro B-2. As ondas de choque de uma queda supersônica poderiam prejudicar o corpo humano, ou criar desastrosas turbulências.

"Não sabemos o que acontecerá a Feliz e ao traje quando ele ultrapassar a velocidade do som", diz Mike Todd, outro dos engenheiros do projeto, que trabalhou na divisão de pesquisa da Lockheed, em trajes pressurizados para os aviões de espionagem que operavam em altitude elevada para a força aérea norte-americano. "Felix pode descer sem problemas, mas caso metade do traje esteja supersônica e a outra não, pode haver turbulência que descontrolaria seu voo".

Riscos como esses são um dos motivos para que o recorde de Kittinger perdure há meio século. Funcionários da Nasa e da força aérea, compreensivelmente, relutam em explicar a comitês legislativos os potenciais percalços de projetos como esse.

Mas os aventureiros privados têm mais liberdade para correr riscos. O diretor médico da equipe de Baumgartner, Dr. Jonathan Clark, ex-diretor de saúde das tripulações de ônibus espaciais da Nasa, diz que o espírito em que esse projeto está sendo realizado o leva a recordar os primeiros dias da corrida espacial.

"É uma tarefa realmente arriscada, colocar alguém lá em um ambiente extremo, para romper a barreira do som", disse Clark. "Será uma grande façanha técnica. É como o começo da Nasa, aquele sentimento estimulante de que não sabemos o que teremos de enfrentar, mas faremos todo o possível para superar qualquer obstáculo".

Assista ao salto de Felix Baumgartner no Rio de Janeiro:




Fonte: The New York Times - Tradução: Amy Traduções via Terra - Foto: Garth Milan (The New York Times)

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