sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Três anos após acidente da Gol, setor aéreo tem mais recursos

A tragédia com o voo 1907 da Gol, que matou 154 pessoas em setembro de 2006, completou ontem três anos. Para marcar a data, enquanto familiares das vítimas protestavam e reivindicavam justiça no Congresso Nacional, o Contas Abertas realizou levantamento sobre os gastos dos três principais programas do governo federal em prol do setor aéreo. Os resultados mostram que, após o acidente da Gol, as aplicações nos programas de segurança do tráfego aéreo e de desenvolvimento da aviação civil subiram 21% e 96%, respectivamente. Na rubrica de desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária, no entanto, as aplicações caíram 16%.

Dois dos programas são administrados pela Força Aérea Brasileira (FAB) e um pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão responsável pela regulação e fiscalização do setor. Ao todo, foram aplicados nestes programas, em valores corrigidos, R$ 2,9 bilhões durante o período de outubro de 2003 a setembro de 2006, quando a tragédia do vôo 1907 marcou o clímax da crise do setor aéreo brasileiro. Nos três anos seguintes, mais R$ 3,8 bilhões foram gastos, o que representa um aumento global de 15% (veja tabela).

Em 2009, os três principais programas contam com um orçamento previsto de R$ 1,7 bilhão. No entanto, menos da metade, R$ 808,4 milhões – o equivalente a 48% do total – foi desembolsado até agora (veja a tabela). Os dados incluem R$ 367,4 milhões pagos com chamados “restos a pagar” – dívidas de anos anteriores roladas para os exercícios seguintes.

Um dos programas sob a gestão do Comando da Aeronáutica é o de desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária. Em 2009, o programa tem dotação autorizada de R$ 417,5 milhões. No entanto, o montante efetivamente desembolsado até agora soma R$ 207 milhões, ou seja, 50% do total previsto. Em 2008, o programa fechou o ano com a execução de somente 44% dos R$ 397,8 milhões previstos no orçamento. Nos últimos três anos, o programa teve os gastos reduzidos em quase R$ 159 milhões, em comparação com o período de três anos que antecederam o acidente com o avião da Gol. A verba contempla ações de manutenção, construção, expansão e modernização de aeroportos do Brasil, atribuições que hoje são contempladas, também, pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O Comando da Aeronáutica explica que cerca de R$ 88 milhões dos recursos disponibilizados para o programa, em 2009, estão “contingenciados por força da frustração de arrecadação ocasionada pela crise econômica”. Além disso, o órgão argumenta que a despesa é considerada executada após a emissão da nota de empenho, documento que antecede uma compra ou contratação pública. “A liquidação e o pagamento somente ocorrerão quando da entrega dos bens e serviços pelas empresas contratadas, o que em alguns casos poderá levar até meses”, afirma a assessoria do Comando.

Com isso, se considerado o montante empenhado, ou reservado no orçamento para o pagamento dos projetos do programa, e desconsiderado o contingenciamento, a execução da dotação disponibilizada representa apenas 53% ao longo dos nove primeiros meses do ano. Mas a assessoria do Comando também destaca que cerca de R$ 127,5 milhões (38% da dotação liberada para empenho) destina-se ao "Programa Federal de Auxílio a Aeroportos", que depende da celebração de convênios com governos estaduais.

Proteção ao voo

Também na gestão da FAB está o programa de proteção ao voo e segurança do tráfego aéreo, responsável pela investigação e prevenção de acidentes, operação e manutenção de equipamentos, entre outras ações. Dos R$ 937,8 milhões autorizados no orçamento do programa este ano, cerca de R$ 435,2 milhões foram aplicados até agora. O valor representa apenas 46% do total previsto. Segundo o Comando da Aeronáutica, se considerado o valor empenhado, o percentual de execução passa a ser de 67%. No mesmo período do ano passado, foram gastos R$ 475,7 milhões com o programa – quase 10% a mais.

Após o acidente com o voo 1907 da Gol, em 2006, as dotações disponíveis para os dois programas apresentaram “um expressivo incremento”, conforme aponta o Comando da Aeronáutica. Naquele ano, o programa de segurança do tráfego aéreo contava com o orçamento previsto de R$ 531,7 milhões, que este ano passou a ter o incremento de 76%. Na infraestrutura aeroportuária, no entanto, que computava R$ 636,7 milhões no orçamento de 2006, houve queda de 34% na rubrica de 2009.

Desenvolvimento da aviação civil

Já o orçamento desembolsado com o programa de desenvolvimento da aviação civil, que quase dobrou nos últimos três anos, pode ser explicado, em parte, pela criação da Anac, em setembro de 2005. Até então, a aviação civil brasileira contava mais especificamente com os recursos do Fundo Aeroviário, composto por diferentes tipos de taxação sobre lubrificantes e combustíveis, multas aplicadas via Código Brasileiro do Ar, receitas provenientes da cobrança de taxas de licenças, certificados, certidões, vistorias, homologações e atividades relacionada à aviação civil. Hoje, é por meio do fundo que são realizadas as arrecadações das receitas próprias da agência.

Mas em 2009 o ritmo de gastos com o programa de responsabilidade de Anac ainda está abaixo do ideal. Isso porque até agora foram aplicados apenas 49% dos R$ 337,8 milhões autorizados para este ano, ou seja, R$ 166 milhões. No ano passado, o governo federal gastou, nos doze meses, R$ 192 milhões de um orçamento previsto de R$ 338,7 milhões, o que representou um índice de 57% do total da verba do ano. De acordo com a assessoria do órgão, a justificativa estaria na restrição de empenho da ordem de R$ 52,2 milhões que a agência teve em todo o seu orçamento, que este ano tem a previsão de R$ 366,4 milhões. Desse valor, segundo a assessoria, já foram empenhados R$ 210,6 milhões, o que representa 67% do limite autorizado para empenho.

Brasil precisa investir mais, dizem especialistas

Segundo o especialista em aviação civil e professor da Universidade de Brasília Adyr da Silva os dados revelam fragilidades nos programas relacionados ao sistema aéreo. Para ele, seria preciso que o governo gastasse anualmente cerca de R$ 3 bilhões durante os próximos anos para cobrir o que faltou no passado.

Duque Estrada, especialista em direito aeronáutico, concorda com o professor e avalia que o montante aplicado no Brasil é irrisório. “O setor precisaria, no mínimo, do dobro destes valores anualmente para torná-lo mais sério e seguro. Mas não existe dinheiro novo. Só o arrecadado pelo próprio setor. Em países como os Estados Unidos, mais de 500 milhões de dólares são aplicados em universidades, desde 1927, visando o aperfeiçoamento e desenvolvimento tecnológico do setor aéreo como um todo”, afirma o advogado.

Para Estrada, a preocupação com a aviação civil brasileira é mais teórica do que prática. “Os dados do orçamento demonstram isto de maneira inequívoca. Este ano, nós quase fomos rebaixados para país de segunda classe pela Organização da Aviação Civil Internacional por causa disso”, diz o especialista. “Lamentavelmente, somente após a ocorrência de acidentes graves é que se investe. E mesmo assim de forma linear e não geométrica e exponencial como deveria ser. Desde 2005, as melhorias feitas foram paliativas e não concretas”, conclui.

Fundo Aeronáutico desembolsou apenas 58%

Enquanto os principais programas do setor aéreo caminham a passos lentos, outra fonte de recursos para gastos e investimentos no setor está com aplicações aquém do ideal. Estão disponíveis para o Fundo Aeronáutico mais de R$ 2,7 bilhões. O montante é composto, principalmente, por tarifas pagas por passageiros e empresas aéreas que utilizam os aeroportos, mas a verba, que deveria ser aplicada para o aprimoramento do setor de aviação civil, tem sido usada como fonte de superávit primário. Para este ano o fundo tem dotação autorizada de apenas R$ 1,7 bilhão, do qual R$ 976 milhões (58%) foram efetivamente utilizados.

Criado em 1945 e subordinado ao Comando da Aeronáutica, o fundo tem como um dos principais objetivos garantir recursos à modernização e ao aparelhamento dos serviços de segurança e proteção ao vôo, construção de aeroportos e obras complementares, como as de ampliação e pavimentação de pistas nos aeroportos. De acordo com o regulamento do fundo, aprovado em 1957, os recursos “só podem ser aplicados em benefício de atividades de interesse do Ministério da Aeronáutica e de sua representação”.

Embora a disponibilidade de recursos do Fundo Aeronáutico tenha a maior parte destinada ao setor aéreo, o fundo contempla ainda outras finalidades da Aeronáutica. Dentre as contribuições “extra-setor aéreo”, previstas na disponibilidade do fundo, estão os gastos com saúde (R$ 18 milhões), auxílio residencial (R$ 8,2 milhões), programas assistenciais (R$ 16 milhões), programas escolares (R$ 1,7 milhão) e outras finalidades. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira.

Segundo o Comando da Aeronáutica, a execução das despesas do fundo, a cada ano, está limitada ao montante das receitas arrecadadas no exercício. “O saldo acumulado, decorrente de superávit financeiro, tem sua execução condicionada à abertura de crédito específico, conforme legislação vigente”, afirma a assessoria do órgão.

Fonte: Milton Júnior (Contas Abertas) - Foto: Agência Brasil

Um comentário:

ATC Brasil disse...

Colocar numa tabela o dinheiro investido na infra-estrutura (ou na renovação das ferramentas) não é garantia de qualidade - ainda menos dá carimbo de segurança.

Você pode gastar muito, mais no fundo você compra só "merd.......".

Como você pode gastar bem menos e comprar os bons equipamentos que serão capazes em fazer o trabalho duma maneira bem segura e eficiente.

Comprar equipamento precisa conhecimento e inteligência. Então só falar de dinheiro parece ser uma visão bem superficial do problema. Gastar muito é coisa fácil, agora comprar qualidade por um bom preço é bem mais difícil......

ATC BRASIL