sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O homem pendurado em um helicóptero no Afeganistão não foi enforcado por talibãs


Fotografias e um vídeo que mostram um homem pendurado em um helicóptero somam mais de 20 mil interações nas redes sociais desde pelo menos 30 de agosto de 2021, com a afirmação de que são talibãs carregando o corpo de um inimigo enforcado. Mas isso é falso. As imagens mostram que o homem está preso a um cinto no corpo, e não no pescoço, e jornalistas locais disseram à AFP que se trata de um talibã que tentava prender a bandeira do grupo islâmico em um mastro na cidade de Kandahar, no Afeganistão.

“O Talibã está usando os helicópteros black hawk largados para trás por BIDEN para enforcar inimigos publicamente. Entenderam as cenas de desespero no aeroporto? #BidenLiedPeopleDied”, diz o texto de uma das publicações, compartilhada com um vídeo no Twitter.

Captura de tela feita em 9 de setembro de 2021 de uma publicação no Twitter
Alegações similares, com vídeos e fotos da cena, circularam no Twitter, no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram, e também em outros idiomas, como em inglês e em espanhol, dias após os talibãs tomarem o poder no Afeganistão, em 15 de agosto passado.

Alguns políticos norte-americanos, como o deputado Dan Crenshaw e o senador Ted Cruz, compartilharam o vídeo do suposto enforcamento nas redes sociais.

Cruz tuitou inicialmente sobre “talibãs enforcando um homem a partir de um helicóptero Black Hawk norte-americano”, mas ao notar a falácia, emitiu uma declaração sobre a “imprecisão” e deletou a publicação original.

Uma busca reversa na ferramenta Bing por uma das fotos compartilhadas nas redes sociais, que mostra o helicóptero de lado e a silhueta de um corpo suspenso, levou a um tuíte de 30 de agosto passado de um usuário que não faz menção a um enforcamento.

Na verdade, nessa publicação, se vê um cinto corporal. “Nossa Força Aérea! Ao mesmo tempo, os helicópteros da força aérea do Emirado Islâmico estão sobrevoando a cidade de Kandahar”, assegura em pashto.

O usuário que a publicou tem o mesmo nome e foto de perfil no Instagram e se classifica como “membro de um movimento sagrado”, em aparente referência aos talibãs.

Comparação feita em 9 de setembro de 2021 entre capturas de tela do tuíte de 30 de agosto
de 2021 (E) e uma publicação compartilhada em 31 de agosto de 2021
No caso do vídeo que mostra a cena, ainda que seja autêntico, a alegação de que haveria um homem enforcado é falsa. Apesar da baixa qualidade da gravação, é possível ver um homem pendurado por um cinto, não pelo pescoço. Percebe-se também que ele está em movimento.

Várias buscas levaram ao primeiro registro do vídeo, publicado no Twitter em 30 de agosto de 2021 pelo jornalista Sadiqullah Afghan, que confirmou ter gravado as imagens à AFP.

O jornalista está baseado na cidade de Kandahar, no sul do Afeganistão, de onde comanda a Tabasum Radio.

Afghan disse à AFP pelo WhatsApp que o homem pendurado por uma corda no ar não estava sendo enforcado e que, na verdade, faz parte do Talibã. “Um dos guarda-costas do governador tentou içar a bandeira na antena de 100 metros de altura a partir do helicóptero, mas não conseguiu”, apontou.

O jornalista compartilhou com a AFP duas versões do vídeo, em melhor qualidade, nas quais se pode observar de forma nítida o cinto que segura o homem:

Capturas de tela feitas em 1º de setembro de 2021 de um vídeo mostrando um homem
pendurado de um helicóptero (E) e um helicóptero ao lado de vários mastros, no Afeganistão
Em 1º de setembro passado, Afghan enviou a foto do mastro em questão, onde os talibãs parecem estar instalando andaimes para chegar ao topo.

Várias pessoas instalam um andaime em volta de de um mastro em Kandahar, no Afeganistão,
em 1º de setembro de 2021 (Imagem cedida por Sadiqullah Afghan)
Um colaborador da AFP em Kandahar também falou com testemunhas, que disseram que o vídeo não mostrava um enforcamento.

O jornalista afegão Bilal Sarwary tuitou em 31 de agosto que o piloto do helicóptero foi treinado nos Estados Unidos e nos Emirados Árabes: “O combatente talibã visto aqui estava tentando instalar uma bandeira do Talibã no ar, mas no fim isso não funcionou”.

O usuário do Twitter @badllonmaroof, que se denomina um divulgador de “informação e cultura da província de Nangarhar”, no Afeganistão, também compartilhou um vídeo no Twitter em 30 de agosto. “Esse era o mujahadin [combatente ou lutador islâmico] que o helicóptero transportou hoje para consertar a bandeira. Ele queria colocar a corda no mastro no gabinete do governador”, escreveu.

Enquanto os talibãs tomavam boa parte do território do Afeganistão e as forças do governo de Ashraf Ghani se retiravam, os insurgentes se apoderaram de uma grande quantidade de armas e materiais fornecidos previamente pelos Estados Unidos, incluindo helicópteros.

“Não temos um panorama completo, obviamente, sobre para onde foi cada artigo de material defensivo. Mas, certamente, uma boa quantidade caiu nas mãos dos talibãs”, disse o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, em 17 de agosto de 2021.

Sullivan apontou que os helicópteros Black Hawk já haviam sido fornecidos às forças do governo afegão para ajudar a combater os talibãs.

O mais longo conflito militar em que os Estados Unidos se envolveram chegou ao fim em 30 de agosto de 2021, quando suas últimas tropas deixaram o aeroporto de Cabul, onde supervisionaram a saída de mais de 120 mil pessoas após a tomada da capital pelo Talibã.

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