sábado, 10 de julho de 2010

Ao estilo da Guerra Fria, EUA e Rússia fazem maior troca de espiões desde 85

Barganha secreta

Dez agentes russos que haviam sido presos duas semanas atrás pelo FBI e quatro pessoas que passaram informações à inteligência americana são "trocados" na pista do aeroporto de Viena; Justiça dos EUA diz que "operação foi um sucesso"

Após um acordo sigiloso, os EUA e a Rússia realizaram ontem (9)em Viena a maior troca em 25 anos de espiões presos. Foram libertados dez agentes secretos de Moscou e quatro de Washington em uma cena comparável aos tempos da Guerra Fria.

Os aviões levando os prisioneiros aterrissaram na capital austríaca e a troca ocorreu na própria pista do aeroporto. Em seguida, a aeronave que levava os agentes a serviço da Rússia seguiu para Moscou. Os acusados de espionar para os americanos - todos russos - partiram para uma base dos EUA na Grã-Bretanha. À noite, chegaram a Washington.

Na pista, os agentes foram transferidos de um avião para o outro em vans pretas.

A Rússia enviou o Yakovlev Yak-42D, prefixo RA-42446, do Ministério para Emergências da Rússia - MChS Rossii - Foto acima de abril de 2010 por Alexander Nikolaev - RuSpotters Team (Airliners.net)

Dos Estados Unidos veio o Boeing 767-2Q8/ER, prefixo N766VA, da Vision Airlines - Foto acima em 25 de novembro de 2009, por Andres Castro (JetPhotos)

Não há informações dos agentes dos EUA que chegaram à Grã-Bretanha. Os russos desembarcaram ontem mesmo em Moscou e foram levados para uma localidade não divulgada pelo Kremlin. O Departamento de Justiça dos EUA publicou uma nota afirmando que a operação foi um sucesso.

A última troca dessa dimensão ocorreu em 1985, quando 23 prisioneiros foram trocados em uma ponte em Berlim.

Como foi concretizado o acordo

A presidência dos Estados Unidos começou a arquitetar uma possível troca de espiões com a Rússia em 11 de junho, antes mesmo da detenção dos dez russos que foram trocados, nesta sexta-feira, em Viena, na Áustria, por quatro agentes à serviço dos EUA . A informação foi dada por um funcionário da Casa Branca que falou à imprensa em condição de anonimato. Segundo ele, a decisão de deter os agentes russos, que estiveram sob observação das autoridades americanas durante uma década, foi precipitada porque alguns deles tinham planos de deixar os EUA durante as férias de Verão.

O caso foi levado à Casa Branca em fevereiro por dirigentes do FBI, da CIA e do Ministério da Justiça, que apresentaram os contornos gerais do que era conhecido como "Programa de ilegais" e algumas especificidades sobre as pessoas envolvidas. Após algumas semanas de reuniões, foi tomada a decisão de agir contra os russos e em 11 de junho o presidente Barack Obama foi informado sobre o assunto: os planos para as detenções, como seriam realizados, quais as acusações e quais poderiam ser os impactos nas relações com a Rússia.

Apenas 13 dias depois de ser informado sobre o caso, Obama encontrou-se com o presidente russo, Dmitri Medvedev, na Casa Branca, em Washington, de onde saíram para comer hambúrgueres, sem ter mencionado o assunto dos espiões. As detenções aconteceram logo depois, no dia 27 de junho.

Dias após as prisões, os EUA ofereceram à Rússia a troca de dez pessoas sob custódia por outros quatro detidos em Moscou e acusados de espionagem para Washington. O diretor da CIA, Leon Panetta, e o chefe do Serviço de Inteligência russo, Mikhail Fradkov, trabalharam juntos, e o acordo dos países foi alcançado rapidamente.

- Esses nomes foram sugeridos para os russos dias após as prisões. E recebemos uma resposta logo depois de os nomes serem oferecidos - disse a fonte americana.

A troca envolveu 14 espiões. Na quinta-feira, o presidente russo, Dmitri Medvedev, assinou um decreto perdoando os quatro espiões que seriam trocados por dez acusados presos nos EUA por espionagem para a Rússia. Já a Justiça americana condenou o grupo a uma pena de prisão equivalente ao tempo que os dez já haviam passado na cadeia e todos foram deportados .

Alguns dos espiões russos nos EUA eram casados e, de acordo com a fonte da Casa Branca, na sexta-feira seus filhos já se preparavam para deixar o país rumo à Rússia. Waldo Mariscal, de 38 anos, é filho de Vicky Pelaez e enteado do homem conhecido como Juan Lazaro, cujo nome verdadeiro é Mikhail Vasenkov. Ele disse ainda não acreditar que seus pais estavam ligados à espionagem. O homem afirmou que não sabe quando vai reencontrar Vicky e Lazaro, e contou que as duas últimas semanas foram como um filme de terror para ele e seu irmão mais novo, de 17 anos.

Segundo especialistas em inteligência, os governos americano e britânico foram os que mais ganharam com a troca, já que os quatro presos libertados pela Rússia representavam um perigo maior. O Reino Unido tem interesse especial em um dos presos. Sergei Skripal foi oficial da Inteligência militar russa e condenado pelo Kremlin a 13 anos de prisão em 2006 por espionar para os britânicos. Ele foi acusado de revelar os nomes de dezenas de agentes russos que trabalhavam na Europa.

Os quatro presos libertados pela Rússia foram identificados pelo Kremlin como Alexander Zaporozhsky, Gennady Vasilenko, Sergei Skripal e Igor Sutyagin (foto), que já teria sido levado para Viena na quinta-feira. Sutyagin é cientista, especialista em armamento nuclear, preso em 2004 por espionar para a CIA. Skripal era oficial da Inteligência militar russa e foi condenado em 2006 por espionar para o Reino Unido. Vasilenko, ex-agente da KGB, foi preso em 2005. Já Zaporozhsky, ex-empregado dos serviços de Inteligência no exterior, foi preso por espionagem em 2003.

Nos EUA, dos dez integrantes da rede de espionagem russa, pelo menos sete usavam nomes falsos: Vladimir e Lydia Guryev (Richard e Cynthia Murphy); Andrey Bezrukov (Donald Howard Heathfield); Elena Vavilova (Tracey Lee Ann Foley); Mikhail Vasenkov (Juan Lazaro); Mikhail Kutsik (Michael Zottoli); e Natalia Pereverzeva (Patricia Mills). Além deles, faziam parte do grupo a peruana Vicky Pelaez, única que não era russa, Mikhail Semenko, e Anna Chapman (foto), a ruiva que se destacou por sua beleza e teve suas fotos estampadas em jornais de todo mundo.

PARA LEMBRAR

Há 25 anos, URSS devolveu 23 agentes

A troca de espiões russos e americanos ocorrida ontem é a maior desde 1985, quando o bloco comunista aceitou "devolver" 23 pessoas aos EUA. Em troca, Washington libertou quatro agentes secretos da Europa Oriental.

O desequilíbrio no número de agentes repatriados de cada lado tem uma explicação: a transação envolveu Marian Zacharski (foto), considerado o maior espião polonês. Ele havia revelado segredos de aeronaves e sistemas de radares desenvolvidos pelos EUA. Em 1996, o ex-agente polonês fugiu para a Suíça, desaparecendo sem deixar vestígios.

Como agora, Washington e Moscou realizaram a troca em território europeu. Em 1985, a permuta foi feita na Ponte Glienicke, em Berlim Oriental, perto do muro que separava os dois lados da cidade.

John L. Martin, funcionário do Departamento de Justiça dos EUA que supervisionou 76 trocas de espiões com Moscou durante a Guerra Fria, disse ter ficado surpreso com a rapidez do acordo. Os dez agentes russos nem sequer foram condenados e ficaram pouco mais de uma semana presos. A negociação para troca do piloto americano Francis Garry Powers pelo agente da KGB Rudolf Abel, por exemplo, levou anos. Um dos casos mais significativos, Powers e Abel foram trocados em 1962, também em Berlim Oriental. Abel havia sido condenado 12 anos antes nos EUA por tentar roubar segredos nucleares. Powers pilotava um avião-espião U-2 sobre a URSS, quando foi abatido, em 1960.

Saiba mais sobre casos de troca de espiões na Guerra Fria

1962: Os EUA liberam o coronel da KGB Rudolf Abel em troca de Gary Powers, piloto de um avião espião americano abatido pelos russos em 1960.

1969: O Reino Unido negocia com a União Soviética para liberar o britânico Gerald Brooke, detido em 1965 por espionagem e condenado a quatro anos em campos de trabalho. Em troca, Londres solta os agentes soviéticos Peter e Helena Koger.

1981: O agente da Stasi, polícia secreta da Alemanha Oriental, Guenter Guillaume, é libertado graças à permuta por espiões ocidentais.

1985: Espiões dos EUA são devolvidos ao seu país em troca da liberação de um importante agente polonês, Marian Zacharski, detido em 1981, e mais três outros espiões.

1986: A URSS libera o dissidente judeu Anatoly Sharansky e três agentes ocidentais, trocados por Karl e Hana Koecher, da KGB.

Pesquisa: Jorge Tadeu da Silva (Blog Notícias sobre Aviação com as fontes: Gustavo Chacra (O Estado de S.Paulo) / O Globo - Fotos: AP / AFP / Reuters / Fotorzepa)

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