A brasileira Eve, companhia controlada pela Embraer que está na fronteira do desenvolvimento dos eVTOLs — “carros voadores”, no popular — , enxerga no fenômeno do trabalho híbrido uma oportunidade para que a categoria decole. Quem conta é André Stein, co-CEO da Eve, que conversou com a coluna entre uma palestra e outra no Web Summit, evento de tecnologia ocorrido em Lisboa há algumas semanas.
Veja abaixo os principais trechos, editados e condensados, da entrevista.
A Eve chegou à Bolsa de Nova York este ano. Mas, do ponto de vista operacional, em qual estágio está a companhia?
A gente espera entrar em serviço em 2026 com o veículo, mas a gente não está fazendo apenas o eVTOL — que estão fortes de “carro voador”, embora não seja um carro, mas um avião de mobilidade aérea urbana.
Esse termo incomoda (risos)?
Eu já me entreguei (risos), Mas é uma aeronave elétrica de pouso e decolagem vertical, que também é diferente de um helicóptero. Ele é uma ruptura em relação ao que há hoje disponível. É muito mais eficiente que o helicóptero, até pela própria eletrificação, o que dá mais liberdade de projeto. O motor elétrico é muito mais simples que o motor à combustão, é muito menor e mais leve. Você tem oito motores pra decolar verticalmente, mas, uma vez que descolou, você desliga esses motores e usa um outro para andar em cruzeiro, em processo até sete vezes mais eficiente. E você também endereça um outro grande problema do helicóptero urbano, que é o ruído. Você sobrevoa a cidade de um jeito extremamente silencioso.
E vocês estão em qual estágio do cronograma?
No começo deste ano a gente teve aprovação do processo de certificação pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que foi um passo fundamental. Então, a gente está hoje nesse processo de desenvolvimento com todo o DNA da Embraer, de ter feito trinta modelos diferentes de aeronaves nos últimos 25 anos. Estamos aplicando os mesmos processos. A gente tem trabalhado com provas de conceito, mas também com ferramentas bem conhecidas como simuladores, túnel de vento etc. Mas nosso grande foco, mais do que tentar mostrar para o investidor que a gente está indo pra frente, é realmente a entrada em serviço , que envolve muitos outros aspectos.
Quais?
Toda a parte de serviços para esse novo ecossistema, seja para operação do nosso próprio eVTOL, seja serviço para “vertiportos”, operadores de outros veículos até etc.
E você tem uma parte também que é muito importante, que é o controle de tráfego aéreo urbano. Estamos desenvolvendo uma série de softwares que vão te permitir voar de um jeito mais eficiente e crescer o volume de operações na cidade.
Por que isso é tão importante?
Numa cidade como São Paulo, por exemplo, você pode ter quatrocentos eVTOLs em um mercado maduro. Então, é preciso gerenciar isso com um sistema de controle de tráfego aéreo eficiente.
Mas é muito diferente do que se faz com helicópteros?
Tem que caber todo mundo, porque você vai continuar compartilhando o espaço aéreo. Mas ele é bem diferente do de hoje. Hoje você tem muito desperdício de energia, porque você voa de um jeito muito solto. Então, você tem que otimizar as rotas. Hoje fica muito a habilitada do piloto. Servem para isso treinos como o que a gente fez no Rio de Janeiro, onde criamos uma rota nova junto ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e na qual voamos um helicóptero tradicional. Uma das razões foi entender como se faz hoje e entender onde estão os desperdícios. A gente fez a mesma coisa em Chicago agora. Outro aspecto é a escalabilidade.
Em que sentido?
Hoje, no centro de São Paulo, você não consegue voar mais que seis helicópteros ao mesmo tempo, porque não é um sistema otimizado pra mobilidade aérea urbana. Então, a gente precisa permitir essa escalabilidade mantendo o nível de segurança.
Mas qual negócio vocês estão imaginando? Vocês vão vender aeronaves para companhias que vão operar esse sistema?
É isso. No futuro, você pode até ter o modelo individual. Mas nosso foco é mobilidade como serviço, através de parcerias com operadoras. A gente quer participar mais da operação, mas sem jamais ser operador. É aproveitar que um pedaço da mobilidade está sendo reinventado para pensar em modelos de negócios diferentes. Mas sempre com parceiros locais. No Brasil, a gente já tem vários clientes como Helisul, Avantto e Flapper. Se a gente quisesse ser operador, isso significaria criar uma grande empresa aérea do mundo. Seria um investimento muito pesado e um risco muito grande. Não é nossa ideia.
Vocês imaginam uma utilização com trajetos médios de quantos milhas?
A gente vê a média de uns trinta milhas, mas com trajetos podendo chegar até uns cem milhas. São trajetos como São Paulo-Campinas ou São José dos Campos e, definitivamente, Rio-Niterói.
Uma oportunidade é o fenômeno do trabalho híbrido, com a possibilidade de se sair do centro da cidade e morar um pouco mais longe, só que precisando ir ao escritório de vez em quando. Virou quase uma viagem de negócio ir pro escritório. Você tem a possibilidade de fazer isso é perfeito para a mobilidade aérea urbana.
Esse tipo de solução vai ser massificada a ponto de ter um impacto na densidade urbana?
Eu acho que, no longo prazo, possivelmente. Não sozinha, não temos a pretensão de resolver o trânsito nas cidades, mas como mais uma opção de mobilidade. Não tem bala de prata. Mas é uma solução que requer um investimento mínimo em infraestrutura, não requer uma pista ou um túnel, por exemplo.
Você está pensando exclusivamente em eVTOLs tripulados?
Vamos começar com a operação tripulada, mas o futuro é autônomo. Não há dúvidas quanto a isso.
E já tem ideia de preço? Serão viagens que o passageiro poderá fazer com recorrência, toda semana, por exemplo?
Vai depender de mercado pra mercado. Um dos exercícios do Rio foi testar a elasticidade de preço. Então a gente começou a vender passagem por R$ 99 e foi até R$ 600. A ideia é que seja um pouco mais caro do que você pegar um táxi ou um app de carona sozinho, sendo que você vai vender o assento, não o uso do veículo inteiro. A comparação com o helicóptero nos permite acreditar que isso seja possível.
A fabricação, claro, animado antes de 2026, não é?
Sim, encorajado alguns anos antes. Fizemos até uma parceria com a Porsche especificamente para olhar para a industrialização, porque a gente tem muito a aprender com a indústria automotiva em um veículo com essas dimensões.
A fabricação será feita no Brasil?
A gente ainda não decidiu. Mas o Brasil definitivamente seria um lugar natural para começar. O desenvolvimento já está sendo praticamente todo feito no Brasil.
Qual será o tamanho da frota lá na frente?
Estimamos que haverá 50 mil veículos até 2035, considerando todo o mercado, não apenas a Eve. Hoje já temos um “backlog” de 2.770 veículos vendidos para empresas como United Airlines, SkyWest, Republic Airways e operadores de helicóptero no Brasil e no mundo. É um portfólio bem espalhado por vários continentes e vários modelos de negócios diferentes.
Via Renata Setti (O Globo)
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