segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Os aviões estão ficando cada vez mais sujos? Vídeos nas redes questionam de quem é a culpa

Frame do vídeo do usuário scottandsals em sua conta no TikTok, que mostra restos de
batata frita no chão de um avião da Ryanair (Foto via @scottandsals / TikTok)
A câmera mostra a situação do piso sob duas fileiras de assentos, o carpete coberto de tanta migalha de batatinha frita que parece até que nevou dentro do avião. "A tripulação disse que não limpa nada entre um voo e outro", diz a legenda de um vídeo do TikTok feito recentemente dentro de um voo da Ryanair que saiu das Ilhas Canárias em direção a Londres.

Em outro, a mão do passageiro batendo no assento levanta uma nuvem densa de poeira — que também lembra flocos de neve — em uma aeronave da Qantas rumo a algum ponto do território da Austrália. "Meu Deus, que coisa nojenta", alguém comentou no Facebook.

Ao longo da pandemia, viajar tem sido um caos frustrante, mas, no geral, uma atividade relativamente limpa, com muitas aéreas se comprometendo com práticas sanitárias robustas logo no início e inúmeros passageiros temerosos redobrando a atenção com a higiene do espaço que ocupam.

Entretanto, dois vídeos que recentemente se transformaram em virais, revelando cabines imundas, levantaram a lebre de que talvez os dias de avião limpo estejam contados, como já é o caso em relação ao uso da máscara. Também abriram um debate sobre a responsabilidade pela bagunça: é da tripulação ou dos passageiros?

— Comissário de bordo não é faxineiro — resumiu Nicole D. Lawson, de Nova Jersey, que não trabalha em nenhuma das duas companhias, mas se confessa frustrada ao ver como os passageiros simplesmente ignoram as inúmeras oportunidades que têm de dispor do lixo de forma correta.


O que realmente irritou Scott, de 23 anos, criador de conteúdo voltado para viagens de Essex, na Inglaterra, que postou o vídeo da Ryanair, foi a atitude da tripulação. (Ele se recusou a fornecer o sobrenome porque é policial.)

— Tinha lixo para todo lado. Além das migalhas que forravam o corredor, vi uma poça de bebida no chão e algo que parecia vômito. Os tripulantes não só foram supergrossos, dizendo que não era sua obrigação, como também se recusaram a me dar papel, pano ou qualquer coisa para limpar — confirmou ele na entrevista por telefone.

O que o surpreendeu na reação que o vídeo gerou na sua conta e a na de sua companheira no TikTok e no Instagram — em mais de dois mil comentários — foi a quantidade de gente que defendeu a tripulação. "Eles têm 25 minutos em terra, mal dá tempo de fazer a checagem completa de segurança", comentou alguém que ganhou muitas curtidas. "A culpa não é deles, é de quem fez a bagunça", escreveu outro. "Se minha passagem tivesse custado 20 libras (cerca de R$ 120), eu até encararia umas migalhas", resmungou o terceiro.

E, embora a empresa irlandesa ofereça bilhetes a preços absurdamente baratos — atualmente, seu site anuncia voos internacionais por até US$ 8 (R$ 41) —, Scott garante que pagou 200 libras, ou cerca de R$ 1.200, motivo pelo qual ele esperava mais.

Em relação à política oficial de limpeza da aérea, há desencontros. Em maio de 2020, Michael O'Leary, CEO da Ryanair, declarou ao jornal britânico "The Times" que não havia tempo para a faxina entre um voo e outro, e que esta era feita, de forma mais cuidadosa, uma vez por dia. Já a porta-voz da empresa escreveu: "Nossas aeronaves são limpas no intervalo entre os voos." (Embora não tenha respondido imediatamente às nossas outras perguntas.)

Frame do vídeo que um passageiro da Qantas postou no Facebook, mostrando
uma nuvem de poeira saindo de um dos assentos do avião (Foto: Reprodução)
De qualquer maneira, a nuvem misteriosa de partículas no avião da Qantas é mais surpreendente, afinal a maior aérea australiana não é, nem de longe, de baixo orçamento. "A viagem entre Sydney e Perth, de cinco horas de duração, foi a mais cara que já fiz na vida", escreveu Ross Matthews ao postar o vídeo no Facebook. Foram essas imagens, repostadas pelo tabloide britânico "Daily Mail", que fizeram muita gente questionar se até as maiores empresas abandonaram os padrões de limpeza estabelecidos durante a pandemia.

De fato, foi o que muitas fizeram. No comecinho de 2020, muitas se comprometeram a seguir protocolos complexos de higiene. Essas promessas foram desaparecendo aos poucos em decorrência dos custos, da inconveniência e da ciência. Em abril do mesmo ano, pesquisas revelaram que a possibilidade de o coronavírus se disseminar nas superfícies era mínima, com o uso de máscara e a ventilação se tornando o foco do combate à infecção. Em junho, por exemplo, a United Airlines anunciou que desinfetaria as cabines com um spray de carga eletrostática entre todos os voos; em julho do ano seguinte, a aérea confessou ao site The Points Guy que mudara as diretrizes, aplicando um tipo diferente de desinfetante só uma vez por semana.

No início de 2022, a JetBlue parou de usar equipes profissionais para a limpeza das bandejas entre os voos, o que começou a fazer em março de 2020, segundo um tripulante. Da mesma forma, em agosto de 2020, a Southwest anunciou que pararia de desinfetar os descansos de braço e os cintos de segurança entre um voo e outro.

É claro que limpar migalhas do chão é bem diferente de cobrir as superfícies com um produto químico para matar o vírus. Nesse quesito, as políticas de cada empresa variam muito. Algumas, como a American Airlines, afirmam mandar uma equipe para os aviões entre cada viagem; outras, como a JetBlue, só seguem o procedimento nas aeronaves que chegam do exterior; a Southwest, ao contrário, conta com os tripulantes para "dar uma geral" entre um voo doméstico e outro, enquanto recolocam o cinto de segurança no lugar, segundo vários deles. De acordo com a Delta, suas equipes "fazem uma limpeza frequente e minuciosa no interior das aeronaves".

De modo geral, porém, os comissários são responsáveis por oferecer aos passageiros oportunidades de lidar com o próprio lixo, mas não por passar aspirador ou limpar qualquer superfície. Essas tarefas são de responsabilidade de outros funcionários, que nem sempre estão presentes a cada intervalo de voo.

— Só que tem gente que acha que o avião é estádio, jogando até comida no chão. O pessoal acha que de fato pode tudo. Qual a dificuldade em dispor do lixo corretamente? — questionou Nastassja Lewis, comissária e fundadora da th|AIR|apy, ONG voltada para a saúde mental da categoria.

Em relação à nuvem de poeira da Qantas, não dá para dizer qual deve ser o nível de indignação dos passageiros. "Só pelo vídeo não dá para saber o que caiu no assento e quando isso ocorreu. É óbvio que a poltrona foi limpa. Nossas aeronaves passam por uma higienização profunda regularmente, que inclui assentos e travesseiros", esclareceu por escrito um representante da empresa australiana.

Por Heather Murphy (The New York Times) via O Globo

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