Na manhã de quarta (28), dois acidentes na Marginal Tietê elevaram o índice de congestionamentos na capital para 109 quilômetros, 35 além da média para o dia e para o horário. Às 4h56, uma carreta que transportava engradados de refrigerante tombou nas proximidades da Ponte das Bandeiras. As três faixas da pista local, no sentido Ayrton Senna, ficaram interditadas por três horas e 38 minutos. Nesse meio-tempo, outro incidente intensificou a confusão. Perto da Ponte Cruzeiro do Sul, no mesmo sentido, quatro caminhões colidiram e bloquearam a pista expressa parcialmente.
Em meio a esse caos, a reportagem de Veja São Paulo percorreu os 11,3 quilômetros entre o Campo de Marte, na Zona Norte, e a Avenida Rebouças, em Pinheiros, em apenas cinco minutos. Graças ao uso de um helicóptero. De carro, no mesmo horário, o trajeto foi realizado em cinquenta minutos. Essa economia de tempo tem atraído cada vez mais paulistanos endinheirados para os helipontos. Todos os dias são realizados aproximadamente 400 voos pelo céu da capital. ' Não sei mais o que é engarrafamento ', diz Amilcare Dallevo Junior, presidente da RedeTV!, que leva cerca de cinco minutos para ir de Alphaville, onde mora, ao seu escritório, na Avenida Juscelino Kubitschek. ' Se não fosse pelo ar, eu não conseguiria chegar a todos os meus compromissos. '
O paraíso no céu é o inferno na terra. Cansadas do barulho, há anos associações de bairro lutam por um controle maior do vaivém de aeronaves. ' Mesmo com as janelas antirruído que instalei, não consigo dormir antes da meia-noite durante a semana nem nas tardes de domingo, quando o tráfego aumenta por aqui ', conta Susana White, moradora da cobertura de um edifício de quinze andares no Itaim Bibi. De sua janela, ela chega a ouvir e observar um helicóptero a cada dez minutos, nos horários mais movimentados. Para tentar abafar esse zum-zum-zum, na última sexta-feira (23) o prefeito Gilberto Kassab sancionou uma lei que restringe o funcionamento dos helipontos.
Eles ficam proibidos de operar pousos e decolagens entre 23 e 6 horas. Também não poderão ser construídos a menos de 300 metros de locais sensíveis ao barulho, como escolas, creches, hospitais e asilos. Quem desobedecer às regras estará sujeito a pagar multas que variam de acordo com a área ocupada pelo aeródromo. No caso de um com 324 metros quadrados, por exemplo, a taxa inicial é de 700 reais, mas pode chegar a 29 000 reais. Se a irregularidade não for sanada, o heliponto correrá o risco de ser interditado.
Ao sancionar a lei, Kassab um dos grandes usuários de helicóptero da cidade - amenizou o texto que havia sido aprovado na Câmara, de autoria do vereador Chico Macena. O projeto previa pousos e decolagens somente entre 7 e 20 horas. A distância mínima de escolas e hospitais era maior, de 500 metros. Além de apertar o cerco para as novas construções, a lei dá aos helipontos irregulares já existentes uma chance de conseguir a licença da prefeitura.
Hoje, das 215 áreas de pouso e decolagem da capital, 129 não têm a autorização municipal. Elas funcionam apenas com a anuência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que analisa se o lugar proporciona segurança para o voo. Mas o órgão não leva em consideração a Lei de Zoneamento e o impacto do fluxo de aeronaves na vizinhança. ' Demos aos proprietários um prazo de noventa dias para se regularizarem ', afirma Miguel Luiz Bucalem, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano.
São Paulo abriga um cenário ímpar na aviação. ' O colapso do trânsito, a ineficácia do sistema de transporte público, a presença de gente rica o suficiente para comprar uma aeronave e a falta de segurança fazem com que o uso dos helicópteros seja um hábito rotineiro, o que não ocorre em lugar nenhum do mundo ', diz o piloto Jorge Barros, especialista em segurança de voo.
Para se ter uma ideia, hoje há 325 aeronaves do tipo registradas na capital. Segundo a Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero, trata-se de 100 a menos que em Nova York, onde elas são proibidas de sobrevoar o centro da ilha de Manhattan, a região mais importante e conhecida da cidade. O meio de transporte é tão popular por aqui que há empresas de táxi aéreo que parcelam suas viagens. É o caso da Helimarte. Meia hora de voo, com no mínimo três passageiros, custa 300 reais por pessoa, valor que pode ser pago em três prestações.
EU NÃO VIVO SEM O MEU
Três paulistanos que fizeram do helicóptero seu meio de transporte
Viagens Oficiais: O Edifício Matarazzo, sede da prefeitura, abriga o primeiro heliponto da capital a receber a licença municipal, em 1974. É de lá que o Águia 12 da PM ou helicópteros de uma empresa de táxi aéreo partem diariamente para transportar o prefeito Gilberto Kassab. Ele voa, em média, quinze horas mensais. Troca o tráfego da cidade que comanda pelas viagens-relâmpago no céu. Só assim consegue dar conta da agenda apertada e chegar pontualmente a compromissos em bairros distantes do centro. Quando parte de sua residência, no Jardim Paulistano, Kassab usa o heliponto do banco Santander, na Marginal Pinheiros.
Só para lazer: Desde que tirou a licença para pilotar helicópteros, em 1995, o empresário José Camargo, dono das rádios Alpha, 89 FM e Nativa, não pega mais a estrada para chegar à sua casa de praia, em Ubatuba. ' Gastava quase três horas de carro. De helicóptero, levo 35 minutos. ' Morador dos Jardins, ele apoia as novas regras para disciplinar o tráfego aéreo. ' Qual é a razão de haver mais de um heliponto em um mesmo quarteirão? ', questiona ele, que afirma jamais recorrer ao helicóptero para se locomover dentro da cidade.
Para coordenar esse fluxo, há na capital uma medida singular. ' Temos o único controle de helicópteros por radares do mundo ', afirma o tenente-coronel Henry Munhoz Wender, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Criado em 2004, um quadrilátero virtual de cerca de 100 quilômetros quadrados sobre a cidade é vigiado por um controlador de voo a partir do Aeroporto de Congonhas. Só entram nessa área seis helicópteros ao mesmo tempo e, ainda assim, se tiverem autorização. '
Fora dela, os pilotos se comunicam por rádio e trafegam por avenidas imaginárias ', explica o especialista em segurança de voo Alessandro Salomão. As rotas estão sobre as principais vias terrestres da cidade e, assim como elas, algumas têm mão dupla. Com a diferença de que são muito, muito mais rápidas.
Hélices na Mídia
No começo do mês, para socorrer um passageiro que ficou preso nas ferragens depois de um acidente entre dois veículos, um helicóptero Águia da Polícia Militar teve de pousar na Marginal Tietê. A aeronave ficou em solo por cerca de dez minutos, o suficiente para causar 5 quilômetros de lentidão na pista expressa da via, no sentido do Cebolão. ' Esse pouso ganhou mais visibilidade na imprensa do que o acidente propriamente dito ', lembra Alexandre Gomes, capitão do Grupamento Rádio Patrulha Aérea da Polícia Militar.
Criado em 1984 para dar apoio a perseguições da polícia, o grupo conta hoje com dezesseis helicópteros e auxilia ainda o Corpo de Bombeiros para recolher vítimas de acidentes graves e órgãos humanos para transplantes. Somente neste ano, 342 pessoas acidentadas e 48 órgãos foram transportados no estado em helicópteros da Polícia Militar. Em média, dois resgates são realizados por dia, geralmente para socorrer motoqueiros acidentados. ' Se o caso for grave, dispomos de pouquíssimo tempo ', diz Gomes. ' O único meio de transporte possível para driblar rapidamente o trânsito atual é o helicóptero. ' Essa também é a opinião do repórter da rádio Eldorado Geraldo Nunes, que há vinte anos sobrevoa a cidade para dar informações sobre os engarrafamentos.
' Ninguém pode dar dicas de trânsito se não observá-lo do alto ', afirma ele. André Ramos, editor-chefe do Jornal do SBT, que aluga um helicóptero modelo Robinson R44 para sobrevoar a capital, concorda: ' Sem helicópteros, estaríamos de mãos atadas para cobrir congestionamentos. E certamente perderíamos audiência para outro telejornal '.
Fonte: Daniel Salles, Giuliana Bergamo e Henrique Skujis (Veja São Paulo)