Acidente aconteceu em dezembro de 2010; bimotor passou por forte turbulência antes de cair em propriedade rural e explodir
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgou o relatório final sobre o acidente acontecido em Londrina na noite do dia 12 de dezembro de 2010. Na ocasão, uma aeronave com dois tripulantes e cinco passageiros caiu em uma propriedade rural no distrito da Warta, em Londrina. A cerca de 14 quilômetros do Aeroporto José Richa. O bimotor Beechcraft C90A King Air, prefixo PT-WUG, que pertencia a empresários ligados ao Programa Leilões, do Canal Rural, ficou completamente destruído ao pegar fogo após queda. As sete pessoas tiveram ferimentos leves.
O relatório foi aprovado pelo Cenipa no último dia 3 de julho e disponibilizado no site da entidade nesta sexta-feira (24). A elaboração do relatório final foi conduzida com base em fatores contribuintes e hipóteses levantadas, sendo um documento técnico que reflete o resultado obtido pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer). O relatório não recorre a quaisquer procedimentos de prova para apuração de responsabilidade civil ou criminal. A intenção é criar orientações de prevenção de futuros acidentes.
O acidente
A aeronave havia saído de Londrina na sexta-feira 10 de dezembro às 15h e chegou em Uberaba às 16h45. O voo da volta estava previsto para o domingo, dia 12. Na data marcada, às 18h, a aeronave foi retirada do hangar e abastecida em 150 litros em cada asa. Todos os procedimentos foram checados.
A aeronave decolou de Uberaba às 18h com destino a Londrina com dois pilotos a bordo e cinco passageiros. Por volta das 21h33, a aeronave estava nivelada a 4.500 pés de altitude e a tripulação autorizada a realizar a aproximação final. Durante o trajeto, o piloto e copiloto mantiveram contato com o aeroporto de Londrina sobre as condições climáticas na cidade. As comunicações bilaterais entre a aeronave e os órgãos de controle do espaço aéreo foram realizadas normalmente durante todo o voo.
Às 23h33, a aeronave informou Londrina que encontrou uma turbulência pesada. Esse foi o último contato com a torre. Neste tempo, o controle de Londrina efetuou diversas chamadas e questionou se outro avião (voo GOL 1288) recebia alguma indicação. Porém, não obteve sucesso nas tentavias. O voo GOL 1288, que também estava se aproximando de Londrina, preferiu efetuar uma espera, aguardando melhoria das condições meteorologicas.
Durante a descida, quando foi relatado ao aeródromo de Londrina forte turbulência, a tripulação reportou que a aeronave recebeu uma rajada de vento ascendente e depois uma forte rajada descendente.
Na investigação, o piloto disse que curvou a aeronave para a esquerda da rota com a intenção de livrar a colisão com a cidade. Nesse instante, um alarme sonoro alertou a tripulação da colisão contra o solo. Em seguida, a aeronave colidiu contra o solo, em plantação de soja. A aeronave ficou completamente destruída. Foi danificada 3,65 hectares de plantação de soja.
Conforme declaração dos tripulantes, a aeronave enfrentou turbulência severa associada com fortes descendentes e também sofreu com os efeitos do fenômeno meteorológico conhecido como windshear ou tesoura de vento.
De acordo com a gravação da cabine, não foi efetuado qualquer briefing de descida e de aproximação para o pouso. O piloto informou para o copiloto que era "pousar ou pousar". O bimotor tocou o solo em um aclive e manteve o voo por inércia. Ultrapassou uma cerca e foi fragmentando ao longo de 212 metros. Os motores desenvolviam potencia normal. O fogo iniciou após o impacto contra o solo e o material de combustão foi o combustível da aeronove. O fogo teve origem em decorrência do contato com as partes quentes dos motores. O copiloto abriu a porta principal e os cinco passageiros desembarcaram. O piloto foi o último a sair. Ele provavelmente perdeu a consciência por alguns instantes por conta do impacto contra o solo.
Surpreendidos pela tempestade
O piloto foi ouvido no dia seguinte ao acidente. Nitidamente emocionado, ele demonstrou o caráter inesperado da tempestade com a qual se depararam. Experiente, ele trabalhava para o empresário dono do avião há anos, transportando-o para outros estados para realização de leilões. O piloto afirmou ter agido com firmeza na hora em que perdeu o controle do avião. Ele não pensou que a tempestade pudesse evoluir rapidamente, pois estava acostumado a pousar em Londrina ao anoitecer e com chuvas. Por pensar que a situação estava sob controle, seguiu em frente.
Consta no relatório que o vento era de grande intensidade e, naquele momento, outras aeronaves que vinham para a aproximação desviaram sua rota. Posteriormente, o piloto relatou que enquanto se aproximava do pouso, estava visual com a pista e, ao longe, há mais ou menos oito milhas, avistava uma tempestade se aproximando. Ele afirmou que estava voando sob regras de voo por instrumento.
Escutas das gravações indicam que o piloto pediu diversas vezes ao copiloto informações sobre as condições do tempo. Por vezes, o copiloto alertou para um procedimento desejável sem no entanto ser assertivo. A situação causava muita ansiedade e as condições do tempo iam degradando e quanto mais próximos do pouso mais tensos eles ficavam.
Fatores que contribuíram
No relatório do Cenipa, consta que, de acordo com o manual da aeronave, a tripulação deve monitorar a velocidade cuidadosamente quando em tempestades, particularmente na aproximação e deve ficar mentalmente preparada para aplicar potência no motor e arremeter nas primeiras indicações de de windshear. Nos dois últimos minutos da gravação registrados a tripulação não relatou ter encontrado o fenômeno.
Mesmo após o primeiro alerta sonoro, os pilotos não tomaram uma ação imediata de arremeter a aeronave com o intuito de sair dessa situação demonstrando provavelmente que a instrução realizada no simulador pelo piloto em comando tenha sido insuficiente ou inadequada para perceber e reagir na velocidade necessária.
Com base nas informações disponíveis, não houve falha de prestação no serviço de controle de tráfego aéreo prestado pelo controle do aeroporto de Londrina. Além disso, não houve indício de infração de tráfego aéreo cometida pela aeronave em sua aproximação.
É provável que os tripulantes tenham subestimado as condições meteorológicas. O grau de dificuldade em que se colocaram os pilotos foi crítico e possivelmente o nível de ansiedade muito elevado, no contexto, foi propício aos erros de julgamento.
A indisciplina de voo contribuiu, já que o piloto estava ministrando instrução ao copiloto apesar de não possuir habilitação de instrutor de voo. O copiloto não era qualificado e nem habilitado para exercer função a bordo daquela aeronave. Tais fatos contribuíram para que as reações frente a perda de altura da aeronave não fossem eficazes a ponto de evitar a colisão com o solo.
Recomendações
Como parte da investigação, o Cenipa emitiu algumas recomendações à Agência Nacional de Avição Civil (Aanac). Divulgar os ensinamentos da investigação aos operadores da Aviação Geral, enfatizando a importância do treinamento de recuperação de windshear, da adequada análise das condições meteorológicas e dos conhecimentos adquiridos no curso específico da aeronave.
Desenvolver trabalho permanente de conscientização dos proprietários da Aviação Executiva sobre a importância da supervisão gerencial sobre as atividades aéreas, visando possibilitar a detecção de falhas latentes.
Atuar junto ao operador para orientá-lo quanto à importância do treinamento no simulador dos procedimentos de recuperação de windshear e dos procedimentos relacionados aos alarmes do EGPWS, visando capacitar os pilotos a reagir adequadamente quando necessário.
Ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), o Cenipa recomendou estudar a viabilidade de divulgar, através das salas AIS civil e militar, estatísticas de ocorrência de Windshear por localidade, bem como instruções relativas à interpretação de fenômenos meteorológicos e seus efeitos na aviação.
Fonte: Lucas Emanuel Andrade - Redação Bonde - Fotos: Reprodução