Na expectativa pelo avanço da imunização contra a Covid-19 pelo mundo, fabricante de aeronaves projeta crescimento até 2025 após registrar perdas de R$ 3,6 bilhões em 2020.
Pronta para voar, a companhia brasileira registrou forte alta nas encomendas, apesar da turbulência global no setor (Foto: Noah Seelam/AFP) |
Os últimos 12 meses ficarão marcados nos 51 anos de história da Embraer. De maneira negativa. Além do rompimento unilateral pela Boeing da parceria no segmento de aviação comercial, em abril, a fabricante brasileira de aeronaves teve de assimilar o impacto da pandemia nos resultados de 2020, que apontaram prejuízo líquido de R$ 3,6 bilhões – quase três vezes superior ao de 2019, de R$ 1,3 bilhão.
O prejuízo líquido ajustado foi de R$ 2,3 bilhões. Os números só não foram piores por causa do desempenho acima do esperado no quarto trimestre. Agora, a empresa vive a expectativa pelo progresso na imunização da população mundial contra o coronavírus para dar prosseguimento à retomada. “Novas vendas dependem da velocidade da vacinação pelo mundo”, disse à DINHEIRO Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer. “Temos conversado com as companhias aéreas, mas a conclusão dos contratos depende do progresso da vacinação.”
Apesar da preocupação com a velocidade da imunização pelo planeta, o executivo demonstra confiança na manutenção dos bons resultados apresentados no período entre outubro e dezembro. A recuperação foi motivada por maior ritmo de entrega de aviões, câmbio mais alto (os produtos são negociados em dólar), redução de US$ 399 milhões em despesas gerais entre o primeiro e o quarto trimestre e especialmente o corte de 2,5 mil colaboradores (900 foram demitidos e 1,6 mil aderiram a um programa de demissão voluntária) durante o semestre, número que correspondia a 12,5% do quadro de trabalhadores globalmente. A meta foi adequar a nova estrutura de operação à realidade do mercado.
A recente retomada dos negócios enche Gomes de esperança. O presidente afirmou, durante teleconferência com jornalistas e analistas, que a Embraer fez a lição de casa no último ano e que, até 2025, a companhia deve não só igualar a receita do período pré-pandemia como se tornar uma empresa ainda maior. No ano passado, o faturamento atingiu R$ 19,6 bilhões, 10% inferior ao de 2019. A aviação comercial foi responsável por R$ 5,8 bilhões; a executiva, por R$ 5,6 bilhões; a defesa arrecadou R$ 3,4 bilhões; R$ 4,7 bilhões foram originários de serviços e suporte; e R$ 59 milhões em outras receitas.
A receita acabou afetada principalmente pelo fraco desempenho da aviação comercial. Apenas 44 aeronaves foram entregues, queda de 51% na comparação com o ano anterior (89). Já na executiva foram entregues 86, sendo 56 jatos leves e 30 grandes – em 2019, os números atingiram, respectivamente, 62 e 47. No total, o volume de aeronaves entregues em 2020 foi de 130 aviões, 34% a menos do que um ano antes. No último dia do ano passado, a carteira de pedidos firmes a entregar totalizava US$ 14,4 bilhões, com redução de 15% em relação a 2019. “Esse resultado é favorável diante dos numerosos cancelamentos de pedidos vistos no mercado”, afirmou Antonio Carlos Garcia, vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Embraer.
O segmento comercial é a principal aposta da Embraer para uma retomada mais rápida do mercado. Na aviação executiva, o Phenom 300 foi o jato leve bimotor mais vendido em toda a indústria executiva no mundo pelo nono ano consecutivo. A empresa conquistou uma boa reputação no mercado mundial com o desenvolvimento de aviões com grande eficiência no consumo de combustíveis. Para Garcia, o segmento já demonstra recuperação, apesar da Covid-19. “As operações de jatos executivos já atingiram mais de 90% dos níveis anteriores à pandemia. Com isso, temos boas perspectivas para 2021”, disse.
Na área de Defesa & Segurança, a Embraer entregou à Força Aérea Brasileira quatro das 28 unidades encomendadas do C-390 Millenium. As aeronaves estão preparadas para realizar missões de reabastecimento aéreo, com a designação KC-390 Millenium. Para Jackson Schneider, presidente e CEO da Embraer Defesa & Segurança, o C-390 está se estabelecendo como o avião de transporte tático deste século. “Isso abre novos mercados, o que é importante para a estratégia da Embraer nos próximos anos”, disse Schneider. A fabricante também acertou a venda de duas unidades do C-390 Millennium para a Hungria, além de ter entregado 16 aeronaves Super Tucano para clientes ao redor do planeta.
Parceria
Os problemas da Embraer durante o ano não se resumiram à pandemia. O fim da transferência da área comercial à gigante Boeing, um negócio de US$ 4,2 bilhões, também trouxe prejuízos. Em janeiro de 2020, a empresa brasileira desembolsou R$ 98 milhões no negócio, além de suspender por um mês a sua linha de produção para fazer a separação das áreas. Afetada pela crise do modelo 737 MAX, envolvido em dois acidentes com 346 mortos, a companhia norte-americana afirmou que a Embraer não havia cumprido parte do acordo e desfez o negócio, o que é contestado pela empresa, que ainda tenta reaver o dinheiro.
A Embraer entregou 16 aeronaves Super Tucano para clientes em diversas regiões do mundo. (Foto:Divulgação) |
O presidente afirmou que quase todos os custos decorrentes da fracassada parceria com a Boeing já foram reconhecidos em 2020 e não devem prejudicar o desempenho da Embraer em 2021. “Vamos investir recursos no projeto de reintegração da aviação comercial, mas 95% dos custos totais ficaram no resultado de 2020.” A liquidez se mostrou sólida. A Embraer fechou 2020 com caixa de R$ 14,3 bilhões, acima dos R$ 11,2 bilhões do ano anterior. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) ajustado foi de R$ 437,6 milhões.
A retomada do setor aéreo é esperança de voo seguro para a Embraer. Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), o tráfego de passageiros caiu 65,9% em 2020 no planeta, com previsão de alcançar os níveis pré-crise apenas em 2024. A recuperação gradual do mercado está contemplada no estudo Market Outlook 2020, divulgado pela Embraer em dezembro, com perspectivas do setor para os próximos dez anos – até 2029.
Com base na demanda de passageiros, o relatório aponta tendência para a utilização de rotas domésticas e regionais, além da utilização de aeronaves de menor capacidade – no caso da Embraer, com até 150 assentos –, mais eficientes, sustentáveis e versáteis, para atender à baixa procura. “O impacto de curto prazo da pandemia global tem implicações de longo prazo na demanda por novas aeronaves”, afirmou Arjan Meijer, presidente e CEO da Embraer Aviação Comercial. “Nossa previsão reflete algumas das tendências que já estamos observando, como a aposentadoria antecipada de aeronaves mais antigas e menos eficientes.”
A empresa conquistou uma boa reputação no mercado mundial com o desenvolvimento de aviões de grande eficiência energética. (Crédito:Divulgação) |
A Embraer projeta entregar 4,4 mil jatos de até 150 assentos, sendo 75% destinadas à substituição de aeronaves antigas e 25% representarão o crescimento do mercado. A maior parte das entregas será para companhias da América do Norte, especialmente os Estados Unidos, enquanto a China e o mercado Ásia-Pacífico devem ficar com 1,2 mil. Além disso, há a previsão de entrega de 1,1 mil turboélices até 2029, com destino principalmente às companhias aéreas da China e Ásia-Pacífico (490 unidades) e Europa (190 unidades).
Especialista em aviação civil, Thiago Carvalho, do ASBZ Advogados, classifica como “animadores” os resultados obtidos pela Embraer diante “da maior crise da história da aviação”, com queda acentuada no número de passageiros no mundo. Segundo ele, a companhia pode se beneficiar do movimento mundial de redimensionamento da frota com a troca de aeronaves maiores pelas narrow-body (fuselagem estreita), modelos por ela produzidos, além da regionalização das rotas.
Carvalho vê como fundamental a vacinação em massa da população. “Caso contrário, as medidas restritivas de circulação continuarão, com o consequente fechamento de fronteiras, o que afeta drasticamente o setor aéreo”, disse, ao destacar outro desafio ligado à vacinação: “A confiança do passageiro para entrar em uma aeronave.” Um voo, ao que parece, ainda sem comandante.
Via Angelo Verotti (IstoÉ Dinheiro)
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